quinta-feira, 18 de julho de 2019

GOTA D´ÁGUA SETEMBRO 2006


Gota d’água
 Ronald Mendonça

     Com uma freqüência acima da média, a imprensa vem noticiando suicídios, alguns deles precedidos por homicídios. Nesse aspecto, são particularmente dolorosos quando os suicidas, antes do derradeiro gesto, lançam-se sobre filhos ou pais.
     Recentemente, aqui em Alagoas, uma avó em depressão matou dois netos antes de se matar. Esta semana, supostamente temendo uma punição dos superiores, vítima de si mesmo, um militar ganharia as manchetes dos jornais.
     Considerado um ato de covardia, irresponsabilidade ou de grande coragem, a depender dos julgamentos de palpiteiros e curiosos, as ciências que estudam os suicidas, contudo, têm alguma unanimidade ao afirmar que esse ato extremo teria, sobretudo, a finalidade de agredir aos que ficam, aos vivos.
     Sob esse prisma, o suicídio de Getúlio Vargas, cujo aniversário passou esquecido neste 24 de agosto, teria a intenção de ferretear a UDN, sua impiedosa adversária política.   A morte de Vargas aqui e acolá é revisitada, principalmente quando presidentes da  República escorregam na indecência.
     Com efeito, no auge da crise política de 2005, ocasião em que sob o olhar soturno de Roberto Jefferson, ficou mais que provado que o governo Lula era um desmantelo só, muito se falou de suicídio de figurões da República. Impressionados pelo filme que mostrou os últimos momentos de Hitler, os mais apressados falaram em suicídio em massa de petistas e aliados beneficiados pelos esquemas do mensalão, caixa dois, sanguessugas, vampiros etc.
     Sentindo na pele a dívida ética, até companheiros que não haviam participado das tramóias, mas não obstante envergonhados, estariam dispostos a pagar com a vida, lavando com o próprio sangue a honra conspurcada.
     Na época, sussurrava-se que o suicídio em massa seria público, numa apoteose digna das escolas de samba do Rio de Janeiro. Embora perverso, o raciocínio não deixava de ter seu lado lógico. Sob a coordenação de Duda Mendonça, com o fundo musical de Gota d’água de Chico Buarque, companheiros suicidas culpados e simpatizantes espalhados pelo Brasil afora fariam um grand finale cronometrado.
     Definido o afogamento como a via mórbida, os condestáveis de Brasília se lançariam de mãos dadas sobre o espelho d’água do Palácio do Planalto. Em Alagoas, a indecisão entre o Edifício Brêda e a ponte da rodoviária nova, finalmente teria prevalecido o consenso: o local do suicídio em massa seria a piscina da Pajuçara.



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