NOVEMBRO DE 1999
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
O ano de 1999 começaria, como
sempre, com renovadas esperanças de saúde física e paz espiritual. Que a família permanecesse
unida. Minha mãe já se fora. Que o velho pai – um guerreiro tenaz – embora
adoentado, continuasse na sua jornada.
Na visão de filho, muitas vezes, o afeto especial que lhe dedicava me fazia
crer (em conflito com a realidade) que ele dobraria a doença.
Meus três filhos, universitários,
estavam em etapas diferentes. Era o tempo da espera do Eclesiastes. A
companheira, médica, competente e mãe diligente, também punha em marcha projetos paulatinamente
concretizados. Já “com o rosto sulcado pelo arado do tempo”, mantinha-me com
certo vigor para coordenar uma
disciplina na universidade, tocar um
ambulatório no MS, fazer consultas e cirurgias. Exibia sintomas de uma doença incurável:
“intelectualismo”.
Nunca tive sobras financeiras,
apesar de alguns amigos julgarem o
contrário. Um mais afoito, desafiava-me confessar onde eu “escondia” o
dinheiro. Vezes houve em que me senti compelido a apontar o local exato do
cofre: justo num monossilábico recôndito da sua anatomia.
Novembro de 1999 começou sombrio.
No dia dois, meu pai deixou de tossir. Mudei a rotina dos meus sábados. É que nos
últimos anos, regularmente, eu os passei em sua companhia. Não resistia quando
ele telefonava: “Rapaz, que horas você chega? Os bifes à milanesa e o charque ficaram bons. A cerveja está no
ponto...” O conteúdo dos nossos bate-papos está sendo recontado aos meus descendentes e aos que se
interessam por conversas entre dois velhos amigos que se queriam bem. Por
coincidência, pai e filho.
Fora de Maceió, 13 dias depois, nossas
cabeças explodiriam com a notícia das mortes dos meus dois filhos mais velhos:
Lavínea e Roninho, ocorridas uma dia antes, na nossa própria casa. Foram gratuitamente agredidos por um animal
travestido de empregado doméstico. Lavínea, acuada pelo marginal, assistiu ao
assassinato do irmão, que, mal desperto, tentara se defender. Para a esquerda
mais sanguinária foi o “redespertar” da luta de classes, uma vitória do
proletário explorado em cima do patrão explorador.
Foram mortes construídas por
várias mãos. Por Olímpia, uma ex-patroa e íntima do assassino, uma escroque
intrujona que receptava objetos e valores surrupiados da minha casa. Por um
militar do glorioso Exército Brasileiro, que forneceu a arma do crime. E pela
loja Colt 45, que absurdamente vendeu a caixa de balas que matou meus filhos.
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