INCOMPARÁVEL DOENÇA MENTAL
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Nesses dias de
desmemoriados, poucos lembram que Philippe Pinel, em finais do século XVIII,
psiquiatra e humanista francês, foi o responsável por profunda transformação na
Psiquiatria. Até seu conhecido gesto de desacorrentar os pacientes em famoso
frenocômio, não era fácil sofrer de distúrbios mentais em lugar nenhum do
planeta.
Seria ingenuidade pensar que o
ato humanitário e corajoso tenha modificado de súbito tudo que existia de
exótico no manejo das doenças mentais. Com um arsenal terapêutico pouco eficaz,
muitos daqueles pacientes “libertados” voltaram a experimentar o peso dos
humilhantes grilhões. De qualquer forma, ficou o recado.
Pinel intuiu que doentes mentais
poderiam beneficiar-se com trabalhos manuais, atividades no campo, pinturas,
manipulação de argila etc. Foi um dos precursores da Terapia Ocupacional,
técnica complementar que teve em Nise da Silveira uma grande incentivadora.
O século XIX foi particularmente
pródigo em estudos detalhados da doença mental. As descrições minuciosas dos
sinais e sintomas são legados preciosos. Ouso dizer que ninguém tem boa
doutrina psiquiátrica se em algum momento de sua formação não tenha sido um
leitor voraz de Kraepelin, Kretshmer, Jaspers, dentre outros.
O grande gargalo da
Psiquiatria era a pobreza de sua terapêutica. O momento que
transformaria a feição dos hospitais psiquiátricos e o destino dos
doentes surgiu com o eletrochoque. A reversão de quadros graves de
psicoses, principalmente as depressões, foi alvissareira.
Nos anos cinquenta, os
neurolépticos aposentaram a lobotomia frontal, idealizada pelo português
Egas Moniz, agraciado com um Prêmio Nobel pela descoberta. Depois vieram
benzodiazepínicos, antidepressivos e os estabilizadores do humor. Vive-se
hoje a fase dos “neurolépticos atípicos”, de menos efeitos colaterais e de
preços medonhos.
Não obstante, a doença mental
continua sendo um grande drama pessoal e familiar. Crônica desde o início, não
há uma resposta benéfica uniforme. Sujeita a surtos inesperados, comparar a
doença mental a outras doenças clínicas crônicas, como a diabetes e a
hipertensão arterial é de uma abissal puerilidade.
Quem já soube que
diabéticos e hipertensos masturbam-se furiosamente na frente dos pais e irmãos?
Tentam o coito com a própria mãe? Defecam em público? Sentem-se perseguidos
pelos vizinhos? Ouvem vozes perturbadoras que empurram para o homicídio e o
suicídio? Quando um diabético saiu pelas ruas em desabalada carreira,
gritando despido, apavorando circunstantes, desesperando os familiares?
Algum hipertenso salta a janela do prédio ou enforca-se de inopinado?
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