domingo, 25 de abril de 2010

ASSIM FALOU VERA ROMARIZ



A crônica do homem comum...para sempre.

Sempre que abrimos um jornal qualquer e lemos uma crônica, interrompemos a leitura de um fluxo linear de informações para obter,em linguagem leve,mas crítica,um comentário,um olhar oblíquo sobre os fatos que um leitor menos atento poderia considerar natural.Porque o cronista,em sua só aparente leveza,reescreve o cotidiano que,por vezes,vivenciamos automaticamente,”sem tempo de manteiga nos dentes”,como diria Fernando Pessoa.
Lendo as 42 crônicas de Ronald Mendonça, ora organizadas em livro, percebo um olhar ágil ,como uma câmera,a mostrar-nos cenas de Maceió e do Brasil,presentes ou esmaecidas em nossa memória.O cronista,como um mágico verbal, põe novo foco em novos ou velhos fatos,dá-lhes um roteiro inesperado,e eles saltam do congelamento do já dito para a vida nova que a leitura de uma crônica proporciona,na vida curta de um jornal.
O autor que escreve essas crônicas utiliza três caminhos na estruturação dos textos: ora narra pequenos “causos”,como em “Praga de sogra”,que conta em tom irônico a saga de uma viúva à espera de um bom partido,ora tece comentários políticos sobre fatos da atualidade,ora constrói perfis humanos..No segundo caso,o autor relaciona males públicos antigos da política nelas fazendo incidir, de modo às vezes transversal, uma inteligente crítica de costumes,como na saborosa “Água Velva e botox”; nesse modus faciendi, gira a câmera para o presente local ou nacional,construindo uma analogia entre o fato antigo e o novo.Parece ser objetivo do cronista reiterar a persistência das mazelas dos homens públicos,envoltos em casos de corrupção e de menosprezo às necessidades populares.
As relações humanas constituem prato do dia do cronista,aí incluídas a do casamento,em que passeiam mulheres vaidosas ou perigosas e homens nordestinos em melancólico crepúsculo de vigor e autoridade paterna,narrado com uma ironia complacente pelo autor em “Lições de vida”.Pela mão do cronista Ronald Mendonça, personagens diversas expressam em ações ou em falas o desejo individual,a frustração com o país e a cidade,o desgosto e o gosto por coisas corriqueiras que constroem em linhas simples o cotidiano das cidades- espaço por excelência da crônica brasileira.
No terceiro caminho, enfim,traz à tona perfis pitorescos de figuras populares,ou da classe média,de amigos que admira e estima,das quais extrai verdades humanas, ou exemplares.É o caso de uma em especial,em que descreve a trajetória humana de um pai em busca por justiça e paz-valores que prezou e que viu serem desarticulados em tragédia familiar que lhe vitimou os filhos jovens. Desses perfis, essalto “Idiotas asilares”,cujo conteúdo remete à luta de um pai argentino( espécie de alter ego do autor) por leis mais duras contra a criminalidade.Motivado pelo assassinato do filho,o engenheiro Blumberg recebe do cronista Ronald Mendonça um tratamento erudito e comovente,chamando-o de “esse Quixote dos pampas,-uma “triste figura” bem sucedida que empunhando sua tragédia pessoal e cavalgando a sua dor já começa a colecionar vitórias”.
A aproximação é sutil,se observarmos que a bela obra de Miguel de Cervantes nos remete à utopia de um mundo pleno de humanismo proposta por um escritor cético em relação ao contexto em que se inseria.

Com “motes”diversos, e um sólido conhecimento da tradição judaico-cristã,e da cultura latina,o que se materializou em um texto sobre Esopo e sua fábula,e em outro sobre a trajetória do homem Jesus Cristo,o autor transmite para o tecido verbal sua intimidade com a civilização latina,que estuda há tempos.Mas ele utiliza uma erudição sem pedantismo,como um bom cronista o faria,porque traz o conhecimento antigo e o atualiza com inteligência,humor e crítica.O olhar saudosista sobre uma Maceió antiga,iluminada por festas e falas populares surge bela e delicada,com o bairro de Bebedouro engolfado por uma modernidade desumana e excludente;trata-se de um contraponto a seus textos mais incisivos sobre políticos locais ou nacionais.
Contando “causos”, provocando risos ou críticas polêmicas, a crônica de Ronald Mendonça reacende uma verdade que me é cara: o gênero crônica nasce nos jornais,e sua linguagem se dirige ao homem comum,àquele que luta,sofre,xinga o governo,e depois veste uma “camisa listrada e sai por aí”. Que bom!
Maceio, abril de 2010

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PS- Amigo Ronald: Amei a crônica “Vera para sempre”.Mas como analisá-la sem cair no risco de ser criticada por parcialidade verdadeira,assumida,prazerosa?Beijo para sempre em você, em Nadja, e em nossas crianças.

Maceio, abril de 2010

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