Conselhos de um velho
neurocirurgião
Ronald Mendonça
Médico e membro da AAL
Um jovem colega, sofrendo com
alguns insucessos, estaria disposto a largar a neurocirurgia. A mortalidade
elevada em determinadas patologias, como no trauma de crânio, estavam-no perturbando.
Revi-me 40 anos atrás, residente do Hospital do Servidor de São Paulo,
escutando iguais angústias. Nosso professor, eleito o oráculo para as
ansiedades do iniciante, foi contundente.
“Meu filho,” disse ele, “sendo materialista,
não vou me violentar e encher sua cabeça de que Deus projetou o seu destino
para salvar vidas. Você é jovem, ainda tem condições de mudar de especialidade.
Aqui mesmo no hospital,” continuou, “há várias especialidades em que o contato
com pacientes é mínimo. Algumas bastante atrativas, inclusive do ponto de vista
financeiro. Lembro, no entanto, que a neurocirurgia, sem ter o glamour (e o
retorno pecuniário) da cirurgia plástica, é excitantemente desafiadora”.
“Você terá a oportunidade de
escutar seus pacientes em consultas, muitos deles sem diagnóstico.
Formulará hipóteses diagnósticas, que
serão comprovadas ou não através de exames. Você medicará e, se necessário,
fará cirurgias. Os cuidados continuam, no pós-operatório e nos ambulatórios ou
consultórios. Na verdade, meu jovem, é um vínculo que poderá durar toda uma
vida, enquanto você ou seu paciente estiverem vivos. Os anos de exercício da
profissão lhes dará maturidade e confiança. Lembre-se: você não é Deus, muito
menos seu enviado.”
“Como ia lhe dizendo, aqui no hospital
treinam-se especialidades em que o médico não tem o estresse do convívio com o
paciente, nem a responsabilidade de execução do tratamento. A impessoalidade é
a marca. Nem por isso são menos importantes. Esqueça os suplícios da pediatria
e da obstetrícia. Se sua angústia for decorrente das “chateações” com as
demandas diuturnas (naquela época não existia celular) dos doentes, recomendo dedicar-se
a exames de laboratório. Seja um patologista; vá, debruçado madrugada a dentro,
esmiuçar lâminas de peças cirúrgicas, penetrar na intimidade das inquietações
celulares.”
“Especialidade interessante,” continuou
o chefe, “é a radioterapia. Nessa área jamais
terá seu repouso ou lazer interrompidos. “Máquinas e protocolos
pré-estabelecidos trabalharão por você. Basta saber ler,” exagerava. “ A não ser que crie para si
uma biografia, uma fantasia, seu sofrimento é zero. Até porque, em caso de êxito
letal, só saberá quando o cliente deixar
de comparecer às sessões; ou então pelos jornais, em notas fúnebres.”
“A dura vida do neurocirurgião,” dissertava com
entusiasmo,” poderá ser trocada, com alguma vantagem, pela ortopedia, um dos
mais antigos ramos da medicina. Se pretende deixar a neurocirurgia e encarar a
dureza óssea, lembro um detalhe: para evitar tragédias, só intervenha na coluna
vertebral com um neurocirurgião perto de você.”
“Finalmente, e sem deméritos: se
quer continuar lidando com o ser humano, mas nunca dele ouvir elogios ou
reclamações, faça medicina legal.”
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