Questões de gosto
Ronald Mendonça
Médico e professor da Ufal
Não escondo a minha insignificância para entender o que se passa nos bastidores da sangrenta disputa entre árabes e judeus. Se dermos crédito ao Livro Sagrado, esses povos teriam a origem comum em Abraão. Os árabes, por serem descendentes de Ismael, filho do patriarca com uma escrava; enquanto que de Isaac, rebento legítimo de Abraão com a esposa, Sara, teria se multiplicado o povo judeu.
Ignoro se esses detalhes bíblicos seriam suficientes para assegurar a qualquer das partes o definitivo direito de posse das terras pelas quais mata-se e morre-se.
Uma coisa é certa, se fosse no Brasil, a querela já estaria resolvida. Por aqui, ficou dono quem teve goela e chumbo grosso para expurgar os primitivos e legítimos proprietários. Depois, inventaram que “só é dono quem registra”, preceito que terminou garantindo o “pãozinho de cada dia” dos ciosos donos de cartório.
Voltando ao oriente médio. Com o derrame cerebral do líder judeu Ariel Sharon, uma expectativa diferente passou a prevalecer. É que, enquanto mantinha-se saudável, Sharon conduzia-se de modo mais ou menos previsível, agarrado àquela velha lei do Talião do dente e do olho. Guerreiro para alguns, terrorista para outros, não se pode, contudo, negar-lhe determinação e prestígio.
Por ora, o non sense tornou-se tão grande que o futuro da região está depositado no cheiro do carneiro. Ariel Sharon, cuja estampa não deixa dúvidas sobre a intensidade do apetite, teria particular loucura pelos assados do animal. Assim, nada mais terapêutico do que levar o familiar aroma do seu prato predileto até a beira do seu leito na UTI. Quem sabe, nos insondáveis mistérios do estado de coma, esse inusitado estímulo propicie o retorno à consciência.
A propósito, recordo de um antigo e ilustre morador do bairro da infância. Portador de irreversível afecção no fígado, sua morte era uma questão de horas. Por conta de cruel inapetência, alguém lembrou o valor nutritivo do leite materno. Logo, bela vizinha que acabara de dar à luz, generosamente, apresentou-se para acudir o ancião, que a tudo observava.
Não foi fácil recolher o leite. Depois de muitas tentativas encheu-se uma colher de sopa. O nervosismo era tal que, justo na hora em que o alimento estava para ser introduzido na boca do doente, um inesperado tremor derramou tudo. Foi aí que se ouviu a voz plangente do moribundo:
“Não seria melhor direto no peito?”.
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