quinta-feira, 18 de julho de 2019

DE NOVELAS E VILÕES 13/01/2007


De novelas e vilões


     Sem que isso signifique vergonha, orgulho ou dissimulação, apenas de vez em quando dou uma olhada na novela “Páginas da Vida”. Apesar da sofrível assiduidade é possível acompanhar razoavelmente o enredo. Como os capítulos se arrastam em doses homeopáticas, seguir o fio da meada, depois de perder dois ou três episódios, não é nenhuma vocação especial. Aliás, os novelistas armam a coisa visando também esse público pouco fiel, que não faz da novela um compromisso inadiável.
     Conquanto caricaturais, de alguma forma, enredos e personagens de novelas tentam reproduzir situações e figuras da vida real, criando identificações e antipatias no telespectador. Claro que sempre existem o talento e a beleza dos atores a serem checados. É justamente nesse conjunto que reside a força do folhetim.
     Ouço dizer que cada autor tem sua especialidade. Alguns gostam do mato, dos senhores poderosos, do contraste e das aproximações de fundo escravagista/abolicionista.  Casados com mulheres submissas, o personagem tudo domina, mas sua vida pessoal é marcada por filhos porras-loucas.
     Outros noveleiros apreciam abordagens de cunho político. Numa das vertentes botam um sujeito que odeia o desprezível modus vivendi burguês. No contra-ponto, um reformado do exército, truculento, burro e preconceituoso, que odeia comunistas, pobres e homossexuais. Por azar, a linda filha do milico apaixona-se pelo comuna, larga a casa dos pais e parte para a clandestinidade. Para apimentar a trama, há um frade que fuma, bebe, lê Marx e Engels e morre de culpas porque está de olho numa paroquiana.
     Na condição de avós, Nadja e eu, em “Páginas da Vida” vemos com simpatia o personagem Alex, avô do garoto Francisco, que trava luta desigual para manter o neto junto a si. A personagem Marta, esposa de Alex, não desperta igual sentimento. Conspirando de forma suja, a insensível avó não faz a menor questão em manter a guarda de Francisco; sem remorsos, quer mais é se arrumar. Sua venalidade é chocante.
     Pulando agora para a vida real, penso na indignação gerada pela venalidade dos gestores públicos. Vilões que deixaram os Estados em situação de indigência, com salários atrasados e cofres arrombados.
     Como até o final da novela, a personagem Marta deverá ser punida, ludibriada pela própria irmã, cumprir-se-á uma lição moralizadora. Ao contrário, os que se locupletaram no erário, gozarão das benesses e têm risco zero de serem incomodados.
13/01/2007


TREMENDO MAU GOSTO


Tremendo mau gosto
 Ronald Mendonça
 Médico e professor da Ufal

     Uma das vantagens da liberdade de imprensa é a possibilidade de as pessoas tomarem ciência dos fatos que as rodeiam sem precisar sair de casa. Nesse aspecto, o valor do salário da professora Heloísa Helena é um exemplo.
     Depois que o presidente Lula, durante a campanha para a reeleição, alardeou que havia “devolvido a dignidade” aos funcionários federais, poucos poderiam imaginar que um professor universitário estivesse recebendo essa merreca.
     Que Lula, um inimigo irreconciliável de leituras, trate de forma desdenhosa os professores é até compreensível. O intolerável mesmo é que o intelectual Fernando Henrique, nos seus oito anos, tenha sido tão cruel com o universo do magistério.
     Como uma moeda tem sempre duas faces, é inevitável que se diga que, afinal de contas, o valor não é tão ruim assim, uma vez que há milhões de brasileiros que sobrevivem com o salário mínimo (até com o Bolsa-família). Então, que raio de privilégio é esse? De onde se tirou essa idéia de que professor precisa ganhar bem?
Igual raciocínio é aplicado aos médicos. Coincidência ou não, nossa decadência iniciou-se quando “movimentos sociais” forçaram a barra e a classe médica passou a integrar a “categoria da saúde”. Desde então, pagamos o preço pela vala comum.
     O momento é de suspense. Tentando livrar-se da “vala comum”, os médicos alagoanos têm a seu favor um plano de cargos assinado pelo governo anterior. O risco, hoje, é de mais uma vez se decepcionarem.
     Eu próprio, que mantenho fluida ligação com a secretaria da saúde, amargo três meses de salários atrasados.
     Na cruzada para tentar receber pelo que já trabalhei, tenho dificuldades em acessar os detalhes dos descontos – verdadeiras multas – aplicados ao vencimento. Falar em sacanagem é até gentileza.
     É nesse clima de pré-indigência que bandidos regionais e interestaduais elegeram consultórios médicos para assaltar. A crise deve estar grande. Especializar-se em assaltos a consultórios médicos é de um tremendo mau gosto. Pelo amor de Deus, alguém aí precisa avisar urgente a esses bandidos que os médicos são uns lisos. Seus clientes pertencem a planos de saúde e não pagam em dinheiro vivo.
     E vivem tão apertados quanto. (Os ricos se tratam lá fora.) Muitos deles têm como causa da doença justamente as dificuldades financeiras. Ufa! Essa semana a polícia prendeu a quadrilha. Que ninguém se anime. Em breve a justiça vai botar todo mundo na rua.
27/01/2007

GÊNIOS DAS FINANÇAS OUT 2007


GÊNIOS DAS FINANÇAS

Prestigiado na justiça e com o poder ampliado pelo domínio quase absoluto do legislativo, é compreensível que as assertivas do presidente Lula ganhem dimensão exponencial.
Uma das últimas brincadeiras do presidente foi apelidar de “choque de gestão” o aparelhamento do estado com apaniguados. Certamente para justificar os altos salários  dessas  futuras sinecuras, Lula defende remunerações elevadas e contratação de “pessoas competentes”.
Assim falando, Sua Excelência parece ignorar a existência de milhares de funcionários públicos de altíssima competência ganhando  merreca. Aliás, foi da sua lavra a autorização para um aumento de 0,1 por cento desse funcionalismo que agora, ironicamente, ele diz querer bem remunerado.
Na verdade, por cima da carne seca, com uma máquina de moer o contribuinte da classe média através de impostos e arrocho salarial, o governo precisa pagar a conta pela aprovação da CPMF. É a sandália nova que  o senador Wellington Salgado, com sua repelente imagem, cobrou e deve receber.
Empreguismo não chega a ser uma novidade entre nós. Identificado  como um dos mais expressivos líderes da política alagoana nos últimos 50 anos, o economista Divaldo Suruagy foi carimbado como o governante que mais empregos públicos concedeu.
Foram quinze mil nomeações, se não me falha a memória, entre  serviçais, professores, economistas, engenheiros, advogados, pessoal da saúde,  aspones, juízes, promotores, desembargadores, auditores e conselheiros do Tribunal de Contas e outros ingratos. Ou seja, do pé rapado aos  sultões da máquina pública, passando pelos mamadores de costume. Até os inimigos políticos conseguiam emplacar  os afilhados. O “milagre econômico” avalizava o Estado pródigo.
Nas voltas que o mundo dá, passada a era Suruagy, assumem o poder no estado e no país seus mais implacáveis adversários. Cheios de empáfia, com um discurso moralizante, destilando “o social” por todos os poros, o apetite dos “meninos” por cargos e mordomias revelou-se pantagruélico.
Nesse aspecto, a esquálida Alagoas ficou de queixo caído com a ascensão   de modestos servidores públicos  que, do dia para a noite, passaram a exibir excepcional  condição financeira. À boca larga, fala-se em acúmulo de imóveis, investimentos em terras e no comércio e até sociedades em prósperas empresas de “Factoring”. De repente, quem sabe, foram tocados pelo mesmo condão que transformou Lulinha Júnior num dos maiores gênios das finanças desse país.
04/10/2007

A ÚLTIMA LIÇÃO 2007 10/02


A última lição
 Ronald Mendonça


     Convencidos da existência de algum mérito neste velho professor de neurologia, os médicos que a Universidade Federal de Alagoas diplomou esta semana decidiram incluir seu nome no rol dos docentes homenageados.
     Tradição no universo das academias de ensino, essa espécie de “preito de gratidão” é o sentimento tornado público de que algo marcou na alma dos jovens médicos. Para os que recebem, as homenagens dos alunos não devem ser encaradas apenas como prêmios, mas, sobretudo, como incentivos para continuar a lide. Atingido pela flecha da vaidade, sinto-me impelido ao pecado de expor essa “última lição”.
     O fato é que para os legítimos donos da festa, os formandos, um novo ciclo foi deflagrado. Feiticeiros da era moderna, chegou a hora de fazer a sintonia fina dos conhecimentos. Como a experiência é filha da vivência, certamente o caminho ensinará a caminhar. Por esse viés, em relação às outras profissões, a médica leva boa vantagem. É que na pátria-mãe-gentil, apesar de Lula e FHC, não se conhecem, ainda, médicos desempregados. Mal-remunerados, explorados e humilhados até a medula por cânceres chamadas de SUS e planos de saúde, isso tem. Aos montes.
     Por falar em salários baixos, não deixou de ter seu lado picaresco o confronto ministro do Supremo X deputados e senadores para saber quem ganha mais. Luta de titãs, no que pese todos terem salários altíssimos, o legislativo vergonhosamente silenciou quando o ministro Marco Aurélio Mello garantiu que os nobres representantes do povo recebem pelo menos três vezes mais – caqueirada em torno de 70 mil por mês. O detalhe sórdido é que essa gente quer ter um aumento salarial de mais de 90 por cento.
     Voltemos ao que interessa. Lidando com o que existe de mais precioso no ser humano, dos esculápios são cobrados, além de padrões éticos e morais irrepreensíveis, conhecimentos técnicos atualizados, presteza, delicadeza, temperança, bom humor, espírito republicano e inexcedível capacidade de desprezo aos bens materiais. Sem dúvida, é do mister médico a bondade. Como vêem, é quase uma tarefa sobre-humana.
     Finalmente, não esperem gratidão. Na sua curta e trágica existência, por conta de curas espantosas, o próprio Cristo estigmatizou a dimensão que concedia à Medicina. Foi mais longe: ensinando sobre a gratidão humana, utilizou como matéria prima a recuperação de leprosos. Com efeito, dos dez favorecidos pelo milagre, apenas um voltaria para agradecer.



O GRANDE SACANA DEZ 2006


O grande sacana

 
     Terceiro filho de uma generosa prole de onze, cansei de ver nos remotos natais da minha infância minha saudosa mãe debruçada numa máquina Singer dando vida e graça a metros de tecido. Daquele atelier improvisado, saíam peças que preenchiam boa parte dos nossos limitados sonhos de consumo.
     Naquela época, Papai Noel era uma figura misteriosa que despertava expectativas ambivalentes. Se ele existia, certamente ou nos esnobava ou então não gostava de transitar por Bebedouro, onde tudo, a bem da verdade, conspirava contra a sua ida. A partir do bonde ronceiro, transporte prevalente, sabidamente inadequado ao ofício do bom velhinho, onde velocidade e presteza nas entregas são a alma do negócio. Além disso, que presentes poderiam agradar àqueles barulhentos papa-sururus?
     Ainda não fazia parte da tradição familiar iluminar árvores que talvez pudessem, de longe, atrair a atenção do famoso viajante. Pragmático, após a missa do galo e da indefectível ceia natalina, meu pai recolhia os sapatos que, antes de pegar no sono, tímida e sorrateiramente arriscava-me a colocar sob as janelas. Ao despertar, senti, recorrentes vezes, as punhaladas da decepção. De tanto fazer forfait, terminei por duvidar da existência de Papai Noel.
     Deixei para trás infância e eventuais mágoas natalinas. Cresci e tornei-me funcionário público. Como todo o funcionalismo, amarguei quase doze anos de congelamento salarial.   Os dois mandatos de FHC pareciam mais o Papai Noel da minha infância. O sociólogo de gabinete não estava nem aí para as nossas necessidades. Até que um dia, sem dúvida por conta do embalo da campanha eleitoral pela reeleição, Lula garantiu que daria um basta nessa sina humilhante. Ele prometeu e cumpriu, “resgatando” a dignidade dos funcionários públicos. E foi assim que meu salário foi acrescido de 150 reais.
     Apesar de Lula e FHC, nos últimos anos tenho revisto crenças adormecidas. Avô de Caio e Maria Clara, confesso ter voltado a acreditar em Chapeuzinho Vermelho, Lobo  Mau, Pinóquio, Pequeno Polegar e até nos sete anões do congresso.
     Nos últimos dias, foi justamente o legislativo brasileiro quem cutucou nas minhas convicções. De fato, a gana dos nobres deputados e senadores (tremendos caras-de-pau) em se autoconcederem aumento salarial de 90% – ou um pouco menos – confirmam o que sempre suspeitei e nunca tive coragem de falar: Papai Noel existe, transita em Brasília e é um grande sacana.



A DEMOCRACIA DA DOENÇA DEZ 2006


A democracia da doença


     Confirmando as estimativas mundiais sobre as causas de morte natural, Pinochet, que há anos arrastava-se, despediu-se vítima de doença cardiovascular. Seu colega de profissão, o cubano Fidel Castro, definha melancólico, devastado por um câncer intestinal.
     Embora partidários de ambos os lados rejeitem comparações, o recém-falecido general Pinochet, ex-ditador do Chile e Fidel Castro, ditador licenciado de Cuba, têm tudo a ver.
     Defensores de ideologias opostas e antagônicas, no poder, os grupos que lideravam comportaram-se de maneira exatamente igual, como, aliás, todo e qualquer déspota que se preza.
     As táticas são desprovidas de originalidade: cassação incondicional das liberdades, torturas, eliminação física e perseguição impiedosa de adversários reais ou imaginários, até que não existam sombras de oposição.
     Isso foi aplicado na Alemanha nazista, nos países comunistas da Europa e da Ásia, nos regimes talibans, nas ditaduras africanas e em todos os rincões em que o poder é mantido à força. Nosso estimado Brasil, deu uma mãozinha em práticas semelhantes em dois momentos: na ditadura Vargas, nos anos 30 do século passado, e na militar, de memória mais recente.
     O fato é que defensores do chileno destacam o crescimento do país depois da implantação das idéias direitistas do falecido general. Discordando da maioria, para alguns recalcitrantes arautos andinos, só em ter livrado o País da ameaça marxista, Pinochet já teria valido a pena. Os milhares de mortos e perseguidos seriam meros detalhes técnicos.   Líder de uma revolução que detonou uma ditadura inescrupulosa (se é que existem escrúpulos em alguma ditadura), Fidel Castro governa e reina há quase 50 anos. Sob o seu tacão, a ilha caribenha usa como cavalo de batalha as conquistas esportivas e a organização nos sistemas educacional e sanitário. Castro cometeu a proeza de socializar a pobreza.
     De tanto ver a conivência de venerandos intelectuais, estou inclinado a acreditar que nunca houve prisões arbitrárias ou julgamentos sumários em Cuba. Clamar por liberdade é coisa de pequeno burguês. Eventuais excessos (paredón etc.) bem que poderiam ser debitados a pontuais arroubos da vitória; nada mais que isso. O doce e terno Che Guevara, por exemplo, seria um sonhador incapaz de matar uma muriçoca...
     No fim de tudo, hoje resta apenas a certeza na implacável democracia da doença. Nem os mais ferozes déspotas a ela resistem.



VOOS DE GALINHA DEZ 2006


Voos de galinha

 
     Notícias nos jornais vêm dando destaque a suposto desconforto entre o governo que se encerra e o que se iniciará a partir de janeiro de 2007.
     Embora garantindo que colocará o comboio nos trilhos, segundo as mesmas fontes, Teotonio Vilela Filho terá algumas dificuldades para administrar o Estado.
     O noticiário também insiste em insinuar que algumas secretarias terão dificuldades em fechar suas contas, por motivos nem sempre publicáveis.
     O leitor sabe como essas coisas funcionam. De repente, um caro correto e humilde é catapultado a uma condição de mando, com muito dinheiro em sua mão. Grana que com certeza não lhe pertence.
     No entanto, as facilidades começam a pintar. Daí não seja tão fácil resistir.
     A esse respeito, há algumas semanas descrevi um fictício secretário de governo que teria ido várias vezes a Europa, não porque era secretário e sim porque era possuidor da “camisa do homem feliz”.
     Vocês não imaginam a quantidade de mensagens querendo saber o nome desse secretário bem-sucedido. Dediquei tempo explicando aos mais curiosos que objetivamente não havia um alvo específico. Na realidade, o secretário que veste a “camisa do homem feliz” é uma síntese. Poderia perfeitamente ser um ministro.
     O fato é que independente de haver secretários malandros ou não, Teotonio Vilela não terá moleza no seu mandato. Inclusive porque a sociedade se tornou mais consciente e mais exigente. Certamente a comparação com o governo que se encerra será inevitável.
     Diferente sorte caberá ao presidente Luiz Inácio da Silva. Quando assumiu o primeiro mandato, Lula e seus companheiros responsabilizaram todos os fracassos ao comando anterior.
     Para justificar as lambanças, “herança maldita” era uma expressão que fluía fácil da boca de todo aliado que se prezasse.
     Quatro anos se passaram. Não obstante a propaganda oficial, a administração petista foi uma celebração ao apadrinhamento e à corrupção.
     Mesmo assim desmoralizado, jogando pesado com a máquina governista, conseguiu uma reeleição.
     Quis o destino que ao fim do primeiro mandato a incompetência explodisse. Se já não bastassem o caos no SUS e na segurança pública, a bagaceira na aviação comercial tornou-se o prato do dia dos comentários. É o retrato fiel de um governo que tem voos de galinha.



FLIPENEDO DEZ 2006


Flipenedo

 
     Um calendário gentilmente ofertado por Ivone e Douglas me fez dar marcha à ré na memória. Num lance, revi-me menino perambulando, descalço e vadio, pelas ruas de Bebedouro. Uma bola de borracha nas mãos, uma garagem de bicicleta recendendo a familiares odores de graxa e Michelin.
     Completando a cena, na parede encardida, um manuseado calendário da Pirelli onde uma loura meio despida atiça a curiosidade de impulsivos pré-adolescentes.
     Que o leitor não se assanhe. O calendário do historiador Douglas Apratto é mais um mergulho no acervo arquitetônico de Alagoas. Desta feita, o pesquisador preocupou-se com a devastação, mostrando obras no seu estado primitivo ao lado da atual situação de penúria.
     São mais de duas dúzias de construções que marcaram uma época e que hoje morrem por falta de assistência. Nada de louras, portanto.
     Sob o sugestivo título de Memória da Destruição, Apratto dá um banho de iconografia.  Em parceria com Leda Almeida e Cármen Lúcia Dantas, dá vida a um projeto de garimpagem que denuncia a extensão do descaso.
     No entanto, se o resgate do patrimônio arquitetônico depender do empenho do presidente da Academia Alagoana de Letras, mestre Ib Gatto Falcão, os primeiros passos nessa direção já foram dados. É que a casa de Jorge de Lima, citada no trabalho de Douglas, está em vias de recuperação.
     Justiça se faça, como o mestre Ib, há outros viventes das Alagoas que sonham elevar o nível cultural da terra.
     Carlito Lima é um deles. Conhecido nacionalmente desde que pôs o dedo na ferida e contou suas experiências na caserna, o Duque de Jaraguá, como é carinhosamente tratado pelos amigos, tornou-se um guerreiro em prol dos nossos valores.
     Entusiasmado com a Feira Literária de Parati, Carlito aliou-se a Geraldo Majella e a outros conterrâneos de boa vontade elegendo Penedo para a 1ª Festa Literária.
     A bela cidade tem tudo a ver com o acontecimento. Abrindo o evento, a professora Vera Romariz homenageou o avô, o poeta penedense Sabino Romariz.
     Vitorioso, o prestígio e a credibilidade do charmoso Velho Capita revelam-se ao conseguir reunir tanta gente boa. Arrisco-me a citar nomes: Arriete, Abynadá, Carlos Mero,  Denis Melo, ,Douglas Apratto, Bonfim e tantos outros de igual nomeada.
     Tudo estaria perfeito se Carlito, traído pelo coração, não tivesse intimado este modesto escriba para falar sobre Crônicas.



AS MOTOS DE ARAPIRACA NOV 2006


As motos de Arapiraca


     Vítima de uma corrida ensandecida pelas ruas do Rio de Janeiro, o fotógrafo barbudo da novela Páginas da Vida amarga uma paraplegia por lesão medular. Passada a fase mais crítica da doença, quando a sobrevivência física fica em jogo, agora o acidentado encara o desafio de conviver com uma deficiência física permanente. Doravante, suas pernas, atrofiadas pela inclemência do traumatismo, serão trocadas pelas rodas de uma cadeira.
     O romantismo novelesco certamente irá evitar chocar os telespectadores com detalhes sórdidos. Atos como urinar e defecar, discretos e corriqueiros para quem tem saúde, deverão ser postos de lado, mesmo se sabendo que são balizadores na readaptação social, uma vez que a maioria dos lesionados não têm controle sobre essas funções.
     O galanteador fotógrafo está encurralado pelas limitações da doença. É um amputado funcional. Resta ao psiquismo debater-se entre a submissão à paralisia (ruminando sua infelicidade para o resto da vida), ou fazer dela uma trincheira de lutas. A essa altura, mudar significa sobreviver, mesmo porque ninguém consegue tocar a vida do mesmo jeito depois de uma tragédia dessa.
     Na vida real, nem sempre um paraplégico torna-se um expoente, como o escritor Marcelo Paiva, que viu sua adolescência conspurcada por uma lesão irreversível. Graças a sua produção literária, Paiva deixou de ser apenas o filho do deputado Rubens Paiva, torturado e morto pela ditadura.
     Marcelo Paiva não é um caso isolado. Estigmas dolorosos, imperfeições físicas muitas vezes são o combustível para realizações quase impossíveis, caso, por exemplo, do abnegado político alagoano Gerônimo da Adefal.
     Teço esses comentários, pensando no número de acidentados de motos em Arapiraca.  Não é por acaso essa freqüência. Conhecida pela pulsão progressista de sua gente, as motocicletas viraram símbolos de status social e de progresso da cidade. Na ausência de medidas preventivas de trânsito, para os médicos, as motos não passam de armadilhas.
     O fato é que o volume dos acidentes em Arapiraca envolvendo motos impressiona a todos. Além do sofrimento agudo provocado pelas perdas de vidas (a maioria gente jovem), há as sequelas invalidantes. Os prejuízos são de toda ordem. Para completar, a mendicância é um fantasma a rondar os leitos dos lesionados.
     Nesse momento, descartado o retorno ao lombo do jegue, com certeza outras providências precisam ser tomadas.



A CAMISA DO HOMEM FELIZ NOV 2006


A camisa do homem feliz


     Um jovem príncipe da Ásia vivia muito triste. O rei, seu pai, consultara todos os mestres da medicina e tudo fora em vão. Desesperado com a piora progressiva, um velho sábio, convocado às pressas, concluiria que a doença só seria debelada se o jovem vestisse a camisa do homem feliz.
     Partiu então o rapaz em busca da tal vestimenta. Nas suas viagens pelo mundo vestiu camisas de poderosos e famosos e nada aconteceu.
     De volta, já nos jardins do palácio real, o príncipe viu um homem que cantava e sorria enquanto carregava um pesado fardo. Chamado para uma conversa, o homem, sempre sorrindo, confirmou que era muito feliz. O príncipe então implorou que o súdito emprestasse sua camisa. “Mas eu não tenho camisa”, respondeu-lhe o trabalhador.
     Resgatei recentemente essa conhecida história por conta da notícia de que um jovem conterrâneo fora acometido de um profundo vazio existencial, semelhante àquele do príncipe oriental. Depois de fracassarem todos os tratamentos, os especialistas chegaram à mesma conclusão que o sábio asiático. Somente a camisa de um homem feliz salvaria o doente.
     Ao contrário do que aconteceu com o príncipe, não foi difícil encontrar a solução. De fato, nosso País é o paraíso de cidadãos felizes, rol encabeçado pelo próprio presidente, que não só é feliz, mas absolutamente íntegro.
     Também não foi complicado marcar um encontro com o presidente Lula. O problema é que com o apagão, o rapaz não resistiu ao massacre da espera nos aeroportos. Por infelicidade, um violento acesso nervoso o retiraria do voo justo na hora de embarcar para Brasília.
    Haveria de ter uma solução. Quando estava em vias de procurar os felizes parasitas que continuarão mamando nas tetas do governo durante mais quatro anos, a foto de um secretário de Estado despertaria a atenção do infeliz. Era uma matéria jornalística que insinuava conduta inadequada do gestor, pelo sumiço de milhões dos cofres públicos. O detalhe da foto do secretário (a tal que tinha chamado a atenção) era seu ar de celestial felicidade. Haveria de encontrar o secretário.
     Depois de ouvir o drama do rapaz, o secretário admitiu sua condição de homem feliz.  Até confidenciou que nem sempre Deus tinha olhado para ele. (Épocas duras em que as viagens de recreio mais longas eram para Garanhuns).  O divino olhar só pendera a seu favor depois que assumira aquela pasta. Quanto ao empréstimo da camisa, nem pensar. “Imagine só, desfazer-me de uma camisa que só este ano me levou oito vezes à Europa”.



SANTA LOUCURA NOV 2006


Santa loucura


     Tempos atrás, entrei em contato com um comovente texto do escritor Affonso Romano de Sant´Anna no qual o autor reflete sobre o momento em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
     Crescendo independentes da nossa vontade, não demora o instante em que a infância dos filhos é vista pelo retrovisor, como uma paisagem ultrapassada, deixando uma imensa saudade daqueles tempos que se foram num piscar de olhos.
     É quando chega a hora dos netos. Mais calejados, os avós têm nova chance, uma espécie de segundo mandato, para vivenciarem uma extraordinária experiência afetiva. Ao contrário dos segundos mandatos eletivos - que costumam ser bem piores que os primeiros -, o destino oferece aos avós a dádiva de reparar, sem pudor, erros pretéritos. O fato de não sentir vergonha por escancarar o inexcedível amor pelos netinhos é outro ganho que só a idade concede.
     Reli a bela crônica de Romano esta semana com a mesma emoção da primeira vez.  Coincidentemente, a televisão vem mostrando a rica relação afetiva neto/avô, na trama novelesca “Páginas da Vida”. Sendo o leitor um telespectador de novelas bem mais fiel (a inverosimilhança dos enredos desestimula a perseverança), certamente vai ser condescendente com as minhas defasadas informações sobre o desenrolar do drama. Nas últimas cenas que acompanhei, Alex, avô de Francisco, estaria decidido a fugir com o neto para escapar do assédio do pai do garoto, até então um ilustre ausente.
     Apresentado inicialmente como um zero à esquerda, indolente e irresponsável, o personagem Alex, vem crescendo “como homem” a partir da chegada do neto.   Habitualmente avesso à monotonia do trabalho rotineiro, o marido-problema, a duras penas, vem conseguindo adaptar-se em funções maçantes e mal remuneradas. Embora gastando o dinheiro do salário em mimos para o neto, pouco a pouco um novo sujeito está brotando.
     São coisas do passado, o silêncio, a passividade e o temor servil à figura fálica da esposa (em que pese ser uma caricata “megera” com alguns méritos, além de muito bonita). Apostando todas as fichas na felicidade de Francisco, a figura decorativa está sendo substituída por um batalhador teimoso e agressivo, disposto às últimas conseqüências. Apavorado pela perspectiva de ter o seu neto subtraído, como todo bom avô em circunstâncias semelhantes, Alex está no limiar de um surto psicótico. Avô de Caio e Maria Clara, compreendo e assino em baixo de sua santa loucura.



O BEIJO E O CUSPE NOV 2006


O beijo e o cuspe


     Matuto complexado de Bebedouro, colei grau em medicina em 1971 e fui para São Paulo. De volta, cinco anos depois, numa primeira olhada, tudo parecia estar no mesmo lugar. No entanto, a província estava modificada por um novo costume. É que as pessoas passaram a se cumprimentar de beijinhos. Até meu pai, jurássico de Pilar, para meu espanto, aderira ao hábito.
     Não sei se por efeito das novelas, o fato é que beijar virou epidemia. Além dos alvos habituais, praticamente nenhum órgão parece escapar ao afago, pois enviam-se beijos até para o coração. Em muitos grupos de vanguarda, o antes sensual beijo nos lábios transformou-se em cumprimento corriqueiro. Enfim, beija-se tudo e por qualquer coisa.
     Agora mesmo, com a certeza do triunfo, o presidente Lula foi fotografado beijando uma bandeira brasileira, logo após sair da cabine eleitoral. Seu ar vitorioso foi captado pelas lentes e exibido na segunda-feira em todos os jornais do país. Embora demagógico, indiscutivelmente desgastado, beijar em público escudos e bandeiras não deixa de ter seu lado simpático.
     O gesto guarda íntima relação com as comemorações de jogadores de futebol, que após marcarem um gol correm para a torcida, puxam para si o escudo do clube aplicado na camisa e tascam longos beijos, sinalizando paixão e fidelidade.
     O detalhe é que muitos deles estão brigados com a torcida e/ou em litígio com o clube.   Mesmo assim, na hora da emoção do gol não dispensam a alegoria. Também é mero detalhe o fato de muitos estarem de malas prontas para o exterior, aguardando apenas a oportunidade para beijar um novo escudo.
     É claro que Lula tem todos os direitos de expressar seu patriotismo, beijando quantas vezes quiser o pavilhão nacional.  Apesar da linguagem futebolística, nem de longe vou pensar que o presidente do Brasil beijaria com igual ardor a bandeira de outro País. Da Bolívia, por exemplo. Não obstante as aparências, tenho certeza de que Lula ama muito mais o Brasil do que a Bolívia.
     A verdade é que beijando ou não a bandeira, Lula foi reeleito com consagradora votação. Apesar de ter cuspido na ética durante boa parte do seu primeiro mandato, jurou não repetir os pecados. (O desmantelo nos aeroportos talvez esteja ainda na cota dos erros pretéritos).
     Afinal de contas, se o brasileiro não botar fé num homem, que acaba de ser eleito com quase 60 milhões de votos, vai acreditar em quem mais nesse mundo?



BRIGA DE COMADRES OUTUBRO 2006


Briga de comadres


     Já me daria por satisfeito se conseguisse concentrar os meus comentários numa calamidade pública chamada SUS. Crítico habitual da “República Corrupta dos Campanheiros”, por uma questão de justiça, não considero o SUS obra exclusiva do PT & Cia. O Sistema Único de Saúde é, antes, um monstrengo esculpido a várias mãos, ao longo de sucessivos governos.
     Curiosamente incensado por quem nele não trabalha ou não utiliza seus precários serviços, se no papel é uma obra de arte, na prática revelou-se altamente perigoso (apesar de inevitável) para consumo da população.
     Agora mesmo os jornais estão publicando matéria que revelam a preocupação do Ministério Público em esmiuçar o que se esconde atrás da decisão dos hospitais de Maceió em restringir o atendimento aos usuários do sistema. É mais uma, certamente não será a última, das crises que acometem a assistência médica pública nas Alagoas.
     Aliás, para tornar a ação menos episódica, seria mais efetivo se o Ministério Público visitasse mais freqüentemente a Unidade de Emergência Armando Lages.  Talvez a instituição (MP) conseguisse desvendar o segredo de os doentes da UE estarem sempre amontoados.
     Há outros mistérios. Um deles - motivo das atuais reivindicações - refere-se ao não pagamento integral das contas hospitalares.  Com efeito, por insensibilidade, incompetência ou impotência (preferiria acreditar na última alternativa), virou tradição em Maceió deixar-se, sem qualquer justificativa, um resíduo de 10% do valor das faturas.
     Ora, todos sabem que o SUS remunera muito mal. Nas clínicas conveniadas, despesas X receita vivem empatadas (com freqüência, predomina o vermelho). Se o SUS faz “forfait” na hora de pagar, não é difícil se prever o tamanho da quebradeira.
     Os rombos no SUS atingem a todos, embora os mais penalizados sejam os mais pobres. Ainda que o leitor esteja incluído nos 10% por cento da população detentores de um plano de saúde privado, em algum momento da sua vida vai sentir na pele a amargura de um sistema público de saúde falido. Nem que seja como cidadão.
     Ontem estava previsto o último bate-boca dos candidatos à Presidência da República. Com a reeleição de Lula assegurada, segundo os institutos de pesquisa, são sombrios os horizontes para a saúde.  Até porque, nessa área, o PSDB de Alckmin não provou ser mais criativo. Nesse aspecto, o debate tem tudo para ser uma briga de comadres.



A CANJA DO ARIANO OUT 2006


A canja do Ariano


     A presença de Ariano Suassuna no programa eleitoral fazendo a apologia de Luiz Inácio Lula da Silva seria cômica, não fosse melancólica.
     Suassuna é um tipo sui generis. Consagrado nacionalmente, membro da Academia    Brasileira de Letras. Quem assistiu a alguma entrevista sua embola de rir. É um camarada gozadíssimo, espirituoso, que explora divinamente bem aquele ar apalermado de falso matuto nordestino.
     Não há dúvidas de que sua convocação como garoto propaganda pretende untar no candidato, depois de tanta lameira, uma camada de verniz de decência. É como se os marqueteiros estivessem dizendo: “Olha, não é só mensaleiro do Bolsa-Família que vota em Lula. Aí está um intelectual respeitado que despretensiosamente mostra a cara na televisão para encher a bola dele”.
     Sem entrar no mérito dessa “espontânea e desinteressada” manifestação de simpatia do autor do Auto da Compadecida, o fato é que seus argumentos em favor do candidato, no mínimo, beiram a ingenuidade.
     Segundo Suassuna, Lula é o seu escolhido porque pela segunda vez nesse País os brasileiros terão a oportunidade de eleger um homem verdadeiramente do povo. É claro que é uma alusão à infância indigente do presidente. Certamente, o escritor incorpora a tese de que a pobreza por si só redime e beatifica. Não ter freqüentado bancas escolares, ser inimigo declarado de leituras e livros seriam charmes adicionais. Nesses devaneios, a condição de ex-operário deve ser vista como uma vacina purificadora contra a decadência moral da burguesia.
     A essa altura, o sujeito de classe média não passaria de um marginal, indigno sequer de ser chamado de povo. É possível que, na ótica do teatrólogo, quem nunca passou fome deveria estar impedido de concorrer a cargos eletivos. Quem sabe, deveriam ser banidos do País aqueles que ousaram estudar numa universidade. Desligadão, não é difícil supor que Suassuna ignore os escândalos que envolvem o governo do presidente-operário. É possível que ele nem saiba que seu parente, aliado de Lula, o senador Ney do PMDB, conste no rol dos sanguessugas.
     Por tudo isso, alguém aí precisa avisar ao grande Suassuna que a penúria presidencial é página virada. Seu filhote, o Lulinha, colocou a família no hermético clube dos milionários depois de uma negociata com uma empresa de fundo de quintal, num cabeludo caso de tráfico de influência. É, como garoto-propaganda, Suassuna não está nada engraçado.



A VONTADE DE CADA UM OUT 2006


A vontade de cada um


     Aos poucos, o país, que emergiu seccionado ao meio com o resultado do primeiro turno, mostra tendência a pender para o presidente Lula, prenunciando um segundo mandato.
     Não sei se a decisão, se confirmada nas urnas, é a mais sábia. A psicologia das massas não é minha praia. Recolhido à insignificância de operário-artesão da medicina, apenas registro, sem procurar desvendar, os segredos que habitam a vontade popular.
     A esse respeito, lembrei-me de uma história relatada pelo engenheiro José Augusto. À frente de um exército de operários, rasgando estradas pelo país afora, Augusto tinha um mestre-de-obras evangélico que era um símbolo de seriedade e intransigência.
     Um dia, chegou aos ouvidos do engenheiro rumores de que a esposa do mestre-de-obras vinha escorregando nos seus deveres matrimoniais.
     A boataria já corria solta pelo canteiro de obras e em várias oportunidades peões (como são conhecidos os serventes de pedreiros) recalcitrantes - depois de reprimendas - saíam resmungando entre dentes o odiento adjetivo que costuma batizar maridos de mulheres infiéis.
     Temendo uma desgraça entre os operários, meu amigo Augusto chamou o empregado para uma conversa franca. Sem meias verdades, disse-lhe tudo: nos freqüentes serões varando as noites, o sagrado leito matrimonial do piedoso marido era profanado por ricardões e pés-de-pano. A esposa do pobre homem era uma Messalina insaciável.
     Certamente os rígidos princípios religiosos pesaram na decisão do traído. Dignamente o homem afastou-se da casa passando a dormir na própria obra. De dia trabalhava como um mouro, à noite dedicava-se a ler a bíblia e a pregar o evangelho para os companheiros descaminhados.
     Semanas se passaram até que um dia o engenheiro Augusto surpreendeu-se com a notícia de que todas as noites, sorrateiramente, o sisudo mestre deixava o acampamento regressando ao alvorecer. Seguido pelos peões constatou-se o que parecia impossível: estava se encontrando com a ex-mulher na antiga residência. O detalhe era que entrava na casa pela janela.
     Novamente o engenheiro voltaria a avistar-se com o mestre-de-obras. Queria ouvir de sua própria boca a verdade. Sim, a história procedia. Ele voltara a dormir com a mulher. Intrigado, Zé Augusto quis entender os porquês do retorno.
     Meio envergonhado, o mestre saiu-se com a enigmática explicação: “Cada um sabe o que ´pissui´, doutor”.



TRAÍRAS E ALOPRADOS SET 2006


Traíras e aloprados


     Malgrado os ataques de soberba do próprio, ainda não foi desta vez que Luiz Inácio Lula da Silva emplacou a reeleição. Faltando um cabelinho de sapo de votos, áulicos governamentais e palpiteiros acreditam, no entanto, que a confirmação da continuidade administrativa federal é uma questão de tempo. Para tanto, bastaria que uma minguada parcela de votos de Heloísa Helena migre de volta para o colo de Lula.
     Apesar do curral eleitoral gerado pelo Bolsa-Família, é possível que Lula não tenha a mesma facilidade que marcou sua eleição há quatro anos. Com o declínio moral e administrativo do governo de Fernando Henrique, as chamadas esquerdas (especialmente PT) simbolizavam mudança, ética, honestidade, enfim, a esperança. Ninguém se daria conta de que a fraude petista ficaria projetada naquele filme da campanha de 2002, que exibia o candidato “pilotando” uma imensa mesa enxameada de notáveis debruçados num suposto plano de governo.
     Era tudo de mentirinha. O plano era uma matreirice do marqueteiro Duda Mendonça. A coisa se resumia a um punhado de intenções, cujo destaque principal era justamente a proclamação do compromisso de não ruptura com o capital especulativo.
Seria a única promessa a ser cumprida, com sobras até. Com efeito, enquanto o funcionalismo público amargava aumentos de 0,01%, jamais o sistema financeiro sorriu tanto como nesse último quatriênio. Vá ser esquerdista assim na casa de chapéu!
     Claro que ninguém esperava milagres. Com o governo transformado no paraíso de traíras e aloprados, na educação, canta-se vitória com a cota de vagas para os afrodescendentes (quero a dos meus netos também).
     A situação da saúde é não menos calamitosa: quadrilhas a dilapidarem a coisa pública com esquemas de vampiros e sanguessugas enquanto o povão encara fila de meses para uma simples tomografia. Tudo isso nas barbas de um presidente que, comparando-se a  Jesus e Tiradentes, jura não saber de nada.
     O fato é que o primeiro turno das eleições de 2006 é página virada. Finalmente, agora garantindo que participará de todos, o medo de Lula para debater com outros candidatos não causaria boa impressão.
     Embora superficial, além de temas gerais, quando os pretendentes têm oportunidade de demonstrar que estão prontos para enfrentar os desafios do cargo, haverá a chance de ouvir do candidato-presidente as novas versões sobre o papel dos traíras e aloprados do seu estafe.



INFIDELIDADE E GRATIDÃO SET 2006


Infidelidade e gratidão


     Salvo melhor juízo, na modesta opinião deste comentarista a reeleição do Lula está garantida. Em Alagoas, a coisa parece não estar tão definida assim, apesar de as candidaturas mais fortes cantarem vitória. Para o bem ou para o mal, penso que haverá segundo turno.
     Embora tenha minhas preferências consolidadas, vejo com certa resignação o resultado do pleito. Cada vez mais desconfiado com as boas intenções, qualquer que seja o vencedor, certamente meu destino não será nem o Edifício Breda, muito menos a Ponte do Reginaldo.
     Não deixarei, no entanto, de lamentar (mais pelos meus netos) se a escolha incidir em determinados nomes que, independentemente de simpatias pessoais, não têm condições psíquicas e|ou merecimentos morais para ocupar determinados cargos públicos.
     Batendo nessa tecla, o deputado Fernando Gabeira - hoje uma voz de credibilidade no mundo político - publicou uma espécie de resumo para o “bom voto” em que recomenda prestar atenção na vida pregressa do candidato antes de o eleitor se definir. A razão é clara: se o passado condena, certamente o
futuro é ainda pior.
     A abominável compra de votos é outro item de Gabeira. Candidato que paga para conseguir se eleger certamente não será uma boa escolha. (Na melhor das hipóteses, quando assumir ele vai querer o seu dinheiro de volta). Evidente que a prática, por razões óbvias, só pode ser feita por quem tem cacife ou então detentor de
facilidades no poder público.
     É por aí que entra o
programa do governo Lula denominado “bolsa família”, honra e glória dos governistas. Em princípio, a idéia não é má. Conceder auxílio, mesmo irrisório, a quem não tem de onde tirar o sustento é um ato humanitário, digno de aplauso. Melhor ainda se o governo que se propôs a conceder tal benefício não descambasse para a corrupção desenfreada. Eleitoreiro e demagógico, no fim de tudo o programa não deixa de ser um mea-culpa pela incapacidade de gerar os empregos prometidos.
     Médico do SUS, nos últimos dias a curiosidade tem me levado a saber se os meus clientes fazem parte do dito programa. É surpreendente a quantidade de pessoas beneficiadas. O que chama a atenção é a falta de critérios para distribuir a benesse. A gana por votos é tão grande que a doação da esmola ficou indiscriminada.
     Ainda que a fidelidade esteja em baixa entre os políticos, não tenho dúvidas de que o povão saberá ser muito grato ao candidato Lula por essa rendinha extra.



O RETRATO DA SOGRA SET 2006


O retrato da sogra


     A uma semana do pleito, é praticamente irreversível a reeleição de Lula. Não obstante o esforço dos seus aliados em demonstrar que não são de brincadeira quando se trata de extrair proveito dos bens públicos, a grande maioria dos eleitores já fez a sua opção.
     Nada gruda no presidente. Hoje não existe força viva ou morta que consiga desbancar sua dianteira. Liderados por Berzoini e ninguém mais que Freud em pessoa, a última picaretagem do seu grupo foi tentar comprar um dossiê contra o candidato ao governo de São Paulo, José Serra. Como se sabe, o concorrente petista Mercadante amarga a perspectiva de uma derrota acachapante, justamente no maior colégio eleitoral do País.
     O dossiê talvez servisse para minimizar a diferença. Dizem que se o País fosse minimamente sério, só isso seria o bastante para detonar uma candidatura. De qualquer forma, escancara o jeito PT de fazer política.
     É preciso que se reconheça, no entanto, que independente do seu partido – cujo desempenho geral é fraco – e guardadas as devidas proporções, Lula desperta sentimentos tão antagônicos que lembram o coronel Ubiratan, o controverso fauno que comandou o massacre do Carandiru.
     O fato é que os adversários de Lula não empolgaram. Tirando os folclóricos Eymael e Bivar, restam Cristovam Buarque, Heloísa Helena e Geraldo Alckmin.
O ex-ministro Buarque, talvez prejudicado pela vozinha bitonal, passa a imagem de um sujeito bem-intencionado. E só.
     Heloísa Helena até que tentou. Contudo, as ambiguidades entre programa de partido X programa de governo e as súbitas variações de humor não convenceram. Hoje seu nome caminha em marcha à ré.
     Apropriadamente apelidado de picolé de chuchu, Geraldo Alckmin é outro que murcha a cada dia. Tem cara de bom moço, educado, médico, ar de quem acorda e dá bom-dia-lindo-dia, toma banhos diários, escova os dentes após as refeições e jamais fala um palavrão diante de senhoras e de pessoas idosas.
     Alckmin preenche o perfil daquele rapaz sem vícios e sem graça que a namorada tolera a pulso (já Lula faz o tipo fauno), mas que todo pai adoraria tê-lo como genro. Com o seu jeito de seminarista, é até provável que ande com a foto da sogra na carteira.
     Olho para o Geraldo Alckmin e não saberia dizer se ele dará um grande presidente, mas com certeza seria um ótimo pediatra para os meus netos.



RANÇO BURGUÊS SETEMBRO 2006


Ranço burguês


     Qualificado pela generosidade da poeta Vera Romariz como alegórico, o artigo do sábado passado intitulado Gota d´água me valeu irados telefonemas de velhos e fraternos amigos da tradicional esquerda alagoana. Desprovido de qualquer ideologia, e sem motivos pessoais maiores para investir minha libido em causas político-partidárias, escutei razões e reprimendas com a resignação dos arrependidos.
     Lulistas irremediáveis, cultos e ricos, meus amigos gauchistes deitaram uma aula de Brasil. Com muita propriedade desenterraram os 500 anos de história em que os patrões detiveram o poder e nada fizeram, a não ser acumular mais fortuna pessoal. Alegam os impiedosos críticos que meus comentários preconceituosos contra o presidente-operário, além de injustos, revelam em mim uma doença incurável e mortal: o ranço burguês.
     Poucas vezes vi uma designação tão adequada. Órfão da sorte de não possuir uma sinecura no serviço público, uma reles chefia que fosse, nascido e criado no popularíssimo bairro de Bebedouro, assalariado da medicina, de fato a denominação tem tudo a ver comigo.
     Na óptica dos inconformados amigos, se não estamos ainda vivendo no melhor dos mundos é porque Lula não completou o ciclo vital dos oito anos de mandato, tempo ideal para um presidente cumprir ad integrum todas as promessas de campanhas vencidas e vincendas.
     Aliás, numa de suas aparições na TV, faz questão de ressaltar que hoje, mais experiente, acumulou mais condições de governar de que há quatro anos. (Que isso não sirva de desculpa para se perpetuar no poder.) É claro que Lula não é o pior presidente do planeta. Dentre suas qualidades cumpre destacar que como amigo é de uma lealdade impressionante. Depois de acolher os derrotados do seu partido nas eleições de 2002 com cargos polpudos, fez de tudo para livrá-los das investigações criminais.
     Lula mostra toda sua habilidade em fazer de suas fraquezas força quando diz, por exemplo, que sua rudeza deve ser aceita por conta da pouca leitura. O que não é possível é a indulgência com a face corrupta do seu governo.
     Na realidade, meu ranço burguês reconhece que o país está estável. Vive aquele estado de saúde de um paciente de UTI em coma induzido que respira por aparelhos, mas que mantém equilibrados alguns parâmetros clínicos (pulso, pressão, temperatura, diurese e defecação).



GOTA D´ÁGUA SETEMBRO 2006


Gota d’água
 Ronald Mendonça

     Com uma freqüência acima da média, a imprensa vem noticiando suicídios, alguns deles precedidos por homicídios. Nesse aspecto, são particularmente dolorosos quando os suicidas, antes do derradeiro gesto, lançam-se sobre filhos ou pais.
     Recentemente, aqui em Alagoas, uma avó em depressão matou dois netos antes de se matar. Esta semana, supostamente temendo uma punição dos superiores, vítima de si mesmo, um militar ganharia as manchetes dos jornais.
     Considerado um ato de covardia, irresponsabilidade ou de grande coragem, a depender dos julgamentos de palpiteiros e curiosos, as ciências que estudam os suicidas, contudo, têm alguma unanimidade ao afirmar que esse ato extremo teria, sobretudo, a finalidade de agredir aos que ficam, aos vivos.
     Sob esse prisma, o suicídio de Getúlio Vargas, cujo aniversário passou esquecido neste 24 de agosto, teria a intenção de ferretear a UDN, sua impiedosa adversária política.   A morte de Vargas aqui e acolá é revisitada, principalmente quando presidentes da  República escorregam na indecência.
     Com efeito, no auge da crise política de 2005, ocasião em que sob o olhar soturno de Roberto Jefferson, ficou mais que provado que o governo Lula era um desmantelo só, muito se falou de suicídio de figurões da República. Impressionados pelo filme que mostrou os últimos momentos de Hitler, os mais apressados falaram em suicídio em massa de petistas e aliados beneficiados pelos esquemas do mensalão, caixa dois, sanguessugas, vampiros etc.
     Sentindo na pele a dívida ética, até companheiros que não haviam participado das tramóias, mas não obstante envergonhados, estariam dispostos a pagar com a vida, lavando com o próprio sangue a honra conspurcada.
     Na época, sussurrava-se que o suicídio em massa seria público, numa apoteose digna das escolas de samba do Rio de Janeiro. Embora perverso, o raciocínio não deixava de ter seu lado lógico. Sob a coordenação de Duda Mendonça, com o fundo musical de Gota d’água de Chico Buarque, companheiros suicidas culpados e simpatizantes espalhados pelo Brasil afora fariam um grand finale cronometrado.
     Definido o afogamento como a via mórbida, os condestáveis de Brasília se lançariam de mãos dadas sobre o espelho d’água do Palácio do Planalto. Em Alagoas, a indecisão entre o Edifício Brêda e a ponte da rodoviária nova, finalmente teria prevalecido o consenso: o local do suicídio em massa seria a piscina da Pajuçara.



O DIA DO CAÇADOR SET 2006


O dia do caçador


     As más influências e uma forte inclinação natural às aventuras quase acabaram com a vida de Pinóquio. Nascido boneco de madeira por obra de um solitário carpinteiro de nome   Gepeto, a célebre personagem ganharia vida pela providencial interferência de uma fada bondosa.
     Inexperiente, já no primeiro dia de aula o simpático boneco se tornaria presa fácil de duas figuras cuja esperteza é por demais conhecida no mundo da fantasia: a raposa e o gato.
     Encurralado pela vida, Pinóquio passaria a mentir mais que político atrás de voto em horário eleitoral.
     A diferença é que quanto mais mentia mais o nasal aumentava. Para completar a desdita, veria o grotesco apêndice transformar-se em abrigo de pássaros, sede de ninhos.
     O boneco passou por muitas aventuras sempre se dando mal. A oportunidade de redenção para os seus pecados foi meter-se no ventre de uma baleia inamistosa para tentar resgatar o velho Gepeto, anteriormente devorado pela gigante criatura.
     As aventuras do boneco Pinóquio fazem parte do acervo de historinhas infantis que o avô embasbacado conta para distrair os netos Caio e Maria Clara.
     Profundo conhecedor de dinossauros, companheiro de idas ao comércio aos sábados, Caio – às vésperas de completar 5 anos – tem um arsenal de perguntas enquanto relato essas histórias que são um desafio à criatividade do velho avô.
     Já Maria Clara adora o enredo de Chapeuzinho Vermelho. Para tornar a história mais dramática, mudo de entonação segundo a fala das personagens. Sem falsa modéstia, hoje sou um especialista na voz do lobo. Fora o Zé do Caixão, não conheço ninguém que ria mais sinistro que eu.
     O clímax da história de Chapeuzinho é quando ela dialoga com o lobo disfarçado de vovozinha.
     As mãos peludas, as orelhas enormes, olhos e nariz descomunais, vão dando a dolorosa certeza de que aquela coisa espichada na cama não é a frágil vozinha.
     Finalmente, a pergunta que não quer calar: “E essa boca tão grande?”.
     Nesse instante, Maria Clara quer mais é que o caçador chegue logo e acabe com a festa do lobo, livre Chapeuzinho das garras do malvado e retire de sua barriga a sua vovó sã e salva.



O VÍRUS DA INDECÊNCIA AGOSTO 2006

O vírus da indecência


     Se ainda hoje o criacionismo encontra respeitáveis adeptos no mundo inteiro, não é de estranhar que durante séculos a ciência tenha colocado todas as suas fichas na teoria da geração espontânea.
     Acreditava-se, por exemplo, que os ratos originavam-se espontaneamente do lixo, a partir da imundície. Sem um conhecimento mais profundo, os cientistas, que andavam de saco cheio com a história de que as doenças eram castigos divinos, conformavam-se com esse raciocínio simplista. Assim, as epidemias surgiriam caprichosamente, muitas delas levadas pelo ar (malária = mau ar).
     O mundo deu muitas voltas até sepultar completamente a teoria da geração espontânea, feito atribuído ao conhecido pesquisador francês Louis Pasteur, tido também como um dos pais da vacinação.
     Como se sabe, o pensamento científico passou a predominar, talvez até de forma exagerada. Com efeito, sob a égide do “cientifisismo” nenhuma verdade é absoluta, imutável. Conceitos consagrados, do dia para a noite tornam-se obsoletos. Concepções mais modernas ocupam seus lugares, que por sua vez logo são substituídos por outras ideias.
     Veja-se o enfarte do coração. Durante anos os vilões genética (colesterol, vida sedentária, fumo e obesidade) dominaram a cena. De uns anos para cá a teoria infecciosa (viral ou bacteriana) vem sendo admitida como um fator decisivo.
     Agora é a obesidade. Há quanto tempo o leitor sabe que alimentação excessiva é a principal causadora das nossas indesejadas camadas de banha? Isso parece coisa do passado. Baseados em experimentos em ratos, pesquisadores americanos juram que a obesidade tem uma causa viral.
     Pessoalmente estou cada vez mais inclinado a acreditar que há um vírus da indecência contaminando os políticos brasileiros. Embora Brasília seja um foco importante, o perigoso microrganismo parece estar difundido em todo o território nacional.
     Vocês não imaginam a compaixão que eu sinto pelos nossos honrados políticos, a maioria, infelizmente, contaminada. É por conta do vírus, coitados, que eles são levados a participar de valeriodutos, caixa dois, sanguessugas e outros esquemas. Morro de pena dos jovens, tão ingênuos, pois logo, logo estarão com os mesmos sintomas. O pior de tudo é que a doença, além de incurável, é tão traiçoeira que eles nem parecem doentes.

FLORES E PROVAS AGOSTO 2006


Flores e provas


     Posso me considerar um privilegiado pelo fato de ter sido alfabetizado pela minha avó aos cinco anos de idade. Na época, 60% da população brasileira era analfabeta.
Se há controvérsias de que aprender a ler contribui de alguma forma para a felicidade, certamente dominar o alfabeto não deixa ninguém menos infeliz.
     O que não posso negar é que, graças a essa habilidade, consigo tirar o modesto sustento da família. Pelas sinuosas trilhas do destino, nos últimos 30 anos transformei-me num profissional do ensino.
     Não é por acaso que em tempos de campanha a curiosidade se aguça em conhecer o que os pretendentes falam sobre educação, além, é claro, das óbvias generalidades.
     O professor Cristovam Buarque, candidato à presidência pelo PDT, esforça-se para fazer da educação a cara de sua campanha.
     Ex-ministro de Lula justamente na área que escolheu para seu cavalo de batalha eleitoral, Buarque garante ter sido impedido pelo chefe de fazer a sonhada revolução pela educação.
     Por isso a estéril passagem pela pasta. “Federalizar” a educação, sem tirar o seu caráter municipal é a meta do ex-ministro. Em que pese parecer um sujeito bem-intencionado, no seu acanhado patamar de 1% das intenções, as chances de aplicar esses planos desmancham-se no ar.
     Candidata em ascensão, a senadora alagoana Heloísa Helena é outra profissional do ensino de olho no trono presidencial.
     O discurso contundente e moralista está em lua-de-mel com os órfãos do PT ético de velhos carnavais.
     Sobre o tema educação, a senadora vem repetindo que, no caso de derrota, voltará a dar aulas, quando será recebida com flores na Universidade Federal de Alagoas. Só isso já terá valido a pena. Em três décadas de Ufal será a primeira vez que verei um professor deixar de ser recepcionado com a habitual indiferença diária.
     Com a reeleição praticamente assegurada, segundo as pesquisas de opinião, o presidente Lula já tem o segredo da educação eficiente: avaliações diárias.
     Com efeito, talvez por desconhecer o drama de se corrigir 500 provas mensais, sua excelência não admite que um cara passe 45 minutos dando uma aula e no fim ele não tenha a curiosidade de checar o que os alunos aprenderam, daí a sua orientação pedagógica.
     Sobre a sua própria falta de curiosidade em saber o que os seus auxiliares diretos e o seu partido praticavam durante 3 anos para corromper o País, nem uma palavra.



O PÓ PREMIADO AGOSTO 2006


O pó premiado


     Decepcionado por mais um fracasso na busca de uma solução para o filho portador de paralisia cerebral, o irreverente colunista da revista Veja, Diogo Mainardi, teceu considerações nada lisonjeiras sobre os médicos americanos.
     As críticas, como era de se esperar, sobraram para os médicos em geral e a medicina como um todo.
     Mainardi não faz segredos da luta que trava contra essa cruel doença, ferida narcísica permanentemente dilacerada. É um embate desigual, posto não haver tratamento eficaz reconhecido cientificamente.
     Nem por isso pais intelectualmente abastados resistem aos apelos de charlatões e picaretas, que acenam com curas maravilhosas.
     Com efeito, na esperança de uma melhora, materialistas de carteirinha não hesitam em submeter-se a previsíveis sessões espirituais, invocando entidades que variam do indefectível Doutor Fritz ao pilantrinha alcunhado de Caboclo Mamador.
     Como sempre acontece, os artigos de Mainardi despertam polêmica. Peço licença para reproduzir os comentários de um leitor do Paraná, encaminhado à revista Veja:  “Espetacular o artigo de Diogo Mainardi. Desmascara esse rótulo de médicos americanos cheios de títulos serem os tais. São nada. Bons mesmos são os clínicos gerais nos interiores do País afora, que cuidam da população mais carente do Brasil com suporte físico e técnico precário. A medicina precisa de vida, e não de títulos para inflamar egos e acumular pó!”
     A propósito de títulos e pó, o governo federal, cedendo a lobistas da educação, e certamente por conta das eleições, deu o ar da graça resolvendo fazer um afago nos professores universitários, premiando aos que têm tese de doutorado.
     A idéia central, ao que parece já sacramentada, é criar uma nova categoria de professor – Professor Associado – contemplando professores adjuntos portadores desse título.
     Independente da atividade desenvolvida, professores adjuntos que não tenham doutorado ficarão chupando o dedo.
     A discriminação é chocante. Sem tirar os méritos de quem investe numa tese, o fato é que os doutores atualmente já são beneficiados por uma razoável gratificação salarial.
     Soa hilário saber-se que muitos deles têm horror a alunos e salas de aula.
     Isso sem falar que boa parte dessas teses padecem de inutilidade e jazem empoeiradas em esquecidas prateleiras. Talvez não tenham sido lidas nem pelos seus autores.


EM NOME DO FILHO AGOSTO 2006


Em nome do filho


     A vizinha Argentina impressiona sob muitos aspectos. A passionalidade portenha revelada pela sua música é um exemplo. As dançarinas de tango com seus passos cadenciados e as belas pernas insinuando-se nas generosas aberturas das saias sugerem paixão, aventura e muita encrenca. (Anos atrás, quando se queria referir a algo de preço exorbitante, costumava-se dizer: cara como uma amante Argentina).
     Contudo, não há dançarina de tango que se compare àquelas figuras soturnas das mães que perderam seus filhos para a brutalidade da ditadura, as madres de Mayo. A orfandade daquelas mães nos choca e nos impele a futucar na nossa sensibilidade meio entorpecida.
     Botando a passionalidade argentina no chinelo, tivemos entre nós uma mulher que, sozinha, valia por todas as madres. A estilista Zuzu Angel foi esta criatura. Vivendo numa época em que poucos ousavam enfrentar abertamente a ditadura, a estilista impôs-se luta incessante na busca do paradeiro do filho Stuart, universitário ligado a um partido clandestino que antagonizava o sistema.
     Como tantos que fizeram do talento individual instrumento de protesto e denúncia, Zuzu  Angel transformou sua arte (ironicamente, frívola e burguesa) num hino de amor ao filho desaparecido. Longe de encarnar a militante Pilar, mítica revolucionária da guerra civil espanhola, o partido político de Zuzu atendia pelo nome de Stuart. Por ele desafiou poderosos e apaniguados. Incomodou tanto que provocaram sua morte num “acidente” absurdo.
     Num País de tão poucos nomes a cultuar, em boa hora a história de Zuzu Angel está sendo contada num filme protagonizado por Patrícia Pilar. Quem assistiu faz as melhores referências.
     Na realidade, mães anônimas ou célebres são guerreiras sempre prontas a enfrentar poderosos em nome dos filhos. Cada uma com seu estilo, que ninguém brinque com as mágoas de uma mãe! Na semana passada, numa entrevista a um jornal de São Paulo, a mãe da senadora Heloísa Helena manifestou toda a extensão de sua revolta ao confessar que estaria disposta a arrancar a barba de Lula.
     Mais radical foi a mãe de Zinedine Zidane, o craque francês que aplicou uma cabeçada no peito de um adversário, no final da copa do mundo. Na sua santa ira materna, mamãe  Zidane só pensava em ter à mesa os testículos do italiano.