MEMÓRIAS DE BEBEDOURO
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Estávamos em 1953-1954. Chegara,
enfim, a idade de aprender a ler. A alguns metros da nossa casa, uma senhora
mantinha uma escolinha. Entramos os três irmãos mais velhos, Rosinete, o Robson
e eu. A professora dava aulas em casa.
Havia um oratório bonito na sala onde funcionava o curso. Uma peça de madeira
era o genuflexório. Creio que nos momentos de enlevo espiritual nossa mestra
prosternava-se compungida. Durante as aulas, a temida mestra era partidária de
técnicas pedagógicas, digamos, mais ortodoxas, premedievais, se vocês me
entendem. O genuflexório que
testemunhava seus emocionados encontros com Nossa Senhora, recebia uma
cobertura de feijão ou milho, onde os alunos (crianças de 5-8 anos) iam pagar
seus pecados, expiar suas culpas, ajoelhados sobre o milho ou o feijão.
Não me lembro se alguma vez fui
aquinhoado. Meu irmão Robson, com certeza. Um dos mimos que recebi da minha
primeira professora foi ser chamado de “Olho de Pitomba Lambida”. Tenho zero de
trauma disso. Quem não gostou de saber dessas coisas foi o nosso pai.
Retirou-nos da escolinha. Não fora esse regime de terror, até gostava. Jogava
bola nos intervalos. Era o goleiro. Com um pouco mais de cinco anos fiz uma
defesa tão complicada que fui chamado de “Nonda”, referência ao grande goleiro
Epaminondas, conforme aludi anteriormente. “Nonda” duraria mais que o “Olho de
Pitomba Lambida”.
Depois que saímos da escolinha,
passaríamos a estudar em casa. Minha mãe e minha avó, Docinha, tiveram a
incumbência de nos treinar em leituras, cópias, ditados e nas operações
aritméticas. Não demos vexame. Em 1954, aos 6 anos, meu pai nos matriculou no
Diocesano. Lembro dele na sala da diretoria conversando com o Irmão Nestor,
diretor do colégio. Queria um desconto nas mensalidades. Recordo de dois argumentos. Num deles, papai dizia que
era ex-aluno interno do colégio . O outro argumento referia-se ao fato de estar
matriculando dois alunos. Não me recordo se o desconto foi dado. Provavelmente,
sim.
A verdade é que o orçamento doméstico era
apertado. Com o devido respeito, meu pai era um reprodutor impetuoso. Teve onze
filhos, três do gênero masculino. Somente em finais de 1958, treze anos após a
formatura, foi que meu pai adquiriu um Jeep, cuja placa era 53-57. Ainda hoje
encontro pessoas que fazem referência a esse veículo. O que chamava a atenção
era a quantidade de crianças e adolescentes. Minha irmã mais velha ocupava o
banco da frente. Eu e o Robson ficávamos nas “latas” laterais e quatro irmãs
mais novas ficavam apertadas no banco traseiro. A coisa ficaria melhor dois
anos depois, com a aquisição de uma Rural. O velho estava prosperando.
Em 1958 ocorreria uma grande
guinada na vida profissional do meu pai. Surgiu a oportunidade de uma especialização
em Psiquiatria. Conforme aludi, ao morar em Bebedouro, seria contratado para
trabalhar na Casa de Saúde Miguel Couto. Era um hospital psiquiátrico que
ficava a duzentos metros de nossa casa. O frenocômio pertencera ao Dr. Pedro
Bernardes. A denominação primitiva era Santa Juliana (suposta padroeira dos
loucos). Inicialmente, fora arrendada ao psiquiatra Mário Morceff, um migrante
mineiro meio descapitalizado, que terminou adquirindo o imóvel. Consta ter sido
o seu sogro, Dr. Chaves, com seus infindáveis coqueirais nos Morros de
Camaragibe, o poderoso avalista da negociação.
O fato é que aqueles anos de
trabalho e convivência com doentes mentais tinham lhe dado uma respeitável
vivência na área da Psiquiatria. O curso patrocinado pelo Serviço Nacional de
Doenças Mentais encaixava-se como uma luva aos anseios paternos. Havia alguns
obstáculos. Naquele 1958 éramos nove filhos. Minha avó Docinha falecera dois
anos antes e meu tio Breno assumira um emprego no Banco do Nordeste, em Mata
Grande. Uma solução encontrada para ajudar minha mãe a administrar a “rebelde
ninhada” foi apelar para Vovó Moreninha que se transferiu com malas, bagagens e
o marido, o “Velho Góis”, a essa altura fiscal de rendas aposentado. Foram
quase seis meses de ausência. Do Rio, meu pai se esforçava para manter a casa
em ordem através de longas cartas. Escrevia particularmente para cada filho e
nós escrevíamos pelo menos duas cartas por mês. Para minha mãe, eram longas e
apaixonadas que ela as lia solitariamente e não permitia que nenhum filho,
mesmo os mais curiosos, as acessassem. Meu pai tinha um bom texto e, a despeito
da carranca e de proverbial mau humor, sabia ser romântico. Eles se amavam.
Um tio paterno, Ruy Mendonça, que
também, quando solteiro e mais jovem, tinha morado conosco, também dava uma revisada para ver
como as coisas estavam. As preocupações maiores eram justamente em relação aos
três filhos mais velhos, máxime Robson e eu. Nos finais de semana, nosso tio
nos levava para sua casa, no Farol, “para dar uma aliviada em casa”. Ruy
Mendonça tinha excentricidades, sobretudo gastronômicas. Depois de almoçarmos
uma montanha de comida, ele nos convidada à sobremesa. Geralmente bananas. Ele
próprio um glutão sacramentado, impelia-nos a comer algumas bananas anãs.
Preocupava-se com o que o nosso pai iria dizer, ao retornar, se nos encontrasse
esquálidos e famélicos. Decididamente, um excêntrico, aquele nosso tio.
Apesar de toda vigilância,
durante os meses de ausência paterna tivemos mais folga para “maloqueirarmos”
pelo bairro. Começamos a nos entrosar mais nas peladas, nas andanças ao banho
do Né Fragoso, nos jogos de ximbra, peões, e até em alguns jogos de azar
apostando castanhas (compradas). Nossa mãe não era tão cuidadosa com os trocos,
posto deixar algumas moedas dando sopa sobre os armários. Aos sábados,
Bebedouro tinha uma feira muito animada. Com 10-11 anos, minha mãe me
encarregava de comprar farinha e mais algumas pequenas coisas. O macete era
chegar no final da feira, quando os comerciantes baixavam os preços. O que eu
conseguia de abatimento ia para a “caixinha” pessoal.
Na infância e adolescência, nunca
tivemos dinheiro fácil. Na época em que íamos para o colégio de ônibus, Robson
e eu recebíamos, cada um, cinco cruzeiros. Sobrava apenas um cruzeiro.
Levávamos no bolso um pão, cujo recheio variava da manteiga com açúcar ao doce
batido de banana. Raramente queijo. Não nego que ficava me lambendo quando via
as filas na hora do recreio do Colégio para comprar sanduiche na lanchonete
dirigida pelo Irmão Silvino, tendo como balconista um garoto um pouco mais
velho, apelidado de “Cabeleira”.
Não raramente, gastávamos o
dinheiro do transporte para comprar um daqueles sanduiches de mortadela, regado
a uma Crush, que ao paladar dos meninos que éramos, tinham o gosto do néctar e
da ambrosia. Estarmos lisos em pleno meio-dia, na Praça dos Martírios, não era
um grande drama. Era difícil não passar alguém com destino a Bebedouro.
Aguardávamos no início da General Hermes. Nossas esperanças de não voltar a pé
para casa, concentravam-se, sobretudo, nos caminhões vazios, dirigidos por conhecidos do bairro.
Na curva para entrarem na General Hermes, reduziam consideravelmente a
velocidade, permitindo que galgássemos a carroceria. Ficamos craques: jogávamos
nossas bolsas, segurávamos na grade e apoiávamo-nos nos pneus (em movimento
lento). Logo estávamos sorridentes na carroceria gritando: “Chame”.
Certa feita, coincidiu de minha
mãe presenciar essas manobras e ficou estarrecida com o que viu. Talvez Deus
naquela época nos protegesse mais.
Havia um quê de decepção materna
quando chegávamos com o pão amassado e intacto no bolso, que ela embalara com
carinho. Por que não confessar? Pairava algo de constrangimento nas nossas
almas suburbanas por não termos dinheiro para comprar na cantina. Mastigar
aquele pão maltratado, preenchido por manteiga e açúcar, queria parecer que nos
humilhava um pouco. Talvez por isso compensássemos nossa “tragédia” financeira
sendo ótimos alunos.
Com efeito, durante os primeiros anos de
colégio não havia colher de chá. Nossa mãe nos conduzia a estudar à tarde. À
noite, sabíamos que iríamos enfrentar o doutor Zé Lopes, nem sempre no seu
melhor fair play. Com ele não havia mais ou menos. Ou as lições estavam na
ponta da língua, ou nada. Dormir (e dormíamos muito cedo) só depois de repetir
“timtim por timtim, até o fim”. Ainda havia aquelas poesias quilométricas que
nos cabiam decorar para recitá-las nas sessões do grêmio...
Volto agora ao primeiro dia no
Colégio Diocesano. Depois “chororô” paterno, encaminhamo-nos eu, meu irmão
Robson e meu pai até a sala do Irmão Pedro, um “velhinho” que era o mestre de
classe do segundo ano primário. Os conhecimentos de casa foram testados e
aprovados. O casulo estava se abrindo. Não me lembro se já tinha usado calça
comprida. O sapato era especial feito por um sapateiro, sr. ML, um cidadão
prenhe de caretas esquisitas, que
frequentava o consultório do velho. No bico e no salto eram colocadas chapas de metal. Havia a crença de que o
sapato duraria mais...
Um entrevero marcaria o primeiro dia de aula.
O pai resolveu nos apanhar dentro do colégio, na sala de aula. Seguimos então
para a porta principal. Meu pai na frente, o Robson atrás. No meio, eu. De
repente, ao atravessarmos o campo de futebol (com os tradicionais oitizeiros) um
menino me calçou. Do nada. Um provocador. Acho que foi a última vez que ele
cometeu essa gracinha. O Robson agarrou o camarada e em dois segundos o menino
estava no chão e o Robson, já se preparando para aplicar uns corretivos. Toda
aquela malandragem precocemente apreendida da molecoragem bebedourense
eclodiria. Não fora a interferência de papai, que ao virar-se deparou-se com
aquela cena tragicômica, a venta do menino iria sofrer.
Acho que, em 1954, Bebedouro
viveria uma grande transformação com a chegada do Padre Fernando Iório
Rodrigues, substituindo o velho pároco, padre Belarmino. Iório daria uma nova
vida ao bairro. Sua influência foi além dos umbrais da Matriz de Santo Antonio.
As homilias tinham a grife do intelectual diferenciado. Renovaria a participação
dos fiéis nas associações, Congregação Mariana, Filhas de Maria, Cruzada
Eucarística... Um alto-falante reverberava além da Praça. Procissões ocupavam
as ruas nas comemorações sacras. Nessas alegorias destacava-se a figura de Domingão, um agigantado negro enfatiotado,
fita azul ao pescoço, símbolo da piedosa Congregação Mariana. Padre Fernando
não parava de puxar o coro com abaritonada voz. Era também costume ouvirem-se,
a partir da Matriz, hinos de exaltação à pátria e ao Estado nas efemérides oficiais.
Deve-se ao Padre Iório, depois consagrado bispo de Palmeira dos Índios, a
criação do Ginásio Santo Antonio. Modesto, mas de basilar importância.
Os Natais reviveriam o lendário
Bonifácio Silveira. Pastoril animadíssimo marcaria aqueles inesquecíveis
dezembros. Açodado adolescente, investiria parte das minhas parcas economias
chamando “em cena” uma serelepe primeira pastora do azul, para fixar em suas
incipientes protuberâncias mamilares
notas de um cruzeiro, cunhadas com a severa figura do Marques de Tamandaré. Os hormônios já
começavam a impor transformações no
corpo e na alma do ex-seminarista.
Despedia-se o tempo da inocência.
Durante muitos anos o transporte
coletivo de Bebedouro era uma tragédia. Enquanto o Farol e a Pajussara eram
servidos por uma frota de primeira qualidade, nosso bairro era castigado por
refugos. Na época em que não havia calçamento, em diversas ocasiões tivemos que
mudar de ônibus porque o que nós viajávamos atolava no lamaçal por prosaica
falta de força. Muitos coletivos eram munidos de um fragmento de madeira preso
na alavanca da marcha. A função era apoiar no tablado para evitar que “saltasse
de marcha”. Um dos proprietários (havia vários), por conta dos sucessivos
enguiços no seu veículo, ganhara o sugestivo apelido de “Arroela”.
Aos poucos esse item foi
equacionado. Os irmãos Calheiros durante um certo período dominaram esse
segmento e ofereciam mais segurança e conforto. Também coincidiu com a
conclusão do calçamento, velha aspiração, que teve no lendário coronel Lucena
Maranhão, eleito prefeito de Maceió, um grande executor. Tenho a impressão de
que Maranhão faleceu antes da conclusão das obras. A comunidade não esqueceu
seu nome.
Nas folgas, principalmente nas
férias, nossa vida era bater bola. Na época das frutas, em dezembro,
eventualmente, aventurávamos saltar muros de sítios para roubar mangas e cajus.
Subir em árvores não era nosso pendor. As poucas vezes que tentei subir em
coqueiro tive que amargar um belo arranhão na barriga. Vez ou outra chegava
algum estranho na nossa casa reclamando que havíamos invadido seus territórios.
Disposto a arcar com os prejuízos, embora envergonhado, meu pai perguntava se
os filhos dele estavam sozinhos. E se ele (o reclamador) já tinha ido na casa
dos outros pais... O velho não achava
graça nessas traquinagens dos filhos.
A partir de um dado momento não
podíamos mais jogar num largo atrás do mercado. Havia muita reclamação dos
moradores. Vidraças eram quebradas, palavrões impublicáveis eram ditos sem a
menor cerimônia. De repente descobrimos uma clareira bem no coração da “Mata
dos Leões”. O “Sete Lobão” era um
campinho horrível. Irregular, em forma de bacia, tinha um chão áspero, que mesmo para os nossos pés acostumados a
ficar descalços produziam desagradável queimação noturna, pelo desgaste da
planta dos pés. Verdadeira lixa. Mas foram rachas inesquecíveis. Durante muito
tempo joguei de goleiro. Posição ingrata, sobretudo porque a bola era de
borracha. As mãos saíam ardidas. Pior quando a bola pegava em cheio no corpo...
Crescia a olhos vistos. Já
conseguia tocar no travessão. Cheguei a titular do Juventus e até disputei
algumas partidas pela segunda divisão, no campo do Mutange. À medida que as
responsabilidades aumentavam como goleiro, crescia a angústia dos entardeceres.
É que a miopia em um dos olhos criava um grande problema com a queda da
luminosidade. Numa das vezes nosso time foi jogar na Usina Uruba.
Estávamos com uma vantagem
apertada no placar quando o juiz (local) deu uma “patriotada” marcando uma
falta, no mínimo duvidosa, bem perto da grande área, frontal. Já fazia algum
tempo que o sol escondera-se. Via sombras. Fechada a barreira, o sujeito
resolveu chutar em minha direção. Vislumbrei aquela sombra escura
aproximando-se. Só podia ser a bola. Encaixei, mergulhei por sobre a rala grama
e demorei-me deitado por sobre a bola ganhando tempo. Enquanto isso, meus
companheiros cercaram o árbitro exigindo o final da partida. Saí quase
carregado. Seria a última vez que joguei de goleiro. Passei a ser centroavante,
posição que já ocupava no time de baixo (“segundo quadro”).
Estudava de manhã e à tarde
secretariava meu pai na Clínica. Desde 1962 fomos morar na Lilota. Era uma
mansão construída durante a Primeira Guerra Mundial, sobrevivente da “Era de
Ouro” do Bebedouro do Major Bonifácio Silveira. Fora habitada por D. Iaiá Leão.
Com seu falecimento a casa ficara vazia, não obstante bem cuidada por um
prestimoso funcionário, seu Lima. Dois anos antes, houvera uma transformação.
Com a confiança e a formalidade de um diploma de especialista, meu pai
dedicava-se cada vez mais à Psiquiatria. Já não fazia mais partos. Seu canto de
cisne como parteiro foi em casa, partejando a filha caçula, Maria de Fátima.
Durante anos a fio, sempre que tinha oportunidade, descreveria as dificuldades
desse nascimento. Nomeava a apresentação do concepto e as manobras obstétricas
que tivera que realizar para o êxito do procedimento. Mãe e filhas salvas e
sadias. Uma coisa que me emociona até hoje.
Como dizia, em 1960, meu pai
instalou uma pequena clínica psiquiátrica na Av Major Cícero de G. Monteiro
2079, no Mutange. Sua fama de bom psiquiatra e zeloso dono de hospital cresceu
rapidamente. Em pouco tempo a Clínica chegaria ao limite de sua capacidade:
quarenta pacientes. Urgia mudar-se. Foi quando surgiu a opção de compra da
Lilota. A bem da verdade, um sonho quase impossível. Papai prestava
serviços a graduados funcionários da Usina Leão, o que facilitaria a
negociação.
Aos poucos, Bebedouro ia ficando
para trás. Deixaríamos de frequentar o Clube 29 de Junho, com seus animados
bailes de Carnaval, com suas quadrilhas puxadas pelo polivalente Né Fragoso,
onde as primeiras paqueras desenharam-se. Nem só de 29 de Junho vivia
Bebedouro. Incursionávamos pela Chã e o Flechal. Não conseguia me aproximar de
nenhuma garota. Com imerecida fama de rico (e de garanhão) era mal visto pelos
pais das mocinhas, que recomendavam manter distância desse “perigoso playboy”.
A partir de determinado momento
passamos a frequentar as festas de Carnaval da Fênix e do Iate. Era outro
departamento. Dos discos de Claudeonor Germano no 29 de junho, passamos a ter o
cantor ao vivo, sob a frenética musicalidade da orquestra Marajoara do Recife.
No Iate, eram os famosos Fausto e Passinha.
Show de bola. Não obstante, continuava um bicho do mato, arredio, desconfiado.
Sem convivência com as meninas, também tive dificuldades na hora das danças e
das paqueras. Ficava mais à vontade nos cabarés de Jaraguá. Cheio de moral
pelos serviços prestados, o velho, depois de muitas cantadas, deixava que eu
dirigisse sua Rural. Havia uma rota: Bar do Chopp, onde encontrava colegas do
colégio, regado a Ron Montilla, e lá pras onze horas o puteiro de Jaraguá.
Confesso que nem sempre transava. Começava a ter o critério de seleção. Até
pelo fato de não exagerar na bebida. Ou seja, as mulheres feias e sem graça
continuavam feias e sem graça.
Ao começar a estudar medicina,
divorciei-me quase completamente do meu querido bairro. Lá voltei poucas vezes,
apenas para matar saudades num racha tradicional de Ano Novo, nas dependências
do balneário do seu Né Fragoso. Registro, com tristeza, que seu famoso banho
acabou. A límpida água deixou de escorrer. Há quem diga que o desmatamento à
montante decretou o fechamento dos delicados mananciais que alimentavam a
“piscina do velho Né”.
A separação não quis significar
abandono. Sirvo meu bairro, meus amigos de infância e seus familiares como
médico. Tenho nos ombros e na alma responsabilidades intransferíveis. Tento mimetizar
(sem o seu carisma) os trabalhos comunitários que meu velho pai fazia
voluntariamente. Esforço-me por retribuir, com os limites dos meus
conhecimentos, os inolvidáveis momentos vividos naquele recanto, que me viu
nascer e crescer.
Maceió, 25 de abril de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário