Santa loucura
Tempos atrás, entrei em contato com um comovente texto do escritor Affonso Romano de Sant´Anna no qual o autor reflete sobre o momento em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
Crescendo independentes da nossa vontade, não demora o instante em que a infância dos filhos é vista pelo retrovisor, como uma paisagem ultrapassada, deixando uma imensa saudade daqueles tempos que se foram num piscar de olhos.
É quando chega a hora dos netos. Mais calejados, os avós têm nova chance, uma espécie de segundo mandato, para vivenciarem uma extraordinária experiência afetiva. Ao contrário dos segundos mandatos eletivos - que costumam ser bem piores que os primeiros -, o destino oferece aos avós a dádiva de reparar, sem pudor, erros pretéritos. O fato de não sentir vergonha por escancarar o inexcedível amor pelos netinhos é outro ganho que só a idade concede.
Reli a bela crônica de Romano esta semana com a mesma emoção da primeira vez. Coincidentemente, a televisão vem mostrando a rica relação afetiva neto/avô, na trama novelesca “Páginas da Vida”. Sendo o leitor um telespectador de novelas bem mais fiel (a inverosimilhança dos enredos desestimula a perseverança), certamente vai ser condescendente com as minhas defasadas informações sobre o desenrolar do drama. Nas últimas cenas que acompanhei, Alex, avô de Francisco, estaria decidido a fugir com o neto para escapar do assédio do pai do garoto, até então um ilustre ausente.
Apresentado inicialmente como um zero à esquerda, indolente e irresponsável, o personagem Alex, vem crescendo “como homem” a partir da chegada do neto. Habitualmente avesso à monotonia do trabalho rotineiro, o marido-problema, a duras penas, vem conseguindo adaptar-se em funções maçantes e mal remuneradas. Embora gastando o dinheiro do salário em mimos para o neto, pouco a pouco um novo sujeito está brotando.
São coisas do passado, o silêncio, a passividade e o temor servil à figura fálica da esposa (em que pese ser uma caricata “megera” com alguns méritos, além de muito bonita). Apostando todas as fichas na felicidade de Francisco, a figura decorativa está sendo substituída por um batalhador teimoso e agressivo, disposto às últimas conseqüências. Apavorado pela perspectiva de ter o seu neto subtraído, como todo bom avô em circunstâncias semelhantes, Alex está no limiar de um surto psicótico. Avô de Caio e Maria Clara, compreendo e assino em baixo de sua santa loucura.
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