quinta-feira, 18 de julho de 2019

O BEIJO E O CUSPE NOV 2006


O beijo e o cuspe


     Matuto complexado de Bebedouro, colei grau em medicina em 1971 e fui para São Paulo. De volta, cinco anos depois, numa primeira olhada, tudo parecia estar no mesmo lugar. No entanto, a província estava modificada por um novo costume. É que as pessoas passaram a se cumprimentar de beijinhos. Até meu pai, jurássico de Pilar, para meu espanto, aderira ao hábito.
     Não sei se por efeito das novelas, o fato é que beijar virou epidemia. Além dos alvos habituais, praticamente nenhum órgão parece escapar ao afago, pois enviam-se beijos até para o coração. Em muitos grupos de vanguarda, o antes sensual beijo nos lábios transformou-se em cumprimento corriqueiro. Enfim, beija-se tudo e por qualquer coisa.
     Agora mesmo, com a certeza do triunfo, o presidente Lula foi fotografado beijando uma bandeira brasileira, logo após sair da cabine eleitoral. Seu ar vitorioso foi captado pelas lentes e exibido na segunda-feira em todos os jornais do país. Embora demagógico, indiscutivelmente desgastado, beijar em público escudos e bandeiras não deixa de ter seu lado simpático.
     O gesto guarda íntima relação com as comemorações de jogadores de futebol, que após marcarem um gol correm para a torcida, puxam para si o escudo do clube aplicado na camisa e tascam longos beijos, sinalizando paixão e fidelidade.
     O detalhe é que muitos deles estão brigados com a torcida e/ou em litígio com o clube.   Mesmo assim, na hora da emoção do gol não dispensam a alegoria. Também é mero detalhe o fato de muitos estarem de malas prontas para o exterior, aguardando apenas a oportunidade para beijar um novo escudo.
     É claro que Lula tem todos os direitos de expressar seu patriotismo, beijando quantas vezes quiser o pavilhão nacional.  Apesar da linguagem futebolística, nem de longe vou pensar que o presidente do Brasil beijaria com igual ardor a bandeira de outro País. Da Bolívia, por exemplo. Não obstante as aparências, tenho certeza de que Lula ama muito mais o Brasil do que a Bolívia.
     A verdade é que beijando ou não a bandeira, Lula foi reeleito com consagradora votação. Apesar de ter cuspido na ética durante boa parte do seu primeiro mandato, jurou não repetir os pecados. (O desmantelo nos aeroportos talvez esteja ainda na cota dos erros pretéritos).
     Afinal de contas, se o brasileiro não botar fé num homem, que acaba de ser eleito com quase 60 milhões de votos, vai acreditar em quem mais nesse mundo?



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