MITOS E VERMES
RONALD MENDONÇA
MÉDICO. MEMBRO DA AAL
Diferentemente dos americanos
que, de quando em vez, têm um presidente
assassinado, a maior tragédia que os
brasileiros sentiram na carne foi o suicídio do presidente Getúlio Dornelles
Vargas, em 24 de agosto de 1954. Na verdade, nós temos PhD na convivência com
presidentes amorais.
Guardo algumas incertas lembranças. Era uma
manhã chuvosa. Meu irmão Robson e eu
pegamos o ônibus, quase na porta da nossa casa, em Bebedouro, onde residíamos.
Ao chegarmos no Colégio Diocesano tomamos conhecimento do fato. Não tínhamos
ligações com a política.
Meu pai não era getulista. Ele detestava ditaduras
e as arbitrariedades delas decorrentes. (Aprendi com ele muito do que hoje é o
meu modo de pensar.) Por isso, conhecia muito mais a figura do Getúlio pelas
fotografias nos estabelecimentos comerciais do bairro. Ouvira, algumas vezes,
algum discurso seu (talvez pela “Voz do Brasil”), facilmente identificável pelo
jargão “Trabalhadores do Brasil...
Com o tempo, o suicídio de
Getúlio passaria a ser focado do ponto de vista psiquiátrico e humano. Com
efeito, o organicista Zé Lopes pensava considerar o inopinado e brutal epílogo como algo quase esperado numa
biotipologia pícnica. A morte com direito a “carta-testamento” quase o beatificara.
Sem o refinamento kretshmeriano
do meu saudoso pai, detenho-me nos historiadores idôneos. Para estes, os
discursos do parlamentar Afonso Arinos de Mello Franco foram muito mais (ou tão
quanto) demolidores que os artigos do ex-comunista Carlos Lacerda. Aliás, Mello
Franco ficaria tão traumatizado com o suicídio do seu adversário que ordenou
retirar, dos arquivos do Congresso, seu último explosivo discurso, proferido um
dia antes da tragédia.
É risível quando alguém quer emparelhar
a moral de um Getúlio Vargas, a de uma
Dilma Rousseff ou de um Luiz Inácio. Tento imaginar Vargas recebendo notícia
dos desfalques na Petrobrás. O fato é
que o tumulto político que precedeu o dramático desfecho teria sido de
dolorosas descobertas para o velho caudilho. Num dado momento, coberto de
vergonha (GV tinha vergonha na cara), confirma as tramoias do próprio filho e
dos que o cercavam.
Testemunhas relataram seus
silenciosos prantos nas janelas do Catete. O mito desabara. Acabrunhado, o
emérito frasista, contudo, ainda resistia. Pobre Vargas. Cunharia estar cercado por um
“Mar de Lama”. Sabia como livrar-se dos inimigos. Não estava nos seus planos
voltar de São Borja para conviver com tantos vermes a seu redor.
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