terça-feira, 24 de dezembro de 2013

VIVER É ARRISCAR-SE


 Viver é arriscar-se

Ronald mendonça

Médico e membro da AAL

 

Ignoro se a morte do cantor Reginaldo Rossi repercutirá além-fronteiras , reverberá em terras lusas,ou na Lutécia, capital francesa, neste ultimo recanto, movida pela breguíssima Mon Amour, Meu Bem, La Femme. Rossi  jactava-se de cantar em francês justamente por repetir esse ridículo refrão que levava os fãs ao delírio.

O “Rei” não era o pior cantor do mundo, obviamente. Seu histórico remonta aos tempos da Jovem Guarda, da TV Record. Sempre foi um coadjuvante. Esquentava microfones e plateias para os astros principais brilharem. Marca dessa época, o tom fanhoso de Roberto Carlos grudaria na sua voz.

Depois de longo período de ostracismo, eis que ressurgiu cantando o conspícuo “Garçom”. Estouraria a boca do balão: “Garçom, aqui nessa mesa de bar/ você já cansou de escutar/centenas de casos de amor...”

O tema é surrado.  Mas, o fato é que o sucesso foi de tal ordem que não havia pessoa, entre os brasileiros vivos ou mortos, que não tivesse alguma compaixão  das dores daquele infeliz chorão. O mundo é cruel! Nosso herói acabara de receber uma carta que o tirou de tempo e o jogou na sarjeta, digo, na mesa de um bar qualquer.

Que carta! Deixaria em frangalhos o coração do preterido. Não era para menos: o seu grande amor iria casar com outro, justamente naquele dia. Não obstante, não guardava rancor. Filosofava resignado. Queria mais era afogar  suas tristezas até que o sono o derrubasse. E, pelo amor de Deus, que o deixassem no chão.

Resgatado das cinzas do obscurantismo, cantou à exaustão em todo Brasil. Figura carimbada em comícios, tornou-se um cult. Salões de intelectualóides entrevistavam o redivivo intérprete.  Foi xodó de  existencialistas, comunistóides, musicólogos modernosos, micos-leões dourados e outras espécimes em extinção.

Embora sem repetir o sucesso de Garçom, RR também faria a apologia do bom corno. Aí foram as feministas, os psicólogos avançadinhos, os sexólogos e os tiradores de sarro que investiram. Comentarista em glamurosos programas de TV, ar cínico, cercado de concupiscentes minissaias e umbilicais decotes,  dava lições de tolerância aos chifres. Virou ícone. Um guru sexual. Paixão nacional. Marido ideal.

Inimigos nem tão ocultos conspiravam. Incorrigível tabagismo parecia ser o mais ardiloso de todos. Em meio às badalações, o olhar de especialistas já vislumbrava ectoscopia e padrão respiratório compatíveis com lesões pulmonares irreversíveis. Dali para o vale das sombras foi um pulo.

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