quarta-feira, 8 de maio de 2019

TEXTO MEMORIAL DE MEU PAI, JOSÉ LOPES DE MENDONÇA, DE 1991

TEXTO MEMORIALISTA DE JOSÉ LOPES DE MENDONÇA.
SERÁ ESCRITO EM 1991, LOGO APÓS O CONFISCO PROMOVIDO PELO ENTÃO PRESIDENTE, FERNANDO COLLOR DE MELLO.
TRANSCREVO:
“No limiar dos meus 70 (setenta) anos de idade e aos 45 anos de profissão médica, tive meus bens em espécie monetária congelados, por isso convém esclarecer as suas origens. As minhas economias, que foram congeladas de acordo com o plano econômico do  modelo “Brasil Novo”, não representam um montante de especulação, mas um pequeno patrimônio construído através de lutas e trabalho incessantes iniciados no ano de 1946.
 Formado em Medicina pela Universidade de Medicina do Recife (porque no estado de Alagoas, na época, não havia nem o curso complementar pré-médico, que equivale ao 2º grau atual, calculem pensar em curso universitário!). Assim, fiquei no Recife, de 1938 a 1945, primeiro cursando o pré-médico (1938-1939 e o curso médico de 1940-1945). Nesse período, tornei-me reservista de 2ª categoria, servindo no Tiro de Guerra, 333, sediado em Olinda.
Durante o curso médico, fui convocado para serviço ativo e com vistas a ser enviado à FEB, para os campos de batalha na Itália. Nesse ano, sofri a maior perda da minha vida, a morte de meu pai, aos 50 anos de idade que, profundamente emocionado com a minha convocação para o serviço ativo do Exército e prevendo a interrupção dos meus estudos médicos, foi acometido de crise hipertensiva com edema agudo do pulmão, falecendo em poucos instantes, na presença de equipe médica do Pronto Socorro de Maceió. Ainda permaneci na 7ª Formação Sanitária Nacional, acantonada em Monteiro, bairro do Recife, durante 07 (sete) meses, quando fui desincorporado por requerimento de minha mãe, justificando a qualidade do filho mais velho e,  consequentemente, arrimo de família.
Muita luta, muito sacrifício para concluir os três últimos anos do curso médico - 4°,5º e 6° anos. Só a determinação de obter a formação de médico fez superar a indiscutível crise. Amigos e parentes aconselhavam-me a suspender o curso e candidatar-me em concursos de bancos. Evidentemente fui obrigado a trabalhar concomitantemente com os estudos de medicina. Trabalhei em laboratórios farmacêuticos, como propagandista e vendedor, para obter o necessário à subsistência e ajuda à minha mãe e os três irmãos menores. Fiz cursos e estágios que me garantiram a formação de generalista: fui acadêmico-interno de hospitais e por fim, realizei cursos de especialização em Psiquiatria e Medicina e também, em época distinta, em Higiene do Trabalho.
Ainda com 12 (doze) anos de formado não possuía casa própria nem carro. Mas, acima de tudo, estava na minha determinação a lembrança da figura do meu pai, que perdeu todos os bens, na crise do açúcar bruto, de 1930 em diante. Portanto, não gastava tudo o que ganhava e sempre fazia pequenas economias do que restava dos empregos e do exercício liberal da profissão.
Dessa forma, pude, em 1960, alugar uma casa nova de dois pavimentos e instalar uma pequena cínica psiquiátrica, com consultório. Dois anos depois, em 1962, com o mesmo sistema de economias, adquiri uma casa maior que me foi oferecida pelos tradicionais  industriais do
Estado, Leão Irmãos, que me cederam um belo imóvel provido de um pomar, com prestações mensais, em 5 (cinco) anos. Assim, ampliei a minha Clínica. O processo inflacionário, já em curso, favoreceu, ilusoriamente, o pagamento da minha dívida, conseguindo saldá-la no tempo acertado.
Passei a ampliar a Clínica, atendendo os pacientes da Capital e do Interior, e a minha família constituída de 10 (dez) filhos, com a minha esposa, compunham a equipe que proporcionou o nosso crescimento. As nossas economias  foram utilizadas na ampliação da Clínica, na compra de materiais, eletrodomésticos, técnicos etc. Também permitiram que se fizesse aplicação em Over e em Poupança, sistemas financeiros criados pelo governo e estimulados pelo próprio governo. Mas, apesar das aplicações, nunca ficamos em berço esplêndido, aguardando somente o recebimento dos enganosos lucros do sistema financeiro da época.
Continuamos trabalhando na Medicina e proporcionando o bem-estar de inúmeros alagoanos e de outros pacientes de longínquas plagas; porque a nossa Clínica, ao visar o bem-estar dos pacientes, tem obtido a preferência da clientela e o nosso nome tem se projetado em todo o País.”

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