sexta-feira, 23 de agosto de 2013

À LUZ DOS FOCOS CIRÚRGICOS



À LUZ DOS FOCOS CIRÚRGICOS

Ronald Mendonça

Médico e Membro da AAL

Tenho dúvidas se  jovens colegas que me acompanham nas jornadas de  salas de cirurgia estão efetivamente interessados no que  descrevo. É que Centro cirúrgico, salas de cirurgia e outros ambientes sinistros para a maioria das pessoas, não são, necessariamente, locais de ininterruptos sofrimentos morais e dores.

Muito ao contrário, são recintos, sobretudo, de esperança. Existem, é claro, momentos  de altíssima voltagem de concentração. Um procedimento cirúrgico não é movido a tensão o tempo todo. Eis algumas histórias:

Na medicina há pelo menos 50 anos, posto que auxiliei meu pai em sua clínica desde os 12-14 anos, sem orgulho ou falsa modéstia,  tive um acesso privilegiado a nuances da profissão, dificilmente vivenciados por outros colegas. É inusitado, por si só, o fato de ter morado num hospital psiquiátrico.

Um feeling  me “persegue”. O de identificar malucos com um olhar. Assassinos, mentirosos e picaretas fiquem tranquilos: não os conheço nem de perto, nem de longe. Embora tenha abraçado outra especialidade, até por dever de gratidão, continuo a prestar serviços no hospital psiquiátrico que o meu saudoso pai fundou e administrou até a última diástole.

Gosto do hospital psiquiátrico, deixo-me cercar sem temores de agressões  por pessoas que se dizem meus pais, meus irmãos e até meus filhos. Alguns se dizem filhos do Lula, namorados abandonados da Dilma e companheiros de guerrilha do Zé Dirceu. Gente com metade da minha idade jura ter participado de luta armada contra a ditadura. Alguns até torturados com oito, nove anos de idade. Há quem tenha jogado com Pelé, com Garrincha... Não foram convocados para a Copa do Mundo porque o Zagalo tinha rixas pessoais.

Semanalmente, não sei até quando, tenho esses encontros. De certa forma, uma visita ao passado. Talvez por isso não tenha perdido o “treino” de conversar com os loucos. De vez em quando ainda encontro pacientes da época em que, estudante, realizei anamneses. Coincidentemente, um penedense que me surpreendeu, anos atrás, com a notícia de que o Rio São Francisco iria secar. Pensei que era delírio...

Há dores indescritíveis. A notícia de uma esquizofrenia num filho é uma quase tragédia, mesmo tendo em conta o arsenal terapêutico de hoje. Nada contudo, nesse terreno, compara-se ao instante em que se constata que o filho que foi criado com tanto carinho, alvo de tantos projetos, está mergulhado no crack.

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