domingo, 10 de novembro de 2013

NOVEMBRO DE 1999


NOVEMBRO DE 1999

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

O ano de 1999 começaria, como sempre, com renovadas esperanças de saúde física  e paz espiritual. Que a família permanecesse unida. Minha mãe já se fora. Que o velho pai – um guerreiro tenaz – embora adoentado,  continuasse na sua jornada. Na visão de filho, muitas vezes, o afeto especial que lhe dedicava me fazia crer (em conflito com a realidade) que ele dobraria a doença.

Meus três filhos, universitários, estavam em etapas diferentes. Era o tempo da espera do Eclesiastes. A companheira, médica, competente e mãe diligente,  também punha em marcha projetos paulatinamente concretizados. Já “com o rosto sulcado pelo arado do tempo”, mantinha-me com certo  vigor para coordenar uma disciplina na universidade,  tocar um ambulatório no MS, fazer consultas e cirurgias. Exibia  sintomas de uma doença incurável: “intelectualismo”.

Nunca tive sobras financeiras, apesar de alguns amigos  julgarem o contrário. Um mais afoito, desafiava-me confessar onde eu “escondia” o dinheiro. Vezes houve em que me senti compelido a apontar o local exato do cofre: justo num monossilábico recôndito da sua anatomia.

Novembro de 1999 começou sombrio. No dia dois, meu pai deixou de tossir. Mudei a rotina dos meus sábados. É que nos últimos anos, regularmente, eu os passei em sua companhia. Não resistia quando ele telefonava: “Rapaz, que horas você chega? Os bifes à milanesa e o  charque ficaram bons. A cerveja está no ponto...” O conteúdo dos nossos bate-papos está sendo  recontado aos meus descendentes e aos que se interessam por conversas entre dois velhos amigos que se queriam bem. Por coincidência, pai e filho.

Fora de Maceió, 13 dias depois, nossas cabeças explodiriam com a notícia das mortes dos meus dois filhos mais velhos: Lavínea e Roninho, ocorridas uma dia antes, na nossa própria casa.  Foram gratuitamente agredidos por um animal travestido de empregado doméstico. Lavínea, acuada pelo marginal, assistiu ao assassinato do irmão, que, mal desperto, tentara se defender. Para a esquerda mais sanguinária foi o “redespertar” da luta de classes, uma vitória do proletário explorado em cima do patrão explorador.

Foram mortes construídas por várias mãos. Por Olímpia, uma ex-patroa e íntima do assassino, uma escroque intrujona que receptava objetos e valores surrupiados da minha casa. Por um militar do glorioso Exército Brasileiro, que forneceu a arma do crime. E pela loja Colt 45, que absurdamente vendeu a caixa de balas que matou meus filhos.

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