quinta-feira, 18 de julho de 2019

O POTE E A RODILHA MAIO 2006


O pote e a rodilha
 RONALD MENDONÇA
 Médico e professor da Ufal

     Bons ou caóticos, em todas as épocas e em qualquer local do planeta os hospitais de emergência sempre se constituíram num laboratório insubstituível para a formação de médicos e enfermeiros. Não foi diferente no meu tempo de estudante há quase quatro décadas.
     Um dia, o Hospital de Pronto Socorro Municipal de Maceió, mesmo caindo de sujeira, com todos os pecados e vícios, foi meu objeto de desejo. Meu e de boa parte da estudantada de medicina que sonhava em fazer cirurgia ou simplesmente queria ganhar cancha em atendimento de urgência.
     Das boas lições que guardo na algibeira, certamente muitas delas foram extraídas das agonias e alegrias dos movimentados plantões como acadêmico do velho PS da Dias Cabral.
     Recordo que já nos primeiros dias, chegou um paciente com uma das pernas esmagada pelo trem. Logo, um acadêmico mais antigo adiantou-se candidatando-se para realizar a amputação, depois de garantir que tinha alguma experiência com o ato.
     Escalado como auxiliar, acompanhei o aperreio do meu colega. No começo até que foi tudo bem. A partir de um determinado momento, a cirurgia começaria a emperrar, o tempo foi passando, o doente ensaiando impacientar-se... Enquanto o anestesista pressionava com dilacerantes indagações tipo, “E aí, doutor?”, incômodos cochichos e risinhos dos auxiliares de sala tornaram-se facilmente percebidos. Acostumado a fazer partos e a auxiliar cirurgias ginecológicas, amputar membros, ficou claro, não era a praia do intrépido acadêmico.
     Trêmulo e pálido, o aprendiz, de quando em vez, fitava-me desesperado em busca de uma luz. Ainda mais neófito, aqui e acolá eu arriscava uma opinião (era mais um palpite), geralmente recusada com desdém.
     Finalmente, depois de meia hora sem dar um nó, completamente perdido no campo operatório, apenas ciscando em busca dos vasos e nervos da coxa, humilhado, o “projeto de cirurgião”, para alívio geral, decidiu ouvir a minha tímida sugestão: pedir arrego e chamar o plantonista. A via-crúcis daquela noite estava terminando.
     Por cima da carne seca, olhar meio debochado, o cirurgião ouviu as inúteis justificativas. No fim, a sentença inesquecível, que deveria servir de lema a todos os despreparados aventureiros deste País, de Lula a Cláudio Lembo: “Fulano, quem não pode com o pote não olha para a rodilha”.



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