quinta-feira, 18 de julho de 2019

UM MENINO DE ENGENHO JULHO 2006


Um menino de engenho


     Era o início dos anos 30 do século passado. Naquele final de manhã o senhor de engenho botaria as mãos na cabeça sem saber o que iria fazer com o filho Juquinha de 11 anos que, fugido do colégio, aparecera de inopinado a sua frente.
     O pai não sabia se ficava zangado ou triste com o retorno inesperado. Há apenas 3 meses matriculara o garotinho no Colégio Diocesano. O acerto era de ficar morando na casa do tio até o término do curso ginasial.
     O menino estava irredutível: “Estudar, nunca mais!”.
     Com a paciência que a época permitia, finalmente ficaria resolvido que o rebelde voltaria para a capital na condição de interno. Foi o preço pelo alívio de livrar-se do parente indigesto.
     Cinco anos depois, o menino já rapaz, agora Juca, pegaria um trem para estudar no  Recife em busca do sonho. Os recorrentes avisos do pai para evitar botar a cabeça pela janela do trem em movimento não foram o bastante. A inobservância custou-lhe a perda do chapéu novo em folha e meses de economia para chegar em casa nas férias com um chapéu na cabeça.
     O tempo foi passando, o sonho de ser médico era quase uma realidade. Um dia foi surpreendido com uma carta em que o pai comunicava que já não era possível manter o engenho. As dívidas com agiotas tinham chegado a um nível insuportável.
     O rapaz voltou correndo para casa com a decisão tomada: largaria o curso médico para salvar o engenho. Dentro do possível tentou demover o pai. Finalmente, cedeu ao cruel argumento paterno: “Estou me acabando. Isso aqui é um fim de vida sem futuro”. Meses depois retornaria às pressas para Maceió. Guardaria para o resto da vida a mágoa de não ter podido “enterrar” o pai.
     No próximo 25 de julho a Academia Alagoana de Medicina, em sessão solene, prestará justas homenagens a várias personalidades médicas alagoanas. Dentre os escolhidos, o meu saudoso pai, José Lopes de Mendonça, o Juquinha, honra do velho Chico do Brejo.
     Médico durante mais de 50 anos, trabalhou até quase o dia da morte. Clínico geral, parteiro de todos os filhos e de uma centena de filhos dos outros, professor de química do  Colégio Guido, chefe do Serviço de Verificação de Óbitos, professor de Anatomia  Patológica e de Medicina Legal da Ufal, psiquiatra fundador da Clínica de Repouso dr.  José Lopes de Mendonça, meu pai era, antes de qualquer coisa, um tímido menino de engenho.



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