terça-feira, 24 de dezembro de 2013

VIVER É ARRISCAR-SE


 Viver é arriscar-se

Ronald mendonça

Médico e membro da AAL

 

Ignoro se a morte do cantor Reginaldo Rossi repercutirá além-fronteiras , reverberá em terras lusas,ou na Lutécia, capital francesa, neste ultimo recanto, movida pela breguíssima Mon Amour, Meu Bem, La Femme. Rossi  jactava-se de cantar em francês justamente por repetir esse ridículo refrão que levava os fãs ao delírio.

O “Rei” não era o pior cantor do mundo, obviamente. Seu histórico remonta aos tempos da Jovem Guarda, da TV Record. Sempre foi um coadjuvante. Esquentava microfones e plateias para os astros principais brilharem. Marca dessa época, o tom fanhoso de Roberto Carlos grudaria na sua voz.

Depois de longo período de ostracismo, eis que ressurgiu cantando o conspícuo “Garçom”. Estouraria a boca do balão: “Garçom, aqui nessa mesa de bar/ você já cansou de escutar/centenas de casos de amor...”

O tema é surrado.  Mas, o fato é que o sucesso foi de tal ordem que não havia pessoa, entre os brasileiros vivos ou mortos, que não tivesse alguma compaixão  das dores daquele infeliz chorão. O mundo é cruel! Nosso herói acabara de receber uma carta que o tirou de tempo e o jogou na sarjeta, digo, na mesa de um bar qualquer.

Que carta! Deixaria em frangalhos o coração do preterido. Não era para menos: o seu grande amor iria casar com outro, justamente naquele dia. Não obstante, não guardava rancor. Filosofava resignado. Queria mais era afogar  suas tristezas até que o sono o derrubasse. E, pelo amor de Deus, que o deixassem no chão.

Resgatado das cinzas do obscurantismo, cantou à exaustão em todo Brasil. Figura carimbada em comícios, tornou-se um cult. Salões de intelectualóides entrevistavam o redivivo intérprete.  Foi xodó de  existencialistas, comunistóides, musicólogos modernosos, micos-leões dourados e outras espécimes em extinção.

Embora sem repetir o sucesso de Garçom, RR também faria a apologia do bom corno. Aí foram as feministas, os psicólogos avançadinhos, os sexólogos e os tiradores de sarro que investiram. Comentarista em glamurosos programas de TV, ar cínico, cercado de concupiscentes minissaias e umbilicais decotes,  dava lições de tolerância aos chifres. Virou ícone. Um guru sexual. Paixão nacional. Marido ideal.

Inimigos nem tão ocultos conspiravam. Incorrigível tabagismo parecia ser o mais ardiloso de todos. Em meio às badalações, o olhar de especialistas já vislumbrava ectoscopia e padrão respiratório compatíveis com lesões pulmonares irreversíveis. Dali para o vale das sombras foi um pulo.

sábado, 14 de dezembro de 2013

"BARBA", O ÓBITO MORAL


“BARBA”, O ÓBITO MORAL

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Cientistas políticos, historiadores e desocupados de todas as categorias estão diante de um pitéu de Natal para saborear. Trata-se do relato de Tuma Júnior dando conta de que Lula Silva, o “Barba” ou o “Boi”, como era conhecido nos aparelhos da repressão, foi um dos privilegiados informantes do Dops. Pelas anêmicas reações, quer-se crer que o fato já seria do conhecimento de todos. Infere-se que a  crise de liderança seja de tal monta que os companheiros preferiram digerir o sapo barbudo a degolá-lo.

Não há inverossimilhança. Afinal de contas, quando Inácio despontou na política sindical, os militares já não tinham tantos problemas com guerrilhas e terroristas. Ou seja, aparentemente, Lula fazia barulho e greves por melhorias salariais, peitava as montadoras de São Bernardo sem se incomodar se vivíamos ou não sob restrições.

Por esse prisma, a milicada  recebia um verniz para poder mostrar-se ao “mundo livre” que por aqui “as coisas fluíam, posto que  até greves de trabalhadores eram permitidas”. Lula estourava a boca do balão com discursos raivosos (nas horas vagas jogava charme para incautas viuvinhas) e a ditadura ainda saía bem nas fotos. São especulações que poderiam ser melhor esclarecidas pelo falecido general Golbery,  “o cérebro do regime”, a essa altura somente em alguma sala mediúnica.

É comum apelar-se para a tortura (caso Genoíno e outros delatores) quando se tenta justificar esse tipo de incontinência verbal. De fato, o cara na borracha, no afogamento, no choque elétrico e não abrir o bico... Talvez aí resida o porquê do paradoxo de um Genoíno, uma Dilma, sobreviverem à tortura e um intelectual desarmado -Herzog, por exemplo- ser assassinado. Lula não se inclui entre os supliciados.

Qualquer que fosse o mote, a grande verdade é que vicejava uma espécie de cultura da “oposição confiável”. Havia um MDB dócil, sim, não necessariamente submisso, que pretendia, talvez, que o País caminhasse para uma normalidade democrática. Mas que aceitava, ao menos temporariamente, as imposições da caserna.  Os grandes exemplares dessa fauna eram os  políticos do Rio de Janeiro, “oposicionistas” (chaguistas et caterva), que tinham seus nomes chancelados pelo regime.

Assim, a cínica promiscuidade de um sindicalista com uma ditadura de direita termina sendo palatável. Um pecadilho sem maiores consequências diante daquele conceito de “sindicalismo de resultados”.  É claro que não se trata de um Judas, de um Joaquim Silvério dos Reis... Rigorosamente, nem merece  entrar na História. Não há decepção. Apenas  a constatação do óbito moral.

 

domingo, 8 de dezembro de 2013

SONHOS E DORES

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA
SONHOS E DORES
 RONALD MENDONÇA – médico e membro da AAL.
                                                                      


A eleição (e a posse) do poeta Jucá Santos para uma cadeira na Academia Alagoana de Letras resgata uma dívida moral. Com efeito, o eterno presidente da Academia Maceioense de Letras era uma ausência doída na vetusta AAL, uma lacuna que precisava ser preenchida urgentemente. Repito o que alguém disse aos pares, em informal cabala de adesões: “Os velhos têm pressa”. De fato, chega-se a determinados estágios em que praticamente nada pode ser adiado para o dia seguinte. Aos oitenta anos, não há pospores...

Não fora a liturgia do cerimonial, não obstante o inflamado discurso de Ricardo Nogueira, que, em nome da Academia, deu as boas-vindas ao empossado, Jucá Santos tem tanta e tamanha visibilidade no meio cultural da Província que dispensaria a formalidade da apresentação.

Dispenso-me gastar o meu enferrujado latim para dizer que Jucá tem uma respeitável obra literária. “Produto” resultante da mistura de um poeta com uma pianista, trazendo no genoma a imorredoura marca do consagrado avô Cipriano. Está assim explicada a força criativa dessa conspícua figura que há tantos anos passeia entre as musas e as encanta encanta e seduz.

Quis o destino que no exato dia em que Jucá Santos concretizava o sonho de adentrar-se triunfalmente no oratório literário da Praça Deodoro, uma outra figura despedia-se da vida deixando um legado de coragem e determinação. Falo de Nelson Mandela. 

Em rápidas pinceladas foi traçado o perfil do grande líder, um exemplo para os que se arvoram de líderes e não passam de incorrigíveis picaretas. Presidente do seu país com quase 80 anos de idade, após vinte e sete anos confinado num cubículo de cinco metros quadrados, apesar de comunista, Mandela recusou-se sentar na cadeira presidencial eternamente. O recado foi claro: há prisões em que o sujeito sai maior. O outro é que mesmo comunista o cara pode não sonhar com partido único, jornal único e pensamento único. Lições que poderiam inspirar Genoino, Zé Dirceu e companheirada.

Condenado à prisão perpétua, era um comuna que respeitava adversários; que costurou o fim do apartheid com um adversário ferrenho, branco e rancoroso, cinco anos antes de livrar-se das algemas. Feridas da alma (e na augusta fronte) certamente o grande líder as sepultou. Sua digna esposa, recalcitrante, ao chifrar o nosso herói, não tenham dúvidas, magoou o mundo. Sobretudo o masculino.

Não há sonhos sem dor

sábado, 30 de novembro de 2013

ETERNOS ÍDOLOS


ETERNOS ÍDOLOS

RONALD MENDONÇA

 MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

 Ídolo da minha  distante adolescência/juventude, fico feliz em saber que o Zé tem saúde de touro reprodutor. Um gigante. Diria mais, a caminho da justa imortalidade.

A tristeza  é saber que Genô foi condenado por uma falta que não cometeu. Sim, porque o mensalão nunca existiu. É invenção dessa direita asquerosa. Todos sabem que aquelas assinaturas que o meu eterno guerrilheiro postou nos empréstimos fajutas com a Visa foram de brincadeirinha. JG tinha a garantia dos companheiros de que aquilo não iria sair da honrada sede do partido. Na minha modesta opinião,  alguém, sorrateiro e maldoso, entrou nos arquivos do PT e entregou os documentos secretos justamente a outro injustiçado, o ítalo-brasileiro Henrique Pizzalotto, outra das grandes reservas morais do País.

Vivemos num país em que ninguém confia em mais ninguém. Urge que se diga que há pessoas, milhões de cidadãos, que confiam na coragem, integridade, na honestidade, sobretudo na saúde de ferro do revolucionário. A satisfação de saber que Genoíno está na “ponta dos cascos”, pronto para novas incursões em busca do verdadeiro socialismo, nos enche de esperança. Ainda mais porque  fora submetido à delicada cirurgia comandada por uma equipe de cubanos. Segundo dizem, a mesma que agora devolve a saúde perdida aos alagoanos.

Por fim, é preciso que se reafirme com todas as letras e de uma vez por todas: Genoíno nunca pretendeu implantar uma ditadura comunista. Desde sempre foi um democrata. Avesso a violências, suas armas resumiam-se a um canivete suíço.  Detesta, como seus companheiros de guerrilha, partido único. O pluralismo de ideias é o seu forte. Jamais, ele e seus fieis amigo, pensaram em derrubar o “milico de plantão” e colocar um ditador comuna no seu lugar.

Falo desse estupendo vulto da História do Brasil e logo me vêm figuras não menos grandiosas. A começar por Paulo Maluf. Preso, cerca de dois anos atrás (por engano!), numa monstruosidade jurídica (tal qual a prisão de Genoíno e Zé Dirceu), o marido de Sílvia entrou em deplorável estado. Quem não se lembra? O país comoveu-se com a saída de Maluf do presídio. Um caco humano! Meu Deus! Como alguém pôde definhar em tão poucos dias?

 Duas semanas depois, eis que Maluf é fotografado com a alegria de um angorá no cio, gordo e corado, na condição de um dos homenageados do Festival de Inverno de São José dos Campos.

Alá é bom. 

 

sábado, 23 de novembro de 2013

O LÁPIS


O LÁPIS

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

E. Lisioff  não mais suportava tanta angústia. Estava certo de que um corpo estranho, entalado no seu tubo digestivo,  seria a causa de todos os sofrimentos físicos e morais. Já não conseguia se concentrar. Professor de economia na famosíssima Heidelberg, misturava alhos com bugalhos. No transtornado cérebro do delirante, os pioneiros fisiocratas franceses confundiam-se com os psiquiatras Kraepelin e Kretschmer. Nutria particular desprezo por K. Jaspers, seu colega de instituição.

 Um  lápis, supostamente alojado na alça sigmoide, tornar-se-ia a razão e o porquê da existência do maluco economista. Luterano inarredável, estava convicto de  que um complô, liderado pela Igreja Católica (“o papa em pessoa”), pela  burguesia e pelos psiquiatras da prestigiosa escola germânica, havia executado esse ato de “vandalismo sexual”, aproveitando um dos tantos momentos de contumaz bebedeira. Dormindo profundamente, nu, tal qual um Noé embriagado, seus orifícios naturais estariam vulneráveis a “leviandades e canalhices”. “Que mundo! Nem dormir despido o cidadão tinha mais direito”.

Percorreu a Europa em busca de solução. Embora sucessivos exames radiológicos negassem a existência do corpo estranho, exigia ser operado. Antiamericano, comunistóide, ainda assim esteve em Baltimore, com o célebre cirurgião Halsted. Saiu esculhambando com o homem: de insensível capitalista a burguês posudo. Ficou irritado porque pagou a consulta “para nada”.

Fracassariam seus  apelos ao espiritismo. O exotismo o levou ao candomblé baiano. Quase à socapa, teria vindo a Maceió. Consultou-se com o jovem cirurgião germanófilo Clemente Mariano que, sem mais rodeios, recomendou-lhe procurar um psiquiatra. Quem sabe,  até o Dr. Freud. “Não sei o porquê dessa insistência. Está mais do que comprovado: o senhor não tem lápis coisa nenhuma na sua barriga; estava bêbado e alguém deve ter introduzido outro elemento. Botou e tirou. Lápis é que não foi. Aprenda essa lição: um homem de bem (e precavido!) não dorme nu, seu Lisioff”, sentenciou, severo.

Doutor Clemente prosseguiria: “Retorne a  sua terra. Perdoe os chifres que sua mulher plantou na testa  e volte para ela. Deixe de beber. Está provado que a bebida não lhe faz bem. Sobretudo, não durma sem roupa”.  “Talvez, Dr. Freud consiga tirar essas ideias malucas da sua cabeça”. O alemão, que desde sempre odiava psiquiatras, quis malcriar-se, mas encontrou no reimoso alagoano osso duro de roer...  É! Talvez o lápis não fosse apenas um lápis...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

ESCOLAS


ESCOLAS

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Recuso-me aceitar que Paulo Salim Maluf seja o mais execrável dos políticos do Brasil.  De tanto pegarem no pé do pobre homem, ele terminou sendo condenado. Acho que Maluf vem de uma grande escola, a de Ademar de Barros, célebre político paulista cujo lema era” “rouba, mas faz”. Há uma grandeza moral nessa afirmativa. Só comparável a de Luiz Inácio sobre o caixa dois: “faço o que todos fazem..."

Falo de grandeza moral e me vem na lembrança que em 1986, um grupo de médicos entrou com uma queixa contra o Estado de Alagoas.  A reclamação parecia justa: desde 1978 plantões extras a cada cinco semanas eram dados na Unidade de Emergência e os “patrões” “ fingiam” que não deviam ser pagos.

A questão era indiscutível. (Havia até uma escala comprovando!) Cobrou-se, através do Tribunal do Trabalho, o pagamento desses plantões. Tão logo a demanda chegou ao órgão devedor, a direção decidiu acabar com os “furos” e os plantões extras passariam a ser ou pagos através de folhas suplementares, ou , de forma mais radical: decidiu-se pela não existência de plantonistas.

Em 2008, tudo parecia convergir para o esperado pagamento das dívidas. Afinal, vinte e dois anos  haviam se passado. Uma surpresa processual  os aguardava. Uma causa que começara e terminara no mesmo dia, com as mesmas cargas horárias, mesmas funções, os mesmos salários..., eis que foi descoberta descomunal e incompreensível diferença de valores de  até trezentos por cento entre os requerentes.

Naturalmente, que as partes menos contempladas protestaram. A tendência seria de uma revisão do processo. Urgia esclarecimento. O desfavorecido queria igualar-se aos outros. Finalmente, prevaleceu o bom senso: as quantias recebidos pelos reclamantes seriam divididos, igualmente,  independentemente dos valores atribuídos individualmente, tão logo o pagamento fosse repassado pelo TRT. Havia o temor de uma demora de mais trinta anos com uma nova revisão do processo. Por isso a opção.

Os interessados (médicos e idôneos) assinaram um contrato, reconheceram as respectivas assinaturas e registraram o acordo em cartório. Um fato singular merece registro. Um dos signatários, justamente o mais beneficiado pelo esdrúxulo cálculo, teve um acesso de honradez. Garantiu aos presentes que uma vez sua palavra empenhada, não precisava  de nenhum documento escrito para cumpri-la. Claro que ninguém acreditou. Ele assinou e sua firma foi reconhecida em cartório.

Chegou, enfim, o grande dia. Presentes os três no TRT. Vinte e sete  anos  distanciavam-se daquela tarde  em que jovens esculápios desafiaram  os poderosos . Repassados os valores pelo TRT, não houve decepções. Os mais aquinhoados negaram-se a cumprir o acordo assinado e registrado em cartório. O tal do “acesso de honradez” falou fino e melou as calças. Não surpreenderam. Já se esperava que eles assim procedessem. Maluf e Lula dominaram suas almas e rifaram suas honras.

domingo, 10 de novembro de 2013

NOVEMBRO DE 1999


NOVEMBRO DE 1999

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

O ano de 1999 começaria, como sempre, com renovadas esperanças de saúde física  e paz espiritual. Que a família permanecesse unida. Minha mãe já se fora. Que o velho pai – um guerreiro tenaz – embora adoentado,  continuasse na sua jornada. Na visão de filho, muitas vezes, o afeto especial que lhe dedicava me fazia crer (em conflito com a realidade) que ele dobraria a doença.

Meus três filhos, universitários, estavam em etapas diferentes. Era o tempo da espera do Eclesiastes. A companheira, médica, competente e mãe diligente,  também punha em marcha projetos paulatinamente concretizados. Já “com o rosto sulcado pelo arado do tempo”, mantinha-me com certo  vigor para coordenar uma disciplina na universidade,  tocar um ambulatório no MS, fazer consultas e cirurgias. Exibia  sintomas de uma doença incurável: “intelectualismo”.

Nunca tive sobras financeiras, apesar de alguns amigos  julgarem o contrário. Um mais afoito, desafiava-me confessar onde eu “escondia” o dinheiro. Vezes houve em que me senti compelido a apontar o local exato do cofre: justo num monossilábico recôndito da sua anatomia.

Novembro de 1999 começou sombrio. No dia dois, meu pai deixou de tossir. Mudei a rotina dos meus sábados. É que nos últimos anos, regularmente, eu os passei em sua companhia. Não resistia quando ele telefonava: “Rapaz, que horas você chega? Os bifes à milanesa e o  charque ficaram bons. A cerveja está no ponto...” O conteúdo dos nossos bate-papos está sendo  recontado aos meus descendentes e aos que se interessam por conversas entre dois velhos amigos que se queriam bem. Por coincidência, pai e filho.

Fora de Maceió, 13 dias depois, nossas cabeças explodiriam com a notícia das mortes dos meus dois filhos mais velhos: Lavínea e Roninho, ocorridas uma dia antes, na nossa própria casa.  Foram gratuitamente agredidos por um animal travestido de empregado doméstico. Lavínea, acuada pelo marginal, assistiu ao assassinato do irmão, que, mal desperto, tentara se defender. Para a esquerda mais sanguinária foi o “redespertar” da luta de classes, uma vitória do proletário explorado em cima do patrão explorador.

Foram mortes construídas por várias mãos. Por Olímpia, uma ex-patroa e íntima do assassino, uma escroque intrujona que receptava objetos e valores surrupiados da minha casa. Por um militar do glorioso Exército Brasileiro, que forneceu a arma do crime. E pela loja Colt 45, que absurdamente vendeu a caixa de balas que matou meus filhos.

UN CIERTO CAPITÁN LIMA


Un cierto Capitán Lima

Ronald Mendonça

Médico e membro da AAL

Fora eu  terrorista, espalharia aos ventos um texto atribuído a Alexandre Garcia, um dos âncoras da Rede Globo. Não tive boa impressão do comunicador. Ainda nos tempos da ditadura, tempos do general  Figueiredo, AG publicou um texto na finada Manchete que era uma lamentável “ puxação” de saco da primeira dama. Ao longo dos anos, acho que ele se redimiu, credenciou-se  como idôneo.

O fato é que, nos últimos dias, circula na internet o assustador “Por onde andas Izabel?”  Naturalmente, a “Izabel” é a princesinha que assinou a Lei Áurea, em 1888, pá de cal na escravidão negra no Brasil. Por tabela, segundo alguns historiadores, o atestado de óbito da monarquia brasileira.

“Por onde andas Izabel” são comentários sobre a importação de médicos cubanos pelo governo brasileiro. O autor evita exprimir juízo sobre a qualidade profissional. Também passa ao largo do estupro das leis que regem o exercício da medicina. Na verdade, o texto mira numa questão que nossos esquerdistas, tão ciosos na observância dos direitos trabalhistas, cegaram. Digamos que são vítimas de uma coletiva alucinação negativa.

Sorridentes, com cara de quem vendem saúde, os felizes médicos cubanos aqui apearam sem lenços, sem documentos, em pleno sol de setembro. Não têm passaportes. Não pagarão impostos. Não receberão dinheiro diretamente do “patrão”( governo brasileiro),  não têm CPF, RG... Impedidos de circular livremente, são comparados, guardadas as proporções, a escravos (voluntários?). A vida é cruel: namorar só daquela forma adolescente -talvez como gratidão - mirando o penteado novo de madame Dilma. Com as famílias reféns na temida ilha, sem planos B, apenas um quarto do salário lhes chegará aos bolsos. E por aí vai o texto de Garcia. A cumplicidade brasileira é caso para Ministério Público.

Escrevi demais sobre um tema que não me toca diretamente. É que os velhos têm pressa. Seu balaio de frutas está quase no fim. As restantes devem ser minuciosamente degustadas. Por isso, propus ao temporão escritor Carlito Lima nos encontrarmos mais. Mesmo com ele ocupado em lançar, na Bienal, Confesiones de um Capitán Brasileño, versão hispânica que bombou em Portugal e em Frankfurt.

De olho no Quixote do terceiro milênio, a Bienal, uníssona, pergunta: Que seriam dos domingos alagoanos (e do mundo) sem as saborosas crônicas de CL? E o que seria da cultura alagoana sem o otimismo da FLIMAR?

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

JUAN


JUAN

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

Não foi sem entusiasmo que assisti à parte do humorístico na TV em que pândegos revezaram-se em falas ufanísticas. Até Lula deu o ar da graça. Nosso guru é impagável. Embora desmemoriado, logo  vê-se que a doença não alterou sua visão. Leu o texto hilário direitinho, quase sem gaguejar.

 Há controvérsias se o bolsa família (que um dia ele próprio comparou ao “espelhinho de Cabral tapeando os índios”) seria como bolo: “quanto mais se bate, mais ele cresce”. O papador das viuvinhas dos sindicalistas blefa. O “BF” cresce quando D. Dilma tem sua gestão rejeitada segundo as pesquisas de opinião. Aí alguém cochicha para ela ampliar os beneficiários. No outro dia seu nome sai bombando.

Hoje em quase lua de mel, ainda ontem nossa Dilma mastigava jiló. Uma longa e vergonhosa vaia a saudaria, diante do presidente da FIFA, um boquirroto de carteirinha. O mundo todo comover-se-ia com o ar tristinho de madame. Povo ingrato que não respeita uma lady. Com certeza, as vaias tinham o patrocínio do capital estrangeiro e o apoio da imprensa hegemônica e golpista. Acuada e traumatizada, madame passaria a ter pânico de conglomerados humanos. Graças a Deus voltou a sorrir.

Em meio à alacridade, o coração inquieta-se. Cadê os meus ídolos? Onde andará meu guerrilheiro predileto Zé Dirceu, o Zé Paraná? Imagino sua decepção, naquela apartamento insalubre da Higienópolis. Que foi feito de Genoíno, meu eterno presidente, um homem acima de qualquer suspeita? E o doce Silvinho Land Rover? E o bom Delúbio, o tesoureiro-mor? São muitas lembranças...

 Como diz a assessora sexual, Rose, a fila anda. O competente ministro da Saúde também teve momentos de Tony Ramos. Uma coisa linda! Ali, juntinho de uma anciã, jurando que, agora sim, ela teria digna assistência com os amáveis cubanos. Nunca esquecer: bolsa família e Mais Médicos são os cavalos de batalha do governo.

O fato é que o País mudou desde que Juan, o iluminado imigrante cubano, aqui desembarcou. Aliás, justíssima homenagem, como desagravo, lhe foi prestada por madame Dilma. A medicina tupiniquim tem novo marco: antes e depois de Juan. Manancial inesgotável de conhecimentos, sussurra-se até que fora sondado para contribuir com o Sírio Libanês, como assistente  do Dr. Kalil, o médico meio-campo das estrelas. Juan faria o rapapé  com a rafameia: Aurélio Top-Top, Rui Falcão, Lobão, dentre outros.

 

 

sábado, 19 de outubro de 2013

GLÓRIAS ESTÉREIS


 

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

Alguém já disse que estatísticas no Brasil seriam como  biquínis: mostram tudo, mas escondem o essencial.

Se apenas um brasileiro tivesse morrido de fome já seria muito grave. A cifra de “dez milhões de mortes por inanição, em cinco anos, durante a ditadura militar (somente no Nordeste)”, circulou na internet como se verdade fosse. Amigos idôneos embarcaram nessa fantasia e “curtiram” ou “compartilharam”.

Em 1970, o “déspota de plantão” era o general Médici. Linha duríssima, a tortura dava no meio da canela. Segundo a ufanista canção Pra Frente Brasil, o País tinha 90 milhões de habitantes. O Nordeste abrigava de 20 a 25 milhões de almas.

Havia 8 milhões de esquistosomóticos, um tanto de tuberculosos, sifilíticos, palúdicos e chagásicos. Morria-se de febre tifoide, disenteria, diabetes, AVC, enfartes, anafilaxia, câncer, suicídio, assassinatos, tétano, de parto; havia natimortos; Morria-se também de acidentes, enfisema, hepatites, pneumonias, úlceras perfuradas, apendicites, embolias, raiva... Não se ouvia falar de dengue, cólera, Aids ou febre amarela. Não esquecer que a ditadura colaborou   com 500 óbitos. A guerrilha mais modestamente...

Aí o cara bota que10 milhões de nordestinos morreram por inanição? Tenha dó.

Depois de receber risadinha eletrônica como resposta à cobrança da fonte jornalística, caiu-me a ficha. Em antecipada campanha presidencial, o objetivo era “saber” o que faziam, em 1968, os futuros supostos adversários de Madame Roussef quando ela – armada até os dentes -  atendia por Estela e organizava assaltos e sequestros. Sonhava, enfim,  implantar uma ditadura comunista.

Segundo se soube, o recém- nascido Eduardo Campos mamava. Neves, com 8 anos brincava de esconde-esconde, enquanto Marina, pré-adolescente,  na Amazônia, como uma Jane tropical, pegava cipós. Zé Serra foi crucificado por estar no Chile; e FHC execrado por dar aulas na Sorbonne.

Foi quando perguntei o que fez Estela, digo, Dilma, depois que saiu dos porões. Voltou à luta armada? Acho que não. Tudo indica que concluiu o curso superior, bem quietinha, como qualquer detestável burguesinha. Depois, fez mestrado e doutorado de araque e entrou no PDT do Brizola...

Interessa-me esclarecer se, de fato, o Zé Genoíno entregou os colegas guerrilheiros do Araguaia. Delação, aliás, que eu próprio não acredito. Sou curioso: afinal, quando  escondeu o bigodão mexicano debaixo da saia de uma paranaense, Zé Dirceu amarelou ou seguia conselhos de tio Fidel?

 

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

MAIS

MAIS
Por: » RONALD MENDONÇA - médico e membro da AAL.
 
Impressiona-me o alto nível de sensibilidade dos dirigentes do País, particularmente dos que, atualmente, conduzem as políticas de Saúde. Poucas vezes, nas minhas acumuladas milhagens de anos, tenho visto almas mais delicadas (e competentes!). De fato, fatia significativa da população não tem uma assistência médica de qualidade, sequer razoável.

Como dizem os formadores de opinião, os médicos que hoje militam nos ambulatórios do SUS, nos hospitais públicos e outros que tais são cidadãos (se assim podem ser chamados) de baixíssima qualificação moral e ética. Uns monstros, para dizer o mínimo, numa analogia com a literatura. Seres desalmados que se fecham em reprováveis guetos de corporativismo. Fascistas endinheirados que só pensam nos próprios bolsos, completamente indiferentes. Acham pouco uma consulta por oito reais! Um deboche. Escarram no Juramento de Hipócrates.

Atrevidos e insatisfeitos com os rios de dinheiro que correm para suas polpudas contas bancárias, ainda ousam tentar impedir que abnegados cubanos deixem sua pátria para servir, de forma desinteressada, quase de graça, brasileirinhos e brasileirinhas dos confins da Amazônia. Expostos a todos os riscos, da malária à Aids, do alcoolismo a flechadas de inamistosos índios. Sem contar a possibilidade de, ingloriamente, terminarem seus dias no centro de algum ritual canibalista.

Se há uma coisa nesse governo que sempre mereceu atenção redobrada foi

a Saúde. O egoísmo dos médicos é que bota tudo a perder. Há controvérsias. Como mestra/doutora (das ciências ocultas?) talvez seja a Educação o foco principal de Madame Dilma. Com certeza, o quesito Segurança anda ali grudado no primeiro lugar.

Deus me livre ser injusto. A maior grandeza dessas notáveis gestões residem na austeridade com que se trata o dinheiro público. Impressiona até o Pai do Céu. É por isso que sobra dinheiro para Madame, com o nosso suor, higienizar-se nos hotéis mais caros do planeta.

Pressente-se uma certa timidez. Não obstante os gastos milionários com a Educação, a Segurança e a Comunicação, percebem-se as fragilidades. Quer-se crer que na hora de importarmos professores (outro bando de inconformados que só pensa em greves) e policiais cubanos. Sugiro nomes : Mais Professores; Mais Policiais. Finalmente (numa área em que Cuba dá show de bola), para coibir os abusos da incômoda imprensa hegemônica: Mais Jornalistas.
 
(Ensaio publicado na Gazeta de Alagoas de 12/10/2013)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

LIVERPOOL DOS BEATLES E DE APRIL ASHLEY


 

LIVERPOOL DOS BEATLES E DE APRIL ASHLEY

Por: » RONALD MENDONÇA - médico e membro da AAL.

Bebedouro da minha infância retorna com toda a força aqui em Liverpool. A cidade cultua, exala e transpira os Beatles. Há outras paixões, o futebol, por exemplo. Na Caverna (point obrigatório), santuário dos beatlemaníacos, admito que curti as velhas canções. Mas, saí um pouco frustrado pela não audição de Yesterday.
Fico chateado pelos meus amigos alucinados pelo quarteto de Liverpool. Quando ele (o quarteto ) surgiu, lá pelos anos sessenta do século passado, confesso, eu não me entusiasmei. Talvez os mais experientes se recordem. As emissoras de rádio de Alagoas levariam tempo até aderir ao modismo dos Beatles. Bolerões e sambas-canções, embora em evidente declínio, ainda encontravam público. Como num tsunami, a música gerada em Liverpool foi ocupando espaços cada vez maiores. Até a recém-criada bossa nova acusaria o golpe. Roberto Carlos – e as tardes de domingo –, claramente influenciado pelo novo ritmo, quase transformaria  violão e sanfona em peças de museu.
Em casa, ouvíamos Cauby Peixoto e Angela Maria bem baixinho, envergonhados, com medo que os vizinhos pudessem perceber nossa miséria moral. Nelson Gonçalves, nem pensar!
Penitencio-me perante os meus estoicos leitores pela minha rude sensibilidade musical. Vou admitir sem arrodeios: matuto complexado de Bebedouro, não gostava de canções estrangeiras. Era um xenófobo de carteirinha, se é que vocês me entendem. Aos 12, 13 anos, detestava os Beatles, Frank Sinatra, Elvis Presley… Tinha, com reservas, uma certa simpatia por Edith Piaf, muito mais mais pela sonoridade linguística.
Francisco Alves, Vicente Celestino, Carlos Galhardo, Silvio Caldas, Pixinguinha, Cartola, Noel Rosa, Elizete Cardoso, Dalva de Oliveira, Núbia Lafayette e algumas mais preenchiam o universo sonoro da minha adolescência. Não nego a atração pelos fados portugueses.
A grande verdade é que não evoluí muito no quesito gosto musical. Mas, eis que de repente, o velho dinossauro bebedourense está em Liverpool. Convocado para palestras no Velho Mundo, na mala mais de cinco mil neurocirurgias, alguém achou que minha presença e do colega Aldo Calaça poderiam ser interessantes.
Não foi, assim, a paixão pelos Beatles que me trouxe a Liverpool. Muito menos, a história de madame April Ashley, a primeira transsexual operada no mundo, ícone mundial do transsexualismo, orgulho e glória dos nativos da cidade.


sexta-feira, 27 de setembro de 2013

DOM CARLITO DE LA PAZ Y LIMA


DOM CARLITO DE LA PAZ Y LIMA

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEBRO DA AAL

De súbito, despertou no meio da noite e, vencendo a meia escuridão, foi ao quarto onde guarda seus livros e mil e uma lembranças. A um canto, a espada de cadete, polida regularmente, reluzia pendurada na cintura de um manequim sem cabeça vestido de sua garbosa farda. Criação dos amigos e parentes arquitetos, as peças compõem o museu particular que paciente e silenciosamente  construiu ao longo dos anos. Protegidas por uma vidraça, em exposição permanente, não fora o detalhe da ausência do crânio, aos desavisados parece uma pessoa de carne e osso.

O Velho Capita estava tenso. Dali a algumas horas estaria abrindo a FLIMAR. Estrategista por formação,  embora tudo estivesse organizado, há sempre os imprevistos: a enxaqueca de uma auxiliar, um atraso de voo, uma defecção inesperada...  Nos últimos dias teve de se virar para conseguir um novo espaço para abrigar algumas palestras. É que o local prometido foi fechado para reformas...

Quedar-se-ia pensativo na sua quase aurora solidão. Sentiu-se gratificado ao verificar que acertou na mosca por escolher Graciliano Ramos e Cacá Diegues como homenageados. Dois mitos. Um deles lenda viva da cultura e da arte brasileiras. O primeiro com vida e obra marcantes, cujas  agruras e glórias pessoais já valem um bom romance.

Repassou toda a FLIMAR. Como um César ao atravessar o Rubicão, disse de si para consigo “ alea jacta est”, ou, “seja o que Deus quiser”. Viu-se então, anos atrás, timidamente lançando seu rumoroso livro de memórias da caserna. Depoimentos polêmicos, contudo essenciais para uma catarse espiritual e um início fantástico como escritor. Sexagenário, tomaria gosto pela coisa. Tornou-se um cronista dos mais respeitados e lidos, estilo inconfundível. Imitado mas nunca igualado. São quase 20 títulos publicados.

Fazendo dos vetustos  armazéns de Jaraguá castelos medievais, tal um Quixote redivivo, duelaria em defesa da honra de donzelas prostitutas. Vieram as Negras Odetes, as Marias Batalhões, as Marias Sugadoras, as Pafinhas, Margôs, Terezinhas À La Coq e outras tantas anônimas ou famosas que fizeram a iniciação (e continuação) desse nunca completamente concluído aprendizado das artes e mistérios do amor. Desde Gardel não se cantava tão bem a “tragédia das perdidas, compreendendo suas vidas e perdoando seus papeis...”

Alagoas orgulha-se de você, meu bom Carlito. E , hoje,  a você se rende.

 

 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

ONÇAS, ANTROPÓFAGOS E ANACONDAS


ONÇAS, ANTROPÓFAGOS E ANACONDAS
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
 

Fissurado  em sessão do Supremo, persegue-me  crônica paixão recolhida pelo Direito. Embora desde cedo – depois de renunciar à vida monástica – tenha focado a Medicina, criei-me também entre advogados. Adolescente, viajava nos  apaixonados relatos que os tios faziam de famosos julgamentos. Nomes como Evandro Lins e Silva, Nelson Hungria, Pontes de Miranda, Oscar Stevenson, com certo exagero, me eram quase familiares.

Lembro uma sessão em que famoso criminalista penetrava nas entranhas de um assassinato. Do lado oposto, uma advogada defendia o acusado. Sussurrava-se que entre os dois havia algo além do Código de Hamurabi. Num dado momento, a causídica – por sinal, simpática – interromperia o discurso do colega advertindo-o de que este  não seria homem bastante para tomar tal ou qual providencia jurídica. A resposta foi imediata: “Nada me impede de enveredar por essa linha. Quanto ao homem, V. Exa. já teve oportunidades de conferir in loco. “

Disso tudo vem a compaixão em  compreender o excruciante sofrimento moral dos companheiros mensaleiros com o julgamento, a conta-gotas, dos “embargos infringentes. Eles não merecem passar por esse calvário.  Poucos resistiriam. Somente homens com a têmpera forjada  no desterro, nos campos nazifascistas, nos porões da ditadura...  Derrotando onças do Pantanal, antropófagos e anacondas na Amazônia,  e  por que não dizê-lo, superando os extenuantes exercícios de guerrilhas,  é que teriam condições de suportar tais provações.

Deus tem sido muito generoso com o povo brasileiro em ter permitido que o seu destino fosse entregue em honradas mãos petistas, peemedebistas, pecebistas, pedetistas e outras não menos  competentes e honestas. Por isso a certeza de que nada de mal vai acontecer a esses doces rapazes. Sobretudo porque eles destilam inocência, como perfume uma flor.

 Mortais comuns  perguntam-se como pôde acontecer de pessoas de índoles tão boas serem acusadas de coisas tâo feias... É a inveja. O capital estrangeiro é capaz de qualquer coisa. Vejam o que aconteceu a esse bom menino, ex-espião americano. O capitalismo selvagem quase o liquidou. Era  um oráculo das esquerdas em  estado larvar.

Gente, Dona Dilma merece um afago. Felizmente, quarta-feira está próxima. Com o voto do decano do STF, Celso Mello, enfim  veremos uma pontinha de sorriso nos rostinhos de madame e dos queridos mensaleiros.

PROSTITUTAS E TOUPEIRAS


PROSTITUTAS E TOUPEIRAS

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Línguas malsãs costumam dizer que a prostituição está para Cuba como o bolsa-família está para o Brasil. Com efeito, um amigo, “insuspeito” celibatário e comunista-guevarista de carteirinha, relatou, para quem quisesse ouvir, um affaire com uma agradável jovem islense que se dizia arquiteta, especialista em “equipamentos urbanos”.

 Isabelita mostrou-se  de uma fidelidade à revolução que beirava o grotesco. Morena calipígia, o seu belo corpo tatuado exibe temas nacionalistas  que revelam incondicional amor à pátria. Enfim, lindamente nua, o alagoano  deu de cara com as brochantes  imagens de Fidel e Guevara ocupando boa parte dos esculturais  glúteos. Um desperdício, bom Deus, segundo ele..

Sim. Era, com muito orgulho, funcionária do governo. A bem da verdade, agua  grama. Os dólares advindos da atividade, digamos, lúdica, eram-lhe indispensáveis. Modéstia à parte,  era disputadíssima. Tivesse ela, na prancheta, a metade da criatividade revelada na cama, seria uma réplica perfeita do companheiro Niemayer.

Seu senso de cidadania comoveu o parceiro sexual. Os dólares (ou parte deles) eram trocados e iriam engrossar o caixa do governo. Na hipótese menos nobre,  pagaria as fraldas importadas que o incontinente velho Fidel consome. Anteviu  todas as crises cíclicas do capitalismo. É dura com o ultraliberalismo e vaticina o iminente esfacelamento do imperialismo americano.

Beleza herdada da mãe,  não está no ramo por acaso. Sente-se privilegiada por   conviver com pessoas de outras plagas. Desde que remunerada, não distingue gênero. Adora a multifacetariedade sexual das comitivas brasileiras. Gente evoluída, desprovida de idiotas preconceitos burgueses. São grupos álacres,  que pagam regiamente, apreciam a boa bebida cubana, a farra, a suruba e “los puros”.  Uns debochados.

Que não se conte com ela para beijos na boca. Aprendera  com Julia Roberts, numa cópia pirata do filme Uma Linda Mulher. Não obstante, considera  a obsessão feminina pelo orgasmo como um odiento capricho pequeno-burguês. “Gostaria de pensar que a companheira Dilma comunga da mesma opinião”, completa.

Sequer admite discutir que as médicas cubanas, contratadas pelo “Mais Médicos”, sejam prostitutas. Ainda que quisessem, não se enquadrariam no perfil do metier.  Nesse aspecto, ela dá razão ao jornalista Ricardo Mota. Quanto à competência, Isabelita não põe a mão no fogo por nenhuma. Seriam “toupeiras”, definiu no seu portunhol de beira de cais.

domingo, 8 de setembro de 2013

O FIM DO MUNDO


O FIM DO MUNDO

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Sinal dos tempos, sobretudo depois que nossas faculdades de medicina  resolveram ensinar cidadania em lugar de doutrina e prática médicas, quero crer que  nossos irmãos cubanos não devem ser os piores médicos do mundo. Ainda que estranhem medicamentos mais atualizados (sabe-se lá se são médicos mesmo), que lhes soem esquisitas palavras como tomografia, ressonância, ultrassonografia, suponho que em pouco tempo estarão familiarizados.  Só então irão entender como é difícil conseguir que seus pacientes as realizem.

Haverá oportunidades de diagnosticar alguma doença cirúrgica. Com certeza ficarão como cavalo de 07 de setembro (“cagando e andando”) se alguém  precisar de uma radioterapia e esperar meses para iniciar o tratamento. Prosaicas hérnias, prolapsos uterinos, fimoses, joanetes, hemorroidas, dentes podres, panarícios e tantas outras misérias humanas que a bondade de Jeová nos presenteou, certamente deixarão “los  puros”  meio atrapalhados. Claro que ninguém vai dar um pio.

O fim do mundo está próximo. Americanos estão nos espionando. Canalhas capitalistas, invejosos do nosso inquebrantável sistema financeiro; do nosso quase perfeito sistema único de Saúde; do insuperável programa de Educação, que conseguiu o feito de ter setenta por cento de analfabetos funcionais; da grandeza moral e ética do nosso Parlamento...

Seria monótono enumerar todas as virtudes que motivariam a cobiça ianque por informações sigilosas. Nossas estradas, a honestidade dos gestores, as cadeias, o sistema jurídico, a segurança pública, o rígido controle de fronteiras, a indústria de pregos, a fábrica de jangadas, a pipoca Bokus, o picolé Caicó...

Se os cafajestes ianques julgam que esse é um país de desfibrados estão redondamente enganados. Temos um Sarney, um Maluf, uma Marta Suplicy, uma Erenice, um Lula Jr., um Barbalho. Queremos Obama de cócoras. A tomada da Casa Branca será um passeio. À frente guerrilheiros treinados em Cuba: o valente Zé Dirceu,  Aurélio Top-Top,  órfãos de Lamarca, Genoíno (de maca) Delúbio, Silvinho Land Rover, a própria Dilma-Rambo pilotando sua moto...

Não restará pedra sobre pedra. A retaguarda jurídica está perfeita com Lewandovksy e Toffoli. Melhor do que isso só o corpo de saúde. Comandados por Roberto Kalil, o policromático escudeiro dos famosos, a tropa de cubanos cuidará dos feridos. Deus em pessoa estará conosco nas piedosas figuras de  Boff e Frei Betto.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO


 

A maldade humana insiste em apontar  José Genoíno, que teve confirmada sua condenação como mensaleiro pelo STF, como um dos delatores na “era do chumbo”. A obtusidade dos rancorosos não perdoa  o fato de um quase adolescente arriscar sua vida por um ideal: implantar um regime comunista no país. Nem que para isso tivesse que enfrentar a antipatia da população. De qualquer forma, o desmantelamento do foco de guerrilha do Araguaia deu-se a partir da prisão do guerrilheiro.

 Não é segredo para ninguém que os bravos idealistas do comunismo não contavam com a simpatia popular. Sobretudo na época do chamado “milagre brasileiro”, decênio marcado por um boom de crescimento, de expansão na área das comunicações e de construção de obras essenciais para nação. A classe média viveria seu apogeu até 1974, quando a OPEP resolveu jogar para a estratosfera o preço do petróleo, acabando com a farra mundial.

Heróis, capitaneados por Lamarca, Genoíno, Stela (posteriormente  assumindo-se como Dilma), dentre outros, deram um tremendo azar. Agiram na época errada. Em nome do ideal marxista/stalinista/leninista/trotskista/guevarista teriam ingressado na luta armada justamente quando os militares estavam no auge da aprovação. Por mais entusiasmo que o irresistível charme de “Che” ordenando fuzilamentos em massa pudesse despertar, não havia clima para aventuras socialistas.

Ainda assim,  lamento não ter engrossado as fileiras dessas figuras que hoje ocupam merecido espaço na galeria dos heróis nacionais. Em vez de estudar Anatomia, de perder noites de sono interpretando Houssay, um enjoado fisiologista argentino (!), a parasitologia de Pessoa – com pavor do Prof. Gastão Oiticica... De olho nas discussões da esquerda festiva, leria o prefácio das baboseiras de Marx e Engels e o Manual da Guerrilha Urbana...

Sonhar não é pecado. Com a bondade de Deus, hoje estaria beliscando uma bela aposentadoria, a justíssima  bolsa ditadura. Seria um apologista do  bolsa família, alicerce da economia brasileira. Beijaria, sem entojar (amo aquela juba milionária) o sorridente ”fotoshop” da Dilma, estrategicamente colocado na mesinha de cabeceira  Nunca mais discutiria procedimentos cirúrgicos com quem não compreende o que lê.

Talvez me tornasse um palpiteiro em economia. A mídia reacionária, hegemônica e golpista que se cuidasse. O ultraliberalismo iria curvar-se diante da opulência do bolsa família. Esfregaria nas fuças da direita o manual do Sus, agora de sangue novo com os cubanos.
Gazeta de Alagoas 31/08/2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

À LUZ DOS FOCOS CIRÚRGICOS



À LUZ DOS FOCOS CIRÚRGICOS

Ronald Mendonça

Médico e Membro da AAL

Tenho dúvidas se  jovens colegas que me acompanham nas jornadas de  salas de cirurgia estão efetivamente interessados no que  descrevo. É que Centro cirúrgico, salas de cirurgia e outros ambientes sinistros para a maioria das pessoas, não são, necessariamente, locais de ininterruptos sofrimentos morais e dores.

Muito ao contrário, são recintos, sobretudo, de esperança. Existem, é claro, momentos  de altíssima voltagem de concentração. Um procedimento cirúrgico não é movido a tensão o tempo todo. Eis algumas histórias:

Na medicina há pelo menos 50 anos, posto que auxiliei meu pai em sua clínica desde os 12-14 anos, sem orgulho ou falsa modéstia,  tive um acesso privilegiado a nuances da profissão, dificilmente vivenciados por outros colegas. É inusitado, por si só, o fato de ter morado num hospital psiquiátrico.

Um feeling  me “persegue”. O de identificar malucos com um olhar. Assassinos, mentirosos e picaretas fiquem tranquilos: não os conheço nem de perto, nem de longe. Embora tenha abraçado outra especialidade, até por dever de gratidão, continuo a prestar serviços no hospital psiquiátrico que o meu saudoso pai fundou e administrou até a última diástole.

Gosto do hospital psiquiátrico, deixo-me cercar sem temores de agressões  por pessoas que se dizem meus pais, meus irmãos e até meus filhos. Alguns se dizem filhos do Lula, namorados abandonados da Dilma e companheiros de guerrilha do Zé Dirceu. Gente com metade da minha idade jura ter participado de luta armada contra a ditadura. Alguns até torturados com oito, nove anos de idade. Há quem tenha jogado com Pelé, com Garrincha... Não foram convocados para a Copa do Mundo porque o Zagalo tinha rixas pessoais.

Semanalmente, não sei até quando, tenho esses encontros. De certa forma, uma visita ao passado. Talvez por isso não tenha perdido o “treino” de conversar com os loucos. De vez em quando ainda encontro pacientes da época em que, estudante, realizei anamneses. Coincidentemente, um penedense que me surpreendeu, anos atrás, com a notícia de que o Rio São Francisco iria secar. Pensei que era delírio...

Há dores indescritíveis. A notícia de uma esquizofrenia num filho é uma quase tragédia, mesmo tendo em conta o arsenal terapêutico de hoje. Nada contudo, nesse terreno, compara-se ao instante em que se constata que o filho que foi criado com tanto carinho, alvo de tantos projetos, está mergulhado no crack.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

DO SONHO AO CALOTE


Do sonho ao calote

Ronald Mendonça

Médico e Membro da AAL

Relatava o doutor Ib Gatto que um amigo pediatra,  Abelardo Duarte, notável  cultor das letras, narrara-lhe um sonho em que se viam (ele e outros colegas) num grande anfiteatro dando aulas a jovens vestidos de branco.  Despertara várias vezes e ao voltar a dormir as imagens repetiam-se. Ninguém precisava ser um José do Egito para decifrá-lo

O sonho de uma faculdade de medicina se cristalizaria meses depois. Escrevo sem consultar, mas creio que eram doze os que assinaram a ata de fundação, na sede da Sociedade Alagoana de Medicina, ainda no alvorecer dos anos 50 do século precedente.  Doutor Ib, o persistente sonhador Abelardo, Theo Brandão, Sebastião da Hora, AC Simões, José Lyra, dentre os presentes.

A novel Faculdade de Medicina de Alagoas transformaria o cenário médico-científico da Província. Até mesmo seus hábitos.  As turmas compactas, tendo as centenas de leitos da Santa Casa de Maceió à disposição, recebiam invejável orientação didática. Muitos dos formados exerceriam o magistério substituindo ou auxiliando os fundadores.

Esta semana, sem alardes, foi enterrado o Prof. Alfredo Ramiro Bastos, o último vivo dos fundadores da Faculdade de Medicina. Possivelmente o mais jovem daqueles desbravadores, doutor Alfredo foi professor de Terapêutica Clínica, hoje extinta. Cardiologista com passagem pelos Estados Unidos – uma exceção na época -, chegou a ser diretor da Faculdade,  àquela altura já federalizada.

Apaixonado por esportes, foi médico e técnico do glorioso Centro Sportivo Alagoano, onde colecionou títulos, mas sobretudo impagáveis histórias. Treinou voleibol. A partir de 1977 convivemos como coleguinhas de departamento. Já relatei, aqui mesmo, a saga de um goleiro do Santanenese, “muito bom, mas azarado”. Com essa sina maldita, o técnico Alfredo Ramiro despacharia o pretendente  com antológica frase. “Pelo menos em três profissões o sujeito não pode ter azar: cirurgião, piloto de avião e goleiro. “

Doutra feita, um famoso goleador pediu-lhe dinheiro emprestado. Temendo o calote, exigiu que o sujeito assinasse documento acusando a disposição de honrar. O mau pagador sentiu-se ultrajado com a prerrogativa. “Doutor, sou um homem de bem. Parece até que o senhor não me conhece. A minha palavra vale mais que qualquer selinho de cartório.” Chiou, mas assinou.

-E aí, professor, o cara pagou?

-Negou fogo!  Botei o sujeito na Justiça. Mudou de time. O Regatas honrou a dívida. Cabra de peia existe em todo lugar.

 

 

sábado, 3 de agosto de 2013

AO SABOR DO IMPROVISO

AO SABOR DO IMPROVISO
Por: » RONALD MENDONÇA - médico e membro da AAL.
Alio-me ao misericordioso coro de orações do brasileiro pelo restabelecimento de José Sarney. Com fama de incurável patrimonialista, o famoso bigode, queira-se ou não, fez uma expressiva carreira política. Ao assumir, por um aborto, a chefia máxima da nação, teve chance (e até tentou) de entrar na História como um grande presidente. Talvez tenha sido um dos mais nanicos. Embora habilidoso no trato com os colegas, a incúria, o permissivo desempenho como presidente do Senado é motivo de chacotas. No fundo, um adesista que até criou escola. Há quem diga que foi superado pelos pupilos.

Quer-se crer que ninguém de bom-senso é contrário à ida do Sarney para SP. Questão humanitária. Com grave doença pulmonar, ele cumpre o ritual dos figurões da República: antes de alçar o último voo rumo ao Pai, ter a alegria de ser recebido pelo polivalente Roberto Kalil, o oportuno coringa da medicina brasileira.

Sem dúvidas, seria uma desfeita ao velho político deixá-lo fenecer no distante Maranhão, longe dos holofotes da paulistana mídia hegemônica e golpista. Seria inconcebível, dentro do rigor ideológico e concepção de amparo aos amigos e sócios do governo socialista/petista. Um parceiro como Sarney jamais poderia ficar fora do “último baile fiscal” no Sírio-Libanês. Sua transferência delineia-se como mera formalidade. Pura questão cultural. Uma tradição que teria se iniciado com as jornadas vitoriosas do vice-presidente José Alencar e continuado com os caranguejos de Dilma e do próprio Lula.

O imortal da ABL bem que poderia ser atendido em um hospital do SUS, lá do seu progressista Maranhão. Infelizmente, doença não marca encontro, não pede licença. Se não, seria até mais patriótico que aguardasse a vinda dos médicos cubanos. Iria calar a boca desses mafiosos de branco do Brasil. Uns mercantilistas. Corporativistas que só pensam em lucro. Seria um gol de placa o ex-presidente ser salvo das garras da “malvada” por um dos representantes do “mais médicos”.

Vivenciando as últimas etapas na vida médica (sobram-me 15 ou 20 anos), jamais imaginei testemunhar tamanhas demonstrações de competência. Cotas para a universidade, vestibular unificado, faculdades de medicina travestidas de escolas de cidadania, importação de médicos sem avaliação de conhecimentos, e, finalmente, dentre outras, proposta/desistência de prolongar o curso médico para oito anos. Salta aos olhos o alto grau de planejamento governamental. Impagáveis surtos de genialidade.

sábado, 27 de julho de 2013


QUEM FOR PODRE QUE SE QUEBRE

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Lula voltou nas sombras do quarto minguante de madame Dilma. Glorioso como um Júlio César depois de atravessar o Rubicão, trazendo no alforje os manuscritos de De Bello Gallico. Naturalmente tendo cuidado de não molhar o precioso pergaminho, ainda que  nem ele mesmo desconfiasse que sobreviveria 22 séculos.

Tal um Ulisses – sem os dissabores. Se não teve uma Tróia, um cavalo que ficaria para a história, sereias e monstros ciclópicos, Lula  retorna cantando de galo sobre o implacável caranguejo, que impiedoso roía suas rouquenhas cordas vocais. Se lhe falta uma  Penélope, há  Dilmas e Roses e profusões de  viuvinhas de sindicalistas. Nesse aspecto, dá de  goleada no mito de Ítaca.

Com gosto de gás e as unhas afiadas,      ele  reapareceu. Saúde de touro reprodutor. Exalando honestidade, logo percebe-se o quanto de crescimento espiritual e moral nesses dois anos de recolhimento.  Precisava alguém lúcido para colocar os pingos nos ii. Sim, porque ninguém antes havia atentado que o grande culpado pelo descalabro da Saúde  atende pelo nome de oposição.

 Precisou que o velho Lula saísse de sua choupana -um cenobita- do seu merecido repouso, abandonasse  conferências magistrais,  o teclado do  computador (onde  produz  pérolas para o NYT) e oferecesse aquela aula de cidadania.

 Só existem problemas na Saúde porque as oposições - lideradas por FHC (o intelectual de punhos de renda) – acabaram com o CPMF, aquele  imposto sobre o cheque. É mero detalhe,  Lula e seus companheiros terem sido ferrenhos adversários da sua criação. O fato de  ter  maioria no Congresso na época da extinção, também quer parecer irrelevante.

Como um tsunami do bem, independente  da imprensa reacionária e golpista, ele vai voltar por cima da carne seca. Maior do que o analfabetismo, nem o câncer o derrotou.  Nos braços do povo, de regresso, rumo ao inelutável destino histórico, o socialismo/comunismo.

É fazer força para viver esse momento lindo.  Há que se libertar desse individualismo pequeno-burguês. Não é possível essa multiplicação de partidos. Nenhum país conseguiu sair da miséria com imprensa livre.  As notícias confundem as pessoas. Assim como partidos políticos. Está tudo errado. A internet está corrompendo nossa juventude. Ninguém lê Marx. Um absurdo!

O Partidão pensará por nós. Desta vez vai. Lula e seus amigos estão preparados para a missão... Ai dos  inimigos do povo (“elites”, canalhas, imprensa hegemônica e rancorosa, recalcitrantes pequeno-burgueses...). Há contas a acertar com os tribunais populares. Como diria Arlindo Chagas, “quem for podre que se quebre”.
Q

sábado, 20 de julho de 2013


UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA


ABISMO QUE CAVASTE COM TEUS PÉS
RONALD MENDONÇA
Médico e Membro da AAL

Num dado momento, pretendeu-se reformular o curso de medicina. Embora pouco inclinado a reuniões “de trabalho”, geralmente inócuas, ou – muito pior - de cartas marcadas, senti-me impelido a participar. Afinal era um dos coordenadores de disciplina. Com quase trinta e cinco anos de magistério permiti-me inferir que já estava meio tarde para começar a utilizar portfólios e outros que tais.
Três anos após ter me despedido e aberto caminho para novos talentos, continuo a pensar na medicina como ciência e arte. O filósofo Kant, a propósito, teria dito que a doutrina sem a experiência é nula enquanto a experiência sem o conhecimento é cega. Mestre Ib Gatto filosofava com os pés na terra ao repetir, em diversas ocasiões, que reconhecia no ensino e na aprendizagem da arte de Hipócrates três etapas: 1) Ver: 2) Ajudar; 3) Fazer. Fora disso é tentar reinventar a roda.
O fato é que das enjoadas reuniões chegou-se a conclusões geniais. Antes de tudo, pariu-se que o alvo da faculdade seria primordialmente formar cidadãos. Infere-se que Medicina que é bom, o cara pode até não aprender, mas jamais dali sairá um cidadão de segunda classe. (Isso foi dito e repetido várias vezes). Que adiantou nossa “rebeldia” e falar que a cidadania é um processo que começa intraútero e nunca está completamente construído, ainda que se viva 150 anos? Cidadania é apenas burnida na Academia com o exemplo dos mais antigos. Medicina e cidadania, é claro, não são excludentes. O que parece fora do lugar é a priorização do abstrato – muitas vezes carregada por mesquinhas desforras dos professores.
Não menos surpreendente foi a criativa ideia, até hoje em voga, de que as faculdades de medicina devem ter como objetivo formar cidadãos, digo, médicos, para o Sus. Na realidade, “para as necessidades do Sus”. É o estupro da Academia. Não lembro das vezes em que perguntei aos mentores dessas transformações se eles tinham vivências em tratar pacientes do Sus. Antecipo a resposta: “Paciente de Sus é bom no papel”.
Dispensável comentar cotas para gente sem méritos. Dez anos de imobilidade é prova inconteste da inépcia governamental. Nada mudou no ensino médio público, a um nível razoável, para competir com as escolas privadas. Se é que foi isso que motivou as cotas.
Submissa, a Ufal (não foi a única) ainda cederia às imposições dos companheiros ao deixar-se incluir no rol das federais para vestibular unificado, que tem o SISU como central de inscrição. A leniência revelar-se-ia particularmente cruel. Guardadas as proporções, não seria exagero afirmar que aluno de Alagoas estudando medicina na Famed é pé de cobra.
Acuada, antipatizada, sem credibilidade, Roussef, diz-se, treme de medo de novas vaias. A esperança é uma indulgência especial do papa Francisco para blindá-la da hipocrisia desses canalhas pequeno-burgueses. Fala-se até em conversão e confissão.
Inflação indócil, drogas e corrupção no meio da canela, desemprego... Cuba balançando... E as pessoas na rua... Com o fiasco da constituinte e do plebiscito, é taboa de salvação criar marola em torno de um tema. Dois anos a mais no curso médico é uma polêmica perfeita.
Se o projeto passar, não há de que se reclamar. É o abismo que vinhas cavando com os pés.