segunda-feira, 28 de abril de 2014

TIM TIM POR TIMTIM ATÉ O FIM

RONALD MENDONÇA 
MÉDICO
MEMBRO DA AAL
 
 
 
Na infância e adolescência, nunca tivemos dinheiro fácil. Na época em que íamos para o colégio de ônibus, Robson e eu recebíamos cinco cruzeiros. Desses, sobrava apenas um cruzeiro. Não havia dinheiro para o lanche. Levávamos no bolso um pão, cujo recheio variava da manteiga com açúcar ao doce batido de banana. Raramente queijo. Não nego que ficava me lambendo quando via as filas na hora do recreio do colégio para comprar sanduíche na lanchonete dirigida pelo Irmão Silvino, tendo como balconista um garoto um pouco mais velho, apelidado de “Cabeleira”.

Não raramente, gastávamos o dinheiro do transporte para comprar um daqueles sanduíches de mortadela, regado a uma Crush, que, ao paladar dos meninos que éramos, tinham o gosto do néctar e da ambrósia. Estarmos lisos em pleno meio-dia na Praça dos Martírios, esperando uma carona, não era um grande problema. Era difícil não passar alguém com destino a Bebedouro. Aguardávamos no início da General Hermes. Nossas esperanças de não voltar a pé para casa, eram sobretudo caminhões vazios

dirigidos por conhecidos do bairro. Na curva, reduziam consideravelmente a

velocidade, permitindo que galgássemos

a carroceria. Ficamos craques: jogávamos nossas bolsas, segurávamos na grade e nos apoiávamos nos pneus (em movimento lento). Logo estávamos sorridentes na carroceria gritando “chame”.

Certa feita, coincidiu de minha mãe presenciar essas manobras e ficou estarrecida com o que viu. Talvez Deus, naquela época, nos protegesse mais.

Havia uma certa decepção materna quando chegávamos com o pão amassado e intacto que ela embalara com carinho. Por que não confessar? Pairava algo de constrangimento nas nossas almas

suburbanas por não termos dinheiro para comprar na cantina. Mastigar aquele pão amassado, preenchido por manteiga e açúcar, queria parecer que nos humilhava um pouco. Talvez por isso compensávamos nossa “tragédia” financeira sendo ótimos alunos.

Durante os primeiros anos de colégio, não havia colher de chá. Nossa mãe nos conduzia a estudar à tarde. A boa memória sempre foi minha aliada. À noite, sabíamos que iríamos enfrentar o doutor Zé Lopes, nem sempre no seu melhor fair play. Com ele, não havia mais ou menos. Ou as lições estavam na ponta da língua, ou nada. Dormir (e dormíamos muito cedo), só depois de repetir “tim-tim por tim-tim, até o fim”.

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