quinta-feira, 18 de julho de 2019

AS RAPOSAS DOS CANAVIAIS JULHO 2006


As raposas dos canaviais


     Dona Soledade é uma evangélica da igreja Maranata que quase diariamente me adverte sobre a proximidade cada vez maior do fim do mundo.
     Ela e sua filha Das Dores (que os meus netos chamam de Dodoce), do mesmo modo evangélica, preocupadas com o meu destino, tentam me convencer a investir de modo definitivo na salvação dessa alma arredia e pecadora. Não será, portanto, por falta de avisos e orações algum desfecho desagradável.
     Criada numa fazenda de cana de açúcar até os 12 ou 13 anos, Soledade, como boa parte dos convertidos para as igrejas evangélicas, aprendeu a ler depois de adulta em cima dos textos bíblicos. Na infância, envolvida nos trabalhos da fazenda, não pôde estudar.
     Segundo relata, seu pai a proibira de frequentar escola porque as aulas eram ministradas numa propriedade vizinha daquela onde morava. Como o deslocamento era a pé, tendo que atravessar alguns canaviais, havia o receio de ser atacada pela raposas, as “raposas dos canaviais”, feras medonhas, versão Lobo  Mau, a farejar avós desamparadas e criancinhas desprotegidas.
     Menino de cidade (na verdade sou de Bebedouro), pouco afeito às lendas e fantasias que povoam nosso interior, desconhecia perigos reais ou imaginários que as raposas podem representar para as crianças, a ponto de inibir o deslocamento.
     Sempre pensei que o bicho brabo dos canaviais era o guará, um parente raçudo das temidas criaturas. Nas minhas limitações de ordem prática, as raposas fazem parte de um universo de fábulas e metáforas. Dentro desse contexto, seriam aquelas espertas criaturas que às custas de muita lábia convencem o vaidoso corvo a cantar, e assim abrir o bico e soltar o queijo.
     Como regra geral de prudência, por motivos óbvios, é praxe se dizer que não se deve entregar a chave do galinheiro à raposa, preceito que, infelizmente, os eleitores costumam sempre esquecer.
     Aliás, as brincalhonas raposas de Brasília não deixam de fazer estragos. Com mil esquemas de bocanhadas no dinheiro público, o escândalo da vez responde pelo nome de Sanguessuga. Democrática até não mais poder, a lista inclui raposas de todos os partidos (do partido de cana ao PT) e de todas as convicções.
     Dona Soledade vai ter de desdobrar-se em orações quando souber que um terço delas pertence à corrente dos seus irmãos evangélicos.



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