DISCURSO DE HOMENAGEM A JOSÉ MEDEIROS, EX PRESIDENTE DA SOBRAMES ALAGOAS
QUERO CUMPRIMENTAR A NOVA MESA DIRETORA DA SOBRAMES ELEITA NA NOSSA
ÚLTIMA SESSÃO NA FIGURA DO DOUTOR GERALDO VERGETTI.
TODOS NÓS SABEMOS COMO É DIFÍCIL OCUPAR O LUGAR DE UM HOMEM TÃO DINÂMICO,
COMO O JOSÉ MEDEIROS, QUE ELEVOU A NOSSA SOBRAMES À CONDIÇÃO DA MAIS ATIVA
ASSOCIAÇÃO CULTURAL DO ESTADO, QUIÇA DO NORDESTE.
ESTOU MUITO HONRADO, GERALDO VERGETTI, POR TER SIDO O ESCOLHIDO, ENTRE
TANTOS MAIS AQUINHODAS INTELECTUALMENTE,
PARA PRESTAR ESSE HOMENAGEM. SINTO NA ALMA E NO CORPO A RESPONSABILIDADE
DE HOMENAGEAR UMA PERONALIDADE DE UMA HISTÓRIA TÃO RICA, TÃO MULTIFACETADA.
COM EFEITO, DEVO FALAR DO MÉDICO HUMANITÁRIO QUE DURANTE ANOS PELEJOU NA
TISIOLOGIA, DOENÇA CARREGADA DE ESTIGMAS
PROFUNDOS. A PROPÓSITO, DISSE-ME
ELE, ALGUMAS VEZES, QUE AS DIFICULDADES FINANCEIRAS IMPELIRAM-NO, AINDA
ESTUDANTE DE MEDICINA, A ACEITAR SER INTERNO DO SANATÓRIO, NOSOCÔMIO QUE AINDA
HOJE, ERRONAMENTE, É VISTO COMO HOSPITAL DE TUBERCULOSOSOS.
TODOS VOCÊS LEMBRAM O QUE ERA SER TUBERCULOSO ANTES DA ESTREPTOMICINA E
DO P.A.S. ERA UM TRATAMENTO QUE ENVOLVIA TODA A FAMÍLIA. TRATAMENTO LONGO.
FAZIA-SE UMA FILA PARA APANHAR OS MEDICAMENTOS, O QUE EXPUNHA AINDA MAIS O
INFELIZ PORTADOR. HAVIA UMA CERTA VERGONHA
QUANDO SE QUERIA DIZER QUE UM MEMBRO DA FAMÍLIA ERA TUBERCULOSO “A TÍSICA”,
PARECIA AMENIZAR, DAR UM SENTIDO EUFEMÍSTICO À DOENÇA. TUBERCULOSE E LEPRA ERAM
DOENÇAS TEMIDAS. NÃO SABERIA COLOCAR NUMA BALANÇA SE A SÍFILIS TAMBÉM CARREGAVA
ESTIGMAS TÃO PROFUNDOS.
O FATO É QUE O DESTINO O LEVARIA A INTERESSAR-SE PELA TISIOLOGIA,
ENFRENTANDO AS MARCAS FÍSICAS E PSICOLÓGICAS DA DOENÇA. REVELARIA DESDE CEDO
UMA INTRÍNSECA CORAGEM PESSOAL, POSTO
QUE VÁRIOS ESTUDANTES DE SUA ÉPOCA TINHAM VERDADEIRA FOBIA DE TUBERCULOSO.
GRAÇAS AO BOM DEUS, QUANDO O NOSSO MEDEIROS COMEÇOU NA ESPECIALIDADE A MEDICINA
COMEÇAVA A CANTAR VITÓRIAS SOBRE A TUBERCULOSE..
ALUNO DESTACADO, JOSÉ MEDEIROS FOI O ORADOR DE SUA
TURMA, A SEGUNDA A SER FORMADA PELA NOVEL FACULDADE DE MEDICINA DE ALAGOAS. ERA
O DOM DA ORATÓRIA, NATO, GENÉTICO. COLEGAS
DO SEU TEMPO DIZIAM QUE ELE NÃO PODIA VER UM MICROFONE QUE JÁ COMEÇAVA A
FALAR...
TRAGO UM TEXTO ESCRITO PELO MEDEIROS
QUE REVELA E SINTETIZA BOA PARTE DO QUE EU NÃO CONSEGUIRIA DIZER:
“Nasci numa fazenda, no município de Traipu, que era um
santuário ecológico. Ao amanhecer, acordava ouvindo verdadeira orquestra de
pássaros canoros. Mesmo no verão o sol não chegava a cauterizar toda a
vegetação, na qual se escondiam teiús, perdizes e codornas.
O que era Traipu? Uma cidade à moda antiga, de ruas
estreitas calçadas com pedra rachão, ou mantidas em terra batida e poeirenta;
casas de biqueira, janelas de madeira maciça, sem venezianas. Nas ruelas
secundárias predominavam residências de taipa, nem sempre rebocadas. Os nomes
das ruas de outrora eram bem diferentes das atuais: Rua das Flores, Rua da
Igreja, Rua Grande, Rua do Papouco. Os nomes dos amigos de infância guardavam
sempre relação de origem com seus pais: Mitinho do Américo, Luizinho da Santinha,
Zequito da Luizinha, Aurinha da dona Carminho. São retratos sem retoques e
recordações de uma cidade do interior, de vida pacata e mansa, porém imagens
bem vivas em minha memória.
Nas noites de lua cheia, coincidência ou não, o motor
elétrico sofria defeito. A cidade ficava às escuras, e as famílias sentadas nas
calçadas, colocavam em dia as modestas novidades e acontecimentos locais.
Dentro da casa, os lampiões de querosene, os candeeiros e velas, garantiam as
arrumações na hora de deitar.
A poucos metros dali, o rio São Francisco deslizava
mansamente, voluptuosamente, e uns poucos afoitos arriscavam tomar banho à
noite. Predominava o medo de piranhas (peixes vorazes) alicerçado nas muitas
histórias de pessoas desaparecidas, nunca mais encontradas.
A cidade de Traipu, nos idos de 1940, foi testemunha
de minha infância alegre e feliz. Durante o dia, após as obrigações da escola,
braçadas no rio, em disputa de distâncias a serem alcançadas. Emolduravam esse
cenário canoas com velas infladas, traquetes coloridos, canoas de tolda assim
eram conhecidas. Para quem viajava nesses transportes fluviais a alimentação
era especial, uma feijoada de tão bom
paladar que celebrizou a expressão ribeirinha: "tão gostosa quanto feijoada
de popa de canoa".
Esse quadro não estaria completo se não fosse citado o
novenário da festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora do Ó, durante o qual
transbordava religiosidade, animado por foguetórios, zabumbas, dobrados
musicais e leilões.
Neste verão, lembrei-me de um episódio ocorrido em
minha adolescência. Morávamos (eu e meu irmão Rui Medeiros) na fazenda Mata
Verde, a margem do Rio São Francisco. Além de futebol, nossos esportes
favoritos eram a pesca – como eram fartos os peixes e pitus àquela época! – e a
natação à distância, sempre tentando superar limites anteriormente
conquistados. Éramos adolescentes, vivíamos uma crise paranóica de
auto-suficiência, cada um querendo ser dono do próprio nariz, sem medo de
enfrentar riscos e obstáculos. A cidade mais próxima ficava a uma légua de
distância (6 km) de onde nos encontrávamos, e o percurso era feito em canoas.
Julgávamos conhecer os segredos do rio e tínhamos confiança em sermos exímios
canoeiros. Certa tarde, comuniquei à minha mãe que íamos à cidade fazer
compras, pilotando uma canoa à vela. Um “Não” foi a resposta; um “Não” redondo
e definitivo. Explicou, que em algumas horas cairia uma trovoada; o céu já se
tomava de uma coloração azul-chumbo e o rio ficaria perigoso durante a
chuvarada. Tentamos convencê-la, em nada resultavam os argumentos.
Desobedecemos, rumamos à cidade. Na
volta – e já estávamos no meio do rio – desabou uma chuva torrencial, seguida
de ventos fortes, que mais pareciam um furacão; os raios e trovões se sucediam.
A vela foi arrancada violentamente, inteiramente destroçada. Desesperados,
remamos com todas as nossas forças para alcançar a margem do rio. Entretanto,
isso já parecia impossível. De repente, julguei ouvir a voz de minha mãe que me
orientava: “Filho, tenha calma, deixe a canoa ser arrastada pela correnteza; é
o melhor que você pode fazer”. Parei o que estava fazendo e segui o conselho
recebido. O barco foi levado pela corrente impetuosa e depois jogado em terra
firme, em local bem distante.
O pensamento positivo e a energia da
preocupação de minha mãe haviam transmitido uma mensagem à minha mente. Uma
mensagem telepática.
No dia seguinte (ela ainda estava uma
“arara”) contou-nos que, no momento da trovoada, ajoelhou-se e pediu a Deus que
orientasse seus filhos. Como penitência, acompanharia a “via-sacra”, de
joelhos, nas semanas santas dos anos seguintes na cidade de Traipu.
Na minha infância tinha a curiosidade
de conhecer a fazenda de meus avós, chamada de "Saco dos Medeiros",
situada à margem do Rio São Francisco, 10 km rio acima do local que nasci. Durante
um verão inesquecível, a bordo de um barco à vela, viajei até lá. Quedei-me
mudo de emoção diante de uma casa grande no alto de um penhasco, de onde se
divisa as curvas do trajeto do rio. Entro na sala: quanta emoção nas
lembranças e reminiscências familiares. Ali, reside um pouco da história de meus
antepassados. Minha avó teve 16 filhos; não sei se reclamava da extensão dessa
tarefa. Ela era doce e meiga. O amor era a vitamina para todos os males do
corpo e da alma. Renovava energias no contínuo trabalhar.
Brincadeiras infantis na fazenda: “Boca de forno,
forno!” “Tirando bolo, bolo!” “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...” “O
cravo brincou com a rosa, a rosa...” Eram cantigas entoadas nas brincadeiras
infantis preferidas pelas meninas, ao anoitecer. A bola que os garotos jogavam
interrompia as brincadeiras femininas, acredito que por ciúme de terem sido
isolados dos folguedos. O rio corria lá em baixo, no barranco, uma imensa
caudal de águas claras e de fortes correntezas.
Se a tristeza do entardecer emergia
mística, de imediato palavras-mágicas eletrizavam a garotada com o anúncio:
“Venham, a sopa vai esfriar!” E eles, por graça, repetiam: “Café com pão,
bolacha não!”.
São inesquecíveis imagens que povoaram minha infância
nos idos da década de 1940. O rio, ainda intocado, guardava as características
da época do descobrimento. Não havia hidrelétricas, nem represas. Durante as
enchentes anuais, as águas se expandiam por quilômetros e quilômetros além das
margens, e, nesses alagadiços, plantava-se o arroz que garantia a subsistência
de muitas famílias. E aí, veio a primeira grande agressão. As hidrelétricas de
Sobradinho, Xingó e Itaparica absorveram parte das águas do rio. Era o
progresso, levando iluminação a cidades e vilas, energia necessária ao consumo
e à modernização industrial. Quem arriscaria insurgir-se contra o progresso?
Entretanto, a partir daí, o rio minguou em largura e volume de água. Em algumas
partes virou riacho. Nessa época, a melhor alternativa de locomoção dos ribeirinhos
do baixo São Francisco era o transporte fluvial. O rio era o caminho natural;
as poucas estradas existentes eram quase veredas.
Traipu e Penedo marcaram minha
formação e delas guardo recordações que me sensibilizam. Repito sempre de
memória: O tempo não para, para onde eu vou, ele me segue, traçando meu
destino, fascinante, imprevisível.
Nessa época, não havia escola secundária em Traipu, e
os adolescentes emigravam para a cidade de Penedo. "Quem desce de barco o
rio São Francisco, a poucos quilômetros de sua foz, tem a agradável surpresa de
avistar, sobre enorme penhasco, uma fileira de casas coloniais de variadas
cores, realçando sobre as águas verdes-amareladas do rio. É a cidade de Penedo,
uma das mais antigas do Brasil, fundada por Duarte Coelho Pereira, que lhe deu
esse nome, devido à sua situação geográfica. Perto do cais, destaca-se sobre o
casario antigo a bonita igreja de Nossa Senhora da Corrente, preciosa jóia da
arquitetura setecentista, com suas torres arredondadas e seu frontão barroco".
Faço minhas essas palavras da amiga Nilza Megale,
porque assim vi Penedo nos idos da minha infância. Ali, aportei no navio
Comendador Peixoto, uma embarcação a motor de médio calado, que realizava
semanalmente o trajeto fluvial entre Penedo e Piranhas. Vim para Penedo a fim
de fazer o curso ginasial. As estradas para Maceió eram precárias. Assim, o rio
era o grande caminho, a via móvel dos ribeirinhos que buscavam complementos de
instrução na cidade de Penedo, conhecida como "capital civilizatória do baixo
São Francisco".
Já estávamos instalados nessa cidade, quando recebemos
a visita de parentes há muito tempo residentes no Rio de Janeiro. Fui incumbido
de passear de canoa com um jovenzinho carioca, recém-chegado. Ao voltar todos
queriam saber se ele havia gostado da pequena viagem. A resposta foi breve e
clara: "gostei, mas estranhei os marinheiros (canoeiros) sem farda,
descalços, sem boné...".
Em um lar cristão tradicional, na cidade de
Penedo, onde fiz os estudos do antigo 1° grau, as quintas e sextas-feiras
da Semana Santa eram motivo
de respeito conforme os ensinamentos religiosos.
Numa quinta-feira da Semana Santa, já não
recordo o ano, fui sorteado, entre os ginasianos, para participar da cerimônia
católica do "lava-pés", em que o Bispo lavava os pés de 12 crianças
que representavam os apóstolos de Cristo. Esse sorteio provocou estranha
agitação em nossa casa. Minha mãe, ciosa dos princípios higiênicos, achou que
meus pés de jogador de futebol de rua eram sujos, maltratados e não estavam condizentes
com esse ato religioso. Coitado de mim. Uma semana de suplício por conta:
suspensão dos jogos de rua e, diariamente, obrigado a lavar os pés várias vezes
com pedra-sabão; eles quase viraram espelho.
No grande dia, na igreja, calor sufocante,
metido em uma veste talar, aguardei o início da cerimônia. O bispo aproximou os
lábios de meus pés. Um arrepio percorreu meu corpo; a herança religiosa falava
mais alto.
“Quando partimos no vigor dos anos, / Da vida pela
estrada florescente,/As esperanças vão conosco à frente, / Vão ficando atrás os
desenganos!.../ Eu e o Rui, meu irmão, recitávamos esses versos do Padre
Antonio Thomaz, em nossa adolescência e juventude. Esperanças e bom astral eram
a tônica de nossos entusiasmos juvenis. Se a juventude não é apenas uma fase de
vida, e sim, um estado de espírito tangido pelo sabor da aventura e da vontade
de vencer, nós estávamos certos quando cultivávamos expectativas positivas de
futuro.
Minha
mãe contava uma história poética que tem sido transmitida de geração a geração,
cujo título é “Doação”. Não se conhecem o autor, a origem e o ano em que foi
publicada. Faz parte da crônica oral das famílias, contou-me minha mãe.
Decorei-a, e anos mais tarde, ensinei-a às minhas filhas, mantendo a tradição É
uma historieta cheia de simbolismo, emoção e sentimento. Vamos conhecê-la.
“Amigo, faze o bem, esse prazer compensa a maior
recompensa. Aqueles frutos saborosos que o teu vizinho colhe, às vezes, a
cantar, custaram, com certeza, o trabalho de alguém que já sabia que nunca em
sua vida os colheria, mas nem por isso deixou de plantar”. Minha mãe repetia
que essa historieta deveria servir de modelo em nossa vida.
Recentemente, voltei à cidade de Penedo. Cada vez que
volto a Penedo repito um roteiro de sentimento e de recordações, ao visitar
ruas, praças, igrejas e locais que povoaram minha infância e adolescência. São
muitas lembranças guardadas com carinho nas gavetas de minha memória. Na rua do
Rosário, continua intocada a residência do Monsenhor José Medeiros, Monsenhor
Medeiros como era conhecido, um sacerdote dedicado às letras, ao ensino e à
religião. Dele herdei o nome de batismo e o estímulo à leitura dos clássicos da
literatura brasileira. Foi exigente comigo e com meu irmão Rui Medeiros: era
obrigatória a leitura e compreensão de textos, que posteriormente deveriam ser
repetidos para ele. Muito aproveitamos com esse método que ele utilizava.
Meu tio, o Monsenhor Medeiros, que sabia de meu
interesse em realizar o curso de Medicina, dizia que medicina é, antes de tudo,
a ciência do homem. Para ser um bom médico, seria necessário compreender a
natureza humana, abeberando-se na cultura geral e nos conhecimentos
humanísticos.
Acrescentava: “Não existe medicina
sem cultura e sem filosofia”. De filosofia, nem imaginava o que seria; de
cultura, supunha livros e mais livros e a estante da residência do Monsenhor
Medeiros (tio do professor Medeiros Neto e meu tio) constituíam um desafio.
Aprendi a amar os livros. A biblioteca de Penedo era o refúgio dos fins de
tarde. E meu primeiro encontro foi com Monteiro Lobato: “Narizinho arrebitado”,
“O Saci Pererê”, “Caçada de Pedrinho” e Emília, Dona Benta e Tia Anastácia,
entes que povoaram minha imaginação.
Mas, devorador de livros, percorri –
na biblioteca – obras valiosas: de Érico Veríssimo a Jorge Amado, de Machado de
Assis a Eça de Queiroz, e tantos, tantos outros, desfilaram nos anos de minha
permanência em Penedo.
Hoje, minha maior lembrança é o Rio
São Francisco: canoas que dependiam do vento; minha linha e meu anzol que fisgavam
peixes pequenos e grandes; o plantio do milho em 19 de março, dia de São José
(chovia nesse dia); as festas coloridas de Bom Jesus dos Navegantes.
Se recordar é reviver, eu vivo as
alegrias dessas lembranças.
“Cultura é a representação de todas as vertentes humanas; ou cultura
erudita ou cultura popular deve sempre ser levada ao povo como uma forma de
compreensão, de educação. Eu costumo sempre dizer: “educação é um dote que não
se gasta, um direito que não se perde e uma liberdade que não se limita”. [...]
ELE GOSTAVA
MUITO DESSES VERSOS DO PADRE ANTONIO TOMAZ:
CONTRASTE
Pe. Antonio
Tomaz
Quando
partimos, no vigor dos anos,
Da vida pela
estrada florescente,
As
esperanças vão conosco à frente,
E vão
ficando atrás os desenganos.
Rindo e
cantando, céleres e ufanos,
Vamos
marchando, descuidosamente...
Eis que
chega a velhice de repente,
Desfazendo
as ilusões, matando enganos.
Então, nos
enxergamos claramente
Quanto a
existência é rápida e fugaz,
E vemos que
sucede exatamente
O contrário
dos tempos de rapaz:
— Os
desenganos vão conosco a frente,
E as
esperanças vão ficando atrás!
AÍ ELE
CONTINUAVA NESSAS NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS:
“Então eu
luto para que esses desenganos não tomem conta de mim de maneira nenhuma. Eu
mantenho a esperança como a chama que eu cultivo diariamente, com fé inabalável
em Deus e a certeza de que a gente vive tanto quanto é possível, mas o problema
não é viver muito, é viver bem; é ter qualidade de vida/ é saber se cuidar
adequadamente; é fazer com que o nosso corpo e a nossa mente permaneçam o
número de anos que for possível ao serviço da humanidade, das pessoas, porque
sendo médico foi isso que eu fiz, é isso que eu faço e é isso que eu espero...
farei sempre, se não mais na clínica, que foi de 40 anos, mas através da
crônica. Durante 16 anos eu mantenho a crônica na Gazeta de Alagoas e aí eu
prego tudo isso que eu aprendi. Eu conto tudo isso que vivi ao longo do tempo,
porque diz-se que médico para escrever não precisa de mais nada, digamos assim,
basta contar os “causos” que ele viu durante a vida, e são tantos “causos”, que
,usando a palavra popular que aconteceram, que a gente vai gradualmente
fazendo, digamos assim, a continuidade disso. Muita gente pergunta: “Zé
Medeiros, porque é que você não escreve suas memórias?” Eu digo: “porque quem
escreveu 16 anos, toda semana, já contou boa parte de sua vida. Então, tenho
pouco a contar.” Principalmente, porque quando deputado estadual, é onde eu vi
coisas mais curiosas [...] eu vi casos que eu não posso contar porque as
pessoas ainda vivem. Então é melhor não contar para evitar aborrecimentos.
Como eu
nasci na beira do São Francisco, desse rio da unidade nacional, nesse rio que
foi sem dúvida nenhuma um elo desde a sua descoberta em 1503 até hoje, ele
continua e eu sou da época em era possível vir de Traipu, onde eu morava, para
Penedo, onde eu estudava, de navio [...]
Eu quero
então em homenagem a minha terra dizer uma poesia, que não sei de cor, mas vou
ler aqui.
SAUDADE [Da
Costa e Silva]
Saudade!
Olhar de minha mãe rezando,
E o pranto
lento deslizando em fio...
Saudade!
Amor da minha terra... O rio
Cantigas de
águas claras soluçando.
Noites de
junho... o caboré com frio,
Ao luar,
sobre o arvoredo, piando, piando...
E, ao vento,
as folhas lívidas cantando
A saudade
imortal de um sol de estio.
Saudade! Asa
de dor do Pensamento!
Gemidos vãos
de canaviais ao vento...
As mortalhas
da névoa sobre a serra...
Saudade! O
Parnaíba — velho monge
As barbas
brancas alongando... E, ao longe,
O mugido dos
bois da minha terra...
“Essa poesia representa aquilo que vivi na
beira do rio, pescando piaba, correndo e pegando passarinho para colocar em
gaiola. Naquele tempo, a gente não tinha ideia ainda, digamos assim, de quanto
é preciso fazer para manter o meio ambiente. Eu nunca tinha ouvido falar, até
chegar em Penedo, em meio ambiente, até então, nunca se tinha ouvido falar
nisso. Bom, mas os passarinhos pelo menos eram bem tratados. E vivi ali durante
toda a minha infância, toda a minha adolescência. Como diz o poeta, pés
descalços e braços nus correndo pelas campinas, chupando caju nos cajueiros e
manga nas mangueiras. Atravessando o rio, aprendi a remar com meu irmão, à vela,
e ali vivi boa parte da minha existência, existência que é rápida e falaz, mas
que eu considero que foram anos tão bem vividos, que se eu algum dia voltar,
voltarei para a fazenda Mata Verde, lá em Traipu, vivendo esses 16 anos que lá
vivi.
A jornalista
Alessandra Brandão, assim escreveu com muita propriedade:
José
Medeiros é um alagoano de Traipu, que nos brinda, há longos anos, com seus
envolventes escritos e reflexões sobre temas do cotidiano. Com uma formação
humanista referenciada no Monsenhor Medeiros, seu tio e principal orientador,
nosso cronista logo cedo conheceu os grandes clássicos da história, não
demorando a se encantar pela área dos cuidados com o ser humano, formando-se
mais tarde em Medicina e Odontologia.
A inquietude pelo conhecimento o levou a uma formação
acadêmica privilegiada, compondo um currículo repleto de cursos e estágios
nacionais e internacionais. Homem de visão privilegiada atuou fortemente na
política alagoana, exercendo cargos de Secretário Estadual de Saúde, de Educação
e Deputado Estadual.
Na condição de Deputado Constituinte, deu uma de suas
principais colaborações ao Estado ao defender a criação da Fundação de Amparo à
Pesquisa de Alagoas (FAPEAL), responsável por fomentar a pesquisa científica em
solo alagoano. José Medeiros foi seu primeiro presidente e responde atualmente
pela vice-presidência do Conselho Superior. Foi Secretário de Educação e de
Saúde e Presidente da Fundação Governador Lamenha Filho.
Atualmente, José Medeiros é também presidente da
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Seção Regional de Alagoas
–SOBRAMES/AL – e vice-presidente da Fundação Universitária de Desenvolvimento
de Extensão e Pesquisa – FUNDEPES, da Academia Alagoana de Cultura e da
Academia Alagoana de Medicina, além de membro da Academia Maceioense de Letras
e da Academia de Letras e Artes do Nordeste. Há, dois anos, foi eleito para a
Academia Alagoana de Letras. Recentemente, foi agraciado com as comendas do
Quadro do Mérito dos Palmares, do Governo de Alagoas, e Senador Arnon de Melo,
do Instituto que leva este nome.
JOSÉ MEDEIROS TEVE UMA VIDA TÃO RICA QUE A GENTE FICA SE PERGUNTANDO COMO
ELE ENCONTROU TEMPO NESSES OITENTA E POUCOS ANOS, PARA SE DEDICAR A TANTA
COISA.
CASOU COM A PROFESSORA ROSA E COM ELA TIVERAM TRÊS FILHAS. TAMBÉM
ADOTARAM UM RAPAZ. ATÉ SER CONVIDADO
PARA ENTRAR NA SOBRAMES, NO ANO 2000,
TINHA NOTÍCIAS DE UM ZÉ MEDEIROS DEPUTADO, SECRETÁRIO DA SAÚDE,
SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO, VICE-REITOR... ABRO UM PARÊNTESE PARA DIZER QUE A
SOBRAMES FOI MUITO IMPORTANTE PARA MIM. FOI AQUI QUE EU ENTREI EM CONTACTO COM
OS MAIS DESTACADOS INTELECTUAIS, MÉDICOS E NÃO MÉDICOS. TRATAVA-SE DE UM FATO
ABSOLUTAMENTE NOVO EM MINHA VIDA DE ESCRITOR. ANTES EU ERA UMA ESPÉCIE DE LOBO
SOLITÁRIO, ESPÉCIE DE GERAÇÃO ESPONTÂNEA, POSTO NUNCA PARTICIPARA DE QUALQUER
AGREMIAÇÃO LITERÁRIA. ESSA CONVIVÊNCIA ME FEZ PERSISTIR E TENTAR APRIMORAR. FOI
DAQUI QUE OUSEI PENSAR NA ACADEMIA ALAGOANA DE MEDICINA E NA ACADEMIA ALAGOANA
DE LETRAS.
COMO DIZIA, QUANDO O CONHECI PESSOALMENTE E FUI CONVIDADO A PARTICIPAR DE
FESTEJOS FAMILIARES, TESTEMUNHEI O CARINHO COM QUE ERA TRATADO PELAS FILHAS E
PELOS NETOS, ESTES JÁ ADULTOS E CURSANDO A FACULDADE DE MEDICINA. FOI UM HOMEM RESPEITADO E AMADO
PELA FAMÍLIA. NOS SEUS DIFÍCEIS ÚLTIMOS DIAS, VOLTEI A TESTEMUNHAR TUDO ISSO E
MAIS O ZELO DA ESPOSA, FILHAS, FILHO E NETOS. DIGO A VOCÊS: INVEJEI O MEDEIROS,
CERCADO POR PESSOAS QUE O AMAVAM PROFUNDAMENTE. QUANDO ELE DORMIU SEU ÚLTIMO
SONO VELADO PELA FAMÍLIA AO SEU REDOR, DEVE TER-SE RIDO INTIMAMENTE E TER
PENSADO DE SI PARA CONSIGO: “COMO FOI BOM VIVER E CRIAR TANTAS COISAS BOAS”.
Muito Obrigado!
Nenhum comentário:
Postar um comentário