Ranço burguês
Qualificado pela generosidade da poeta Vera Romariz como alegórico, o artigo do sábado passado intitulado Gota d´água me valeu irados telefonemas de velhos e fraternos amigos da tradicional esquerda alagoana. Desprovido de qualquer ideologia, e sem motivos pessoais maiores para investir minha libido em causas político-partidárias, escutei razões e reprimendas com a resignação dos arrependidos.
Lulistas irremediáveis, cultos e ricos, meus amigos gauchistes deitaram uma aula de Brasil. Com muita propriedade desenterraram os 500 anos de história em que os patrões detiveram o poder e nada fizeram, a não ser acumular mais fortuna pessoal. Alegam os impiedosos críticos que meus comentários preconceituosos contra o presidente-operário, além de injustos, revelam em mim uma doença incurável e mortal: o ranço burguês.
Poucas vezes vi uma designação tão adequada. Órfão da sorte de não possuir uma sinecura no serviço público, uma reles chefia que fosse, nascido e criado no popularíssimo bairro de Bebedouro, assalariado da medicina, de fato a denominação tem tudo a ver comigo.
Na óptica dos inconformados amigos, se não estamos ainda vivendo no melhor dos mundos é porque Lula não completou o ciclo vital dos oito anos de mandato, tempo ideal para um presidente cumprir ad integrum todas as promessas de campanhas vencidas e vincendas.
Aliás, numa de suas aparições na TV, faz questão de ressaltar que hoje, mais experiente, acumulou mais condições de governar de que há quatro anos. (Que isso não sirva de desculpa para se perpetuar no poder.) É claro que Lula não é o pior presidente do planeta. Dentre suas qualidades cumpre destacar que como amigo é de uma lealdade impressionante. Depois de acolher os derrotados do seu partido nas eleições de 2002 com cargos polpudos, fez de tudo para livrá-los das investigações criminais.
Lula mostra toda sua habilidade em fazer de suas fraquezas força quando diz, por exemplo, que sua rudeza deve ser aceita por conta da pouca leitura. O que não é possível é a indulgência com a face corrupta do seu governo.
Na realidade, meu ranço burguês reconhece que o país está estável. Vive aquele estado de saúde de um paciente de UTI em coma induzido que respira por aparelhos, mas que mantém equilibrados alguns parâmetros clínicos (pulso, pressão, temperatura, diurese e defecação).
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