quinta-feira, 18 de julho de 2019

FEV 2006 CARREGADOR DE PIANO


Carregador de piano
 Ronald Mendonça
 Médico e professor da Ufal

     Esta semana, a Universidade Federal de Alagoas entregou ao Brasil mais de 80 novos médicos. Honrado pela homenagem que os alunos me prestaram, pude mais uma vez conferir in loco a beleza e a emoção de uma formatura em medicina. De fato, não há discurso inadequado que consiga estragar aqueles instantes de magia e encantamento.
     Tradicionalmente, o médico, na hora da sua colação de grau, repete a célebre jura de Hipócrates, o “pai da medicina”, tida como fonte permanente do ideal da ética médica.
Cultuado pelas lições de bom-senso, o juramento de Hipócrates muitas vezes transforma-se numa arma apontada contra nós, médicos, na mão de todo vagabundo que pretenda explorar o nosso trabalho. Não é por acaso que sociedades europEias de medicina tentam encontrar fórmulas éticas para atualizar o juramento, sem romper com o “velho feiticeiro” de Cós.
     Hoje, uma armadilha adicional espreita a novel classe médica. Trata-se do famigerado SUS, louvado em versos e prosas sobretudo por gente que não trabalha para o aleijado sistema.
     Imaginem o dilema moral do recém-formado. Estudando gratuitamente em instituição do governo, nada mais justo que retribuir essa generosidade com o atendimento franciscano da população carente, financiadora compulsória da universidade. De fato, setores importantes do ensino médico vêm forçando a barra para que os jovens, particularmente os oriundos de estabelecimentos públicos, elejam como único objeto de desejo o falido SUS, jogando assim uma pá de cal nos sonhos pessoais de crescimento científico e acadêmico. Tudo isso por uma vil remuneração.
     Abro um parêntese para dizer que o SUS não é ruim... no papel. O sistema é ridículo apenas na execução. Olhem para a Unidade de Emergência e estão vendo o seu retrato fiel.
     O bicho pega: se no ano passado foi caótico, esse ano vai piorar ainda mais. É que o governo federal resolveu subtrair quatro ou cinco bilhões do orçamento do SUS para aplicar em programas assistencialistas - aqueles do “trabalho zero”.
     A grande e definitiva verdade é que não se cobra de outros profissionais o que se exige dos médicos. Até porque não há um SUS para a OAB ou o CREA. Embora a comunidade reconheça a boa safra de criativos especialistas em todas as áreas, um coup d’oeil nas diferentes atividades fica evidente que, na prática, ninguém tem o menor compromisso formal com o social, apesar de formados em escolas públicas.



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