domingo, 25 de abril de 2010

ASSIM FALOU DOUTOR IB



PREFÁCIO

"Si parva licet componere magnis", permito-me copiar Virgílio, quando, discorrendo sobre a vida das abelhas, comparou os favos às construções dos cíclopes, se permitiu conceituar as coisas pequenas às grandes. Assim, me situo, da planície dos simples, a me render, sem mérito, a doce imposição de prefaciar um livro, leve como uma pluma, suavemente invasivo do universo provinciano, mas deslizando também, alegremente, nos meandros do cotidiano dos homens e da sociedade, com os atores que se movimentam no palco da vida, deslizando, aqui alegres, constrangidos alguns, outros sofridos ou contrariados, mas todos integrando o mundo inconstante das alegrias, dos confrontos ou das vitórias, no torvelinho da civilização, sempre em mudança, com os homens sucedendo-se e, às vezes, entrechocando-se no afã intérmino de uma luta sem fronteiras, a sorrir, sofrer, sonhar e se possível viver no mundo irisado da beleza e da perfeição, nem sempre atingidas.
Há um século, eminente escritor e sociólogo Oliveira Martins, analisando as raças humanas e a civilização primitiva, assim nos informava: "Civilização quer dizer igualdade. A tribo propaga, e à maneira que cresce diminui a área necessária para a vida: no progresso está a causa da sua transformação em sociedade. As causas naturais e as psicológicas aliam-se, e ao mesmo tempo que como corpo a vaga social se nivela, dá-se no tumultuar espumante das ideias um apaziguamento correlativo. A fixidez da cidade é a fixidez do pensamento; a ordem da civilização e a ordem mental. Na cidade não há pitorescas aventuras, nem vastos horizontes, nem noites dormidas à luz da fogueira na sociedade do banquete, no gozo das mulheres, ouvindo o bardo cantar na harpa as façanhas da guerra. Uma cidade é um órgão, um animal ou um planeta, com o seu funcionar necessário, a sua vida predestinada, o seu pulso fatal. O drama acaba, a poesia cala-se, a fé extingui-se, o herói agoniza: apenas se ouve o sussurro indistinto das vozes humanas, cantando em coros a própria apoteose".
Deste primitivismo espantoso chegamos quase a um novo universo, com os lavores do espírito confundindo-se e contrastando com a brutalidade dos conflitos e confrontos que matam, acutilam, destroem, parecendo, às vezes que estamos a retroagir a uma barbárie nunca imaginada, a contrastar com as conquistas e maravilhas que a mente humana está a cristalizar, permitindo às vezes os encantos das alvoradas magníficas. São os contrastes das conquistas siderais com os confrontos de guerra que matam e destroem homens, cidades e civilizações.
E a sabedoria que a formação superior nos ensina está na suave alienação dos males circundantes, voltando a mente e o espírito para a finura entrevista nos fastos e conquistas do momento presente, semeando beleza, erudição, inteligência, desenvolvimento, associando tudo à finura das análises e dos sábios comentários.
Ronald Mendonça, civilizado, a sonhar sempre com beleza e harmonia, desce do altiplano para se constituir num cronista do cotidiano, fruindo das belezas da civilização e dos acordes magníficos das sinfonias dos períodos encantadores. Anota, com altitude, os episódios múltiplos da vida social da província, invocando deuses e figuras históricas, como ao mesmo tempo, descendo à planície da vida social, ora pela malícia dos perfis, ou, numa volta ao passado, fazendo vir ao proscénio figuras que a história entronizou como marcantes de várias épocas, para a comparação amena com os homens ainda vivos, a se movimentarem no tabuleiro inseguro da vida política e social.
Preocupa-se nos episódios que registra, com a análise da cultura em função do ambiente, descrevendo com segurança os seus personagens e subitamente encaminhando a descrição para uma inopinada conclusão, sutil, alegre, às vezes irreverente, suscitando as mais diversas reações, como encaminhando os espíritos para a reflexão e o encanto do inesperado lavor das conclusões.
O livro de Ronald lembra-nos os caleidoscópios que divertiam os meninos do meu tempo, com as cores sempre mutantes dos cristais coloridos, formando maravilhosas imagens, plenas de encanto e beleza.
Mestre nas epígrafes, desperta atenção do leitor para o conhecimento do conteúdo, revelando sutilezas de espírito que o temperamento álacre e sutil exalta, para alegria dos que o lêem.
É um livro de leve manuseio, de fácil leitura, capaz de encaminhar os espíritos para a suavidade dos temas e das alegorias que retrata. O eminente médico confirma o velho conceito de que não fazem mal as musas aos doutores, representando a dança das ideias a desejável alegria de viver.
• 30/1/2005.

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