quinta-feira, 23 de maio de 2019

VIVOS MENTIROSOS, MORTOS ELOQUENTES


Vivos mentirosos, mortos eloquentes
 RONALD MENDONÇA
 MÉDICO E PROFESSOR DA UFAL

     Não sei se devemos dar razão a Anatole France que, sarcástico, costumava repetir que a humanidade se dividia em duas metades nem sempre bem distintas: a primeira, mentirosa e a segunda, preguiçosa. “Palco das grandes decisões nacionais”, Brasília, se encaixaria como uma luva ao comentário de France, por ser sobretudo a ribalta ideal para enredos surpreendentes e canastrões de todas as ideologias e cores.
     Esta semana foi a vez do show de Geraldinho do Acre, ex-jóia moral do senado, pego com a mão na botija dando uma tunga no salário de servidores do seu gabinete. O esquema, que não chega a ser uma novidade entre os políticos, é conhecido nos corredores como “rebate”. Especialistas garantem que essa seria uma prática contumaz (tanto quanto o caixa 2 dos partidos). Geraldinho teria dado azar porque a extorsão foi gravada e publicada.
     Desfiliando-se do nascente P-SOL, agremiação que pretende ser a inventora e paladino da ética e da moral na política, a fala do traquino Geraldinho arrancaria pungentes lágrimas dos partidários do nobre representante do generoso povo do estado nortista.   Deve ser muito amargo para o P-SOL, tão jovem e já carimbado.
     Efetivamente a glória tem se mantido distante do parlamento brasileiro. Eduardo Azeredo, senador por Minas Gerais e presidente nacional do PSDB, foi outro que, jurando inocência como seu colega do Acre, subiu à tribuna para renunciar à presidência do seu partido. É que as evidências das ligações incestuosas com Valério (o avalista do PT) & Cia foram muito além das suas veementes juras.
     Mas nem só de promessas e juras mentirosas vive o fantástico mundo político. Purificados de todos os pecados, de repente os mortos também ressurgem das suas tumbas; parecem romper o silêncio sepulcral; denunciam e conspiram. Celso Daniel que o diga. Esta semana o comunista Vladimir Herzog voltou a ser exumado, relembrando os horrores da ditadura militar. Jornalista, eleito pela intelectualidade como um dos mártires da resistência, Vlado, como é tratado pelos seus admiradores, foi alvo de comovente reverência.
     Inexplicavelmente igual homenagem não teve o operário alagoano Manoel Fiel Filho, morto nas mesmas dependências da repressão na Rua Tutóia, praticamente em circunstâncias semelhantes às do “suicídio” de Vlado. Deve ter sido por esquecimento.  Seria o fim da picada admitir que a “inteligência paulista” guardaria preconceitos burgueses e bairristas contra o inculto militante nordestino.



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