quinta-feira, 18 de julho de 2019

DE NOVELAS E VILÕES 13/01/2007


De novelas e vilões


     Sem que isso signifique vergonha, orgulho ou dissimulação, apenas de vez em quando dou uma olhada na novela “Páginas da Vida”. Apesar da sofrível assiduidade é possível acompanhar razoavelmente o enredo. Como os capítulos se arrastam em doses homeopáticas, seguir o fio da meada, depois de perder dois ou três episódios, não é nenhuma vocação especial. Aliás, os novelistas armam a coisa visando também esse público pouco fiel, que não faz da novela um compromisso inadiável.
     Conquanto caricaturais, de alguma forma, enredos e personagens de novelas tentam reproduzir situações e figuras da vida real, criando identificações e antipatias no telespectador. Claro que sempre existem o talento e a beleza dos atores a serem checados. É justamente nesse conjunto que reside a força do folhetim.
     Ouço dizer que cada autor tem sua especialidade. Alguns gostam do mato, dos senhores poderosos, do contraste e das aproximações de fundo escravagista/abolicionista.  Casados com mulheres submissas, o personagem tudo domina, mas sua vida pessoal é marcada por filhos porras-loucas.
     Outros noveleiros apreciam abordagens de cunho político. Numa das vertentes botam um sujeito que odeia o desprezível modus vivendi burguês. No contra-ponto, um reformado do exército, truculento, burro e preconceituoso, que odeia comunistas, pobres e homossexuais. Por azar, a linda filha do milico apaixona-se pelo comuna, larga a casa dos pais e parte para a clandestinidade. Para apimentar a trama, há um frade que fuma, bebe, lê Marx e Engels e morre de culpas porque está de olho numa paroquiana.
     Na condição de avós, Nadja e eu, em “Páginas da Vida” vemos com simpatia o personagem Alex, avô do garoto Francisco, que trava luta desigual para manter o neto junto a si. A personagem Marta, esposa de Alex, não desperta igual sentimento. Conspirando de forma suja, a insensível avó não faz a menor questão em manter a guarda de Francisco; sem remorsos, quer mais é se arrumar. Sua venalidade é chocante.
     Pulando agora para a vida real, penso na indignação gerada pela venalidade dos gestores públicos. Vilões que deixaram os Estados em situação de indigência, com salários atrasados e cofres arrombados.
     Como até o final da novela, a personagem Marta deverá ser punida, ludibriada pela própria irmã, cumprir-se-á uma lição moralizadora. Ao contrário, os que se locupletaram no erário, gozarão das benesses e têm risco zero de serem incomodados.
13/01/2007


TREMENDO MAU GOSTO


Tremendo mau gosto
 Ronald Mendonça
 Médico e professor da Ufal

     Uma das vantagens da liberdade de imprensa é a possibilidade de as pessoas tomarem ciência dos fatos que as rodeiam sem precisar sair de casa. Nesse aspecto, o valor do salário da professora Heloísa Helena é um exemplo.
     Depois que o presidente Lula, durante a campanha para a reeleição, alardeou que havia “devolvido a dignidade” aos funcionários federais, poucos poderiam imaginar que um professor universitário estivesse recebendo essa merreca.
     Que Lula, um inimigo irreconciliável de leituras, trate de forma desdenhosa os professores é até compreensível. O intolerável mesmo é que o intelectual Fernando Henrique, nos seus oito anos, tenha sido tão cruel com o universo do magistério.
     Como uma moeda tem sempre duas faces, é inevitável que se diga que, afinal de contas, o valor não é tão ruim assim, uma vez que há milhões de brasileiros que sobrevivem com o salário mínimo (até com o Bolsa-família). Então, que raio de privilégio é esse? De onde se tirou essa idéia de que professor precisa ganhar bem?
Igual raciocínio é aplicado aos médicos. Coincidência ou não, nossa decadência iniciou-se quando “movimentos sociais” forçaram a barra e a classe médica passou a integrar a “categoria da saúde”. Desde então, pagamos o preço pela vala comum.
     O momento é de suspense. Tentando livrar-se da “vala comum”, os médicos alagoanos têm a seu favor um plano de cargos assinado pelo governo anterior. O risco, hoje, é de mais uma vez se decepcionarem.
     Eu próprio, que mantenho fluida ligação com a secretaria da saúde, amargo três meses de salários atrasados.
     Na cruzada para tentar receber pelo que já trabalhei, tenho dificuldades em acessar os detalhes dos descontos – verdadeiras multas – aplicados ao vencimento. Falar em sacanagem é até gentileza.
     É nesse clima de pré-indigência que bandidos regionais e interestaduais elegeram consultórios médicos para assaltar. A crise deve estar grande. Especializar-se em assaltos a consultórios médicos é de um tremendo mau gosto. Pelo amor de Deus, alguém aí precisa avisar urgente a esses bandidos que os médicos são uns lisos. Seus clientes pertencem a planos de saúde e não pagam em dinheiro vivo.
     E vivem tão apertados quanto. (Os ricos se tratam lá fora.) Muitos deles têm como causa da doença justamente as dificuldades financeiras. Ufa! Essa semana a polícia prendeu a quadrilha. Que ninguém se anime. Em breve a justiça vai botar todo mundo na rua.
27/01/2007

GÊNIOS DAS FINANÇAS OUT 2007


GÊNIOS DAS FINANÇAS

Prestigiado na justiça e com o poder ampliado pelo domínio quase absoluto do legislativo, é compreensível que as assertivas do presidente Lula ganhem dimensão exponencial.
Uma das últimas brincadeiras do presidente foi apelidar de “choque de gestão” o aparelhamento do estado com apaniguados. Certamente para justificar os altos salários  dessas  futuras sinecuras, Lula defende remunerações elevadas e contratação de “pessoas competentes”.
Assim falando, Sua Excelência parece ignorar a existência de milhares de funcionários públicos de altíssima competência ganhando  merreca. Aliás, foi da sua lavra a autorização para um aumento de 0,1 por cento desse funcionalismo que agora, ironicamente, ele diz querer bem remunerado.
Na verdade, por cima da carne seca, com uma máquina de moer o contribuinte da classe média através de impostos e arrocho salarial, o governo precisa pagar a conta pela aprovação da CPMF. É a sandália nova que  o senador Wellington Salgado, com sua repelente imagem, cobrou e deve receber.
Empreguismo não chega a ser uma novidade entre nós. Identificado  como um dos mais expressivos líderes da política alagoana nos últimos 50 anos, o economista Divaldo Suruagy foi carimbado como o governante que mais empregos públicos concedeu.
Foram quinze mil nomeações, se não me falha a memória, entre  serviçais, professores, economistas, engenheiros, advogados, pessoal da saúde,  aspones, juízes, promotores, desembargadores, auditores e conselheiros do Tribunal de Contas e outros ingratos. Ou seja, do pé rapado aos  sultões da máquina pública, passando pelos mamadores de costume. Até os inimigos políticos conseguiam emplacar  os afilhados. O “milagre econômico” avalizava o Estado pródigo.
Nas voltas que o mundo dá, passada a era Suruagy, assumem o poder no estado e no país seus mais implacáveis adversários. Cheios de empáfia, com um discurso moralizante, destilando “o social” por todos os poros, o apetite dos “meninos” por cargos e mordomias revelou-se pantagruélico.
Nesse aspecto, a esquálida Alagoas ficou de queixo caído com a ascensão   de modestos servidores públicos  que, do dia para a noite, passaram a exibir excepcional  condição financeira. À boca larga, fala-se em acúmulo de imóveis, investimentos em terras e no comércio e até sociedades em prósperas empresas de “Factoring”. De repente, quem sabe, foram tocados pelo mesmo condão que transformou Lulinha Júnior num dos maiores gênios das finanças desse país.
04/10/2007

A ÚLTIMA LIÇÃO 2007 10/02


A última lição
 Ronald Mendonça


     Convencidos da existência de algum mérito neste velho professor de neurologia, os médicos que a Universidade Federal de Alagoas diplomou esta semana decidiram incluir seu nome no rol dos docentes homenageados.
     Tradição no universo das academias de ensino, essa espécie de “preito de gratidão” é o sentimento tornado público de que algo marcou na alma dos jovens médicos. Para os que recebem, as homenagens dos alunos não devem ser encaradas apenas como prêmios, mas, sobretudo, como incentivos para continuar a lide. Atingido pela flecha da vaidade, sinto-me impelido ao pecado de expor essa “última lição”.
     O fato é que para os legítimos donos da festa, os formandos, um novo ciclo foi deflagrado. Feiticeiros da era moderna, chegou a hora de fazer a sintonia fina dos conhecimentos. Como a experiência é filha da vivência, certamente o caminho ensinará a caminhar. Por esse viés, em relação às outras profissões, a médica leva boa vantagem. É que na pátria-mãe-gentil, apesar de Lula e FHC, não se conhecem, ainda, médicos desempregados. Mal-remunerados, explorados e humilhados até a medula por cânceres chamadas de SUS e planos de saúde, isso tem. Aos montes.
     Por falar em salários baixos, não deixou de ter seu lado picaresco o confronto ministro do Supremo X deputados e senadores para saber quem ganha mais. Luta de titãs, no que pese todos terem salários altíssimos, o legislativo vergonhosamente silenciou quando o ministro Marco Aurélio Mello garantiu que os nobres representantes do povo recebem pelo menos três vezes mais – caqueirada em torno de 70 mil por mês. O detalhe sórdido é que essa gente quer ter um aumento salarial de mais de 90 por cento.
     Voltemos ao que interessa. Lidando com o que existe de mais precioso no ser humano, dos esculápios são cobrados, além de padrões éticos e morais irrepreensíveis, conhecimentos técnicos atualizados, presteza, delicadeza, temperança, bom humor, espírito republicano e inexcedível capacidade de desprezo aos bens materiais. Sem dúvida, é do mister médico a bondade. Como vêem, é quase uma tarefa sobre-humana.
     Finalmente, não esperem gratidão. Na sua curta e trágica existência, por conta de curas espantosas, o próprio Cristo estigmatizou a dimensão que concedia à Medicina. Foi mais longe: ensinando sobre a gratidão humana, utilizou como matéria prima a recuperação de leprosos. Com efeito, dos dez favorecidos pelo milagre, apenas um voltaria para agradecer.



O GRANDE SACANA DEZ 2006


O grande sacana

 
     Terceiro filho de uma generosa prole de onze, cansei de ver nos remotos natais da minha infância minha saudosa mãe debruçada numa máquina Singer dando vida e graça a metros de tecido. Daquele atelier improvisado, saíam peças que preenchiam boa parte dos nossos limitados sonhos de consumo.
     Naquela época, Papai Noel era uma figura misteriosa que despertava expectativas ambivalentes. Se ele existia, certamente ou nos esnobava ou então não gostava de transitar por Bebedouro, onde tudo, a bem da verdade, conspirava contra a sua ida. A partir do bonde ronceiro, transporte prevalente, sabidamente inadequado ao ofício do bom velhinho, onde velocidade e presteza nas entregas são a alma do negócio. Além disso, que presentes poderiam agradar àqueles barulhentos papa-sururus?
     Ainda não fazia parte da tradição familiar iluminar árvores que talvez pudessem, de longe, atrair a atenção do famoso viajante. Pragmático, após a missa do galo e da indefectível ceia natalina, meu pai recolhia os sapatos que, antes de pegar no sono, tímida e sorrateiramente arriscava-me a colocar sob as janelas. Ao despertar, senti, recorrentes vezes, as punhaladas da decepção. De tanto fazer forfait, terminei por duvidar da existência de Papai Noel.
     Deixei para trás infância e eventuais mágoas natalinas. Cresci e tornei-me funcionário público. Como todo o funcionalismo, amarguei quase doze anos de congelamento salarial.   Os dois mandatos de FHC pareciam mais o Papai Noel da minha infância. O sociólogo de gabinete não estava nem aí para as nossas necessidades. Até que um dia, sem dúvida por conta do embalo da campanha eleitoral pela reeleição, Lula garantiu que daria um basta nessa sina humilhante. Ele prometeu e cumpriu, “resgatando” a dignidade dos funcionários públicos. E foi assim que meu salário foi acrescido de 150 reais.
     Apesar de Lula e FHC, nos últimos anos tenho revisto crenças adormecidas. Avô de Caio e Maria Clara, confesso ter voltado a acreditar em Chapeuzinho Vermelho, Lobo  Mau, Pinóquio, Pequeno Polegar e até nos sete anões do congresso.
     Nos últimos dias, foi justamente o legislativo brasileiro quem cutucou nas minhas convicções. De fato, a gana dos nobres deputados e senadores (tremendos caras-de-pau) em se autoconcederem aumento salarial de 90% – ou um pouco menos – confirmam o que sempre suspeitei e nunca tive coragem de falar: Papai Noel existe, transita em Brasília e é um grande sacana.



A DEMOCRACIA DA DOENÇA DEZ 2006


A democracia da doença


     Confirmando as estimativas mundiais sobre as causas de morte natural, Pinochet, que há anos arrastava-se, despediu-se vítima de doença cardiovascular. Seu colega de profissão, o cubano Fidel Castro, definha melancólico, devastado por um câncer intestinal.
     Embora partidários de ambos os lados rejeitem comparações, o recém-falecido general Pinochet, ex-ditador do Chile e Fidel Castro, ditador licenciado de Cuba, têm tudo a ver.
     Defensores de ideologias opostas e antagônicas, no poder, os grupos que lideravam comportaram-se de maneira exatamente igual, como, aliás, todo e qualquer déspota que se preza.
     As táticas são desprovidas de originalidade: cassação incondicional das liberdades, torturas, eliminação física e perseguição impiedosa de adversários reais ou imaginários, até que não existam sombras de oposição.
     Isso foi aplicado na Alemanha nazista, nos países comunistas da Europa e da Ásia, nos regimes talibans, nas ditaduras africanas e em todos os rincões em que o poder é mantido à força. Nosso estimado Brasil, deu uma mãozinha em práticas semelhantes em dois momentos: na ditadura Vargas, nos anos 30 do século passado, e na militar, de memória mais recente.
     O fato é que defensores do chileno destacam o crescimento do país depois da implantação das idéias direitistas do falecido general. Discordando da maioria, para alguns recalcitrantes arautos andinos, só em ter livrado o País da ameaça marxista, Pinochet já teria valido a pena. Os milhares de mortos e perseguidos seriam meros detalhes técnicos.   Líder de uma revolução que detonou uma ditadura inescrupulosa (se é que existem escrúpulos em alguma ditadura), Fidel Castro governa e reina há quase 50 anos. Sob o seu tacão, a ilha caribenha usa como cavalo de batalha as conquistas esportivas e a organização nos sistemas educacional e sanitário. Castro cometeu a proeza de socializar a pobreza.
     De tanto ver a conivência de venerandos intelectuais, estou inclinado a acreditar que nunca houve prisões arbitrárias ou julgamentos sumários em Cuba. Clamar por liberdade é coisa de pequeno burguês. Eventuais excessos (paredón etc.) bem que poderiam ser debitados a pontuais arroubos da vitória; nada mais que isso. O doce e terno Che Guevara, por exemplo, seria um sonhador incapaz de matar uma muriçoca...
     No fim de tudo, hoje resta apenas a certeza na implacável democracia da doença. Nem os mais ferozes déspotas a ela resistem.



VOOS DE GALINHA DEZ 2006


Voos de galinha

 
     Notícias nos jornais vêm dando destaque a suposto desconforto entre o governo que se encerra e o que se iniciará a partir de janeiro de 2007.
     Embora garantindo que colocará o comboio nos trilhos, segundo as mesmas fontes, Teotonio Vilela Filho terá algumas dificuldades para administrar o Estado.
     O noticiário também insiste em insinuar que algumas secretarias terão dificuldades em fechar suas contas, por motivos nem sempre publicáveis.
     O leitor sabe como essas coisas funcionam. De repente, um caro correto e humilde é catapultado a uma condição de mando, com muito dinheiro em sua mão. Grana que com certeza não lhe pertence.
     No entanto, as facilidades começam a pintar. Daí não seja tão fácil resistir.
     A esse respeito, há algumas semanas descrevi um fictício secretário de governo que teria ido várias vezes a Europa, não porque era secretário e sim porque era possuidor da “camisa do homem feliz”.
     Vocês não imaginam a quantidade de mensagens querendo saber o nome desse secretário bem-sucedido. Dediquei tempo explicando aos mais curiosos que objetivamente não havia um alvo específico. Na realidade, o secretário que veste a “camisa do homem feliz” é uma síntese. Poderia perfeitamente ser um ministro.
     O fato é que independente de haver secretários malandros ou não, Teotonio Vilela não terá moleza no seu mandato. Inclusive porque a sociedade se tornou mais consciente e mais exigente. Certamente a comparação com o governo que se encerra será inevitável.
     Diferente sorte caberá ao presidente Luiz Inácio da Silva. Quando assumiu o primeiro mandato, Lula e seus companheiros responsabilizaram todos os fracassos ao comando anterior.
     Para justificar as lambanças, “herança maldita” era uma expressão que fluía fácil da boca de todo aliado que se prezasse.
     Quatro anos se passaram. Não obstante a propaganda oficial, a administração petista foi uma celebração ao apadrinhamento e à corrupção.
     Mesmo assim desmoralizado, jogando pesado com a máquina governista, conseguiu uma reeleição.
     Quis o destino que ao fim do primeiro mandato a incompetência explodisse. Se já não bastassem o caos no SUS e na segurança pública, a bagaceira na aviação comercial tornou-se o prato do dia dos comentários. É o retrato fiel de um governo que tem voos de galinha.