À LUZ DOS FOCOS CIRÚRGICOS
Ronald Mendonça
Médico e Membro da AAL
Tenho dúvidas se jovens colegas que me acompanham nas jornadas
de salas de cirurgia estão efetivamente
interessados no que descrevo. É que
Centro cirúrgico, salas de cirurgia e outros ambientes sinistros para a maioria
das pessoas, não são, necessariamente, locais de ininterruptos sofrimentos
morais e dores.
Muito ao contrário, são recintos,
sobretudo, de esperança. Existem, é claro, momentos de altíssima voltagem de concentração. Um
procedimento cirúrgico não é movido a tensão o tempo todo. Eis algumas histórias:
Na medicina há pelo menos 50
anos, posto que auxiliei meu pai em sua clínica desde os 12-14 anos, sem
orgulho ou falsa modéstia, tive um
acesso privilegiado a nuances da profissão, dificilmente vivenciados por outros
colegas. É inusitado, por si só, o fato de ter morado num hospital
psiquiátrico.
Um feeling me “persegue”. O de identificar malucos com um
olhar. Assassinos, mentirosos e picaretas fiquem tranquilos: não os conheço nem
de perto, nem de longe. Embora tenha abraçado outra especialidade, até por
dever de gratidão, continuo a prestar serviços no hospital psiquiátrico que o
meu saudoso pai fundou e administrou até a última diástole.
Gosto do hospital psiquiátrico,
deixo-me cercar sem temores de agressões por pessoas que se dizem meus pais, meus
irmãos e até meus filhos. Alguns se dizem filhos do Lula, namorados abandonados
da Dilma e companheiros de guerrilha do Zé Dirceu. Gente com metade da minha
idade jura ter participado de luta armada contra a ditadura. Alguns até
torturados com oito, nove anos de idade. Há quem tenha jogado com Pelé, com
Garrincha... Não foram convocados para a Copa do Mundo porque o Zagalo tinha
rixas pessoais.
Semanalmente, não sei até quando,
tenho esses encontros. De certa forma, uma visita ao passado. Talvez por isso
não tenha perdido o “treino” de conversar com os loucos. De vez em quando ainda
encontro pacientes da época em que, estudante, realizei anamneses.
Coincidentemente, um penedense que me surpreendeu, anos atrás, com a notícia de
que o Rio São Francisco iria secar. Pensei que era delírio...
Há dores indescritíveis. A
notícia de uma esquizofrenia num filho é uma quase tragédia, mesmo tendo em
conta o arsenal terapêutico de hoje. Nada contudo, nesse terreno, compara-se ao
instante em que se constata que o filho que foi criado com tanto carinho, alvo
de tantos projetos, está mergulhado no crack.
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