domingo, 9 de dezembro de 2018
TARRAFA E A COOPERATIVA BOA PESCA
TARRAFA
E A COOPERATIVA BOA PESCA
RONALD MENDONÇA
No Bebedouro da minha infância,
situado na Rua Cônego Costa, perto da emblemática ponte e da estação
ferroviária, havia um terreno baldio com cerca de vinte metros de frente e não
sei quantos de profundidade. Os fundos desse terreno davam para o mangue e
consequentemente para o braço da lagoa Mundaú, cuja aparente mansidão lambe o
lado austral do bairro. Aquele pedaço de terra que nos meus tempos de menino
frondeava uma formidável castanheira, fora sede de dois empreendimentos que
movimentavam a saúde financeira do arrabalde. Durante algum tempo um posto de
gasolina ali pontificava, tendo como proprietário o dinâmico Genésio Carnaúba,
sisudão, no seu medonho bigode, não obstante um grande empreendedor. Algum tempo depois, uma outra atividade ali florescera: um entreposto de caranguejos e
sururus.
O entreposto de crustáceos,
segundo relatos orais e apócrifos de antigos bebedourenses, tentava modelar-se
nas cooperativas. Havia um líder quase lendário, um velho pescador mal-criado
que tivera um dos membros inferiores amputados. Cordial, quase humilde, de
quando em vez agitava-se, sobretudo depois que ingeria algumas lapadas da
“aguardente de cabeça” do alambique de seu Cabral, meu padrinho de vela. Cabral
era um senhor de uma distinção de lorde. Morava na mesma calçada alta onde
habitávamos. Até hoje, tento encontrar uma justificativa plausível, patrocinada
pela direção do Colégio Bom Conselho, para a demolição desse acidente
geográfico (a calçada alta), um dos cartões postais do bairro.
Como estava a relatar, o pescador
“Tarrafa”, cujo nome era Antonio, ao embriagar-se causava vexames na família e
nos moradores. Vernizes de política faziam-no um caricatural Lênin de bengala e
muletas. Era nessas horas que a molecoreba o provocava:”Tarrafa, eu vou?” O
deficiente altercava – “Pra minha muleta pequena, venha!” As provocações
continuavam: “Tarrafa, eu vou?” O pobre homem apelava –“Para o C de sua mãe,
pelanco de corno, vá!” E a procissão seguia, o velho à frente bêbedo, como um
Cristo desfigurado carregando e sendo carregado pelas suas toscas órteses de
madeira lavrada, seguido por impiedosos garotos, tais quais as turbas
enfurecidas que xingavam o crucificado do Monte Calvário.
Poucos sabiam que aquele velho
cambaleante e decadente, desmoralizado na sua embriaguez, um dia já havia
liderado um movimento societário, cooperativista que durara cerca de sessenta
anos. Nos seus eitos solitários, montando uma canoa à vela, singrando com ímpar
elegância e lepidez a lagoa Mundaú (muitas vezes, adentrando-se em mar aberto),
ao ver o desperdício dos frutos enterrados nas lamas da laguna, idealizou e fez
nascer um dos maiores e mais duradouros empreendimentos do bairro de Bebedouro.
Fácil não teria sido. Pescadores,
sururuzeiras e outros que tais escutavam suas preleções com desconfiança. Como
humildes pescadores enfrentariam os grandes conglomerados pesqueiros, que àquela
altura já abarrotavam mercados e feiras com seus produtos congelados, vindos
dos mares de Santa Catarina e até das frias águas do Mar do Norte e dos mares
Barent. O audacioso e sonhador Tarrafa, ainda com o cabedal físico intacto,
mostrava-lhes mapas. Certo dia chegou a levar um globo geográfico iluminado por
dentro. Os candeeiros teriam se apagado e a voz tonitroante cuja imagem
iluminada pelo globo metamorfoseara o agigantado pescador, assemelhando-o a um
Moisés planificando a fuga do Egito.
O terreno existia. Genésio abrira
mão, depois de desistir do posto de combustível. Como paga, semanalmente, algum
fruto da lagoa era entregue em sua residência, à leste da Matriz de Santo
Antonio.
O velho Tarrafa era um intuitivo.
Pouca leitura, muitas vezes lia só os comentários iniciais e já desvendava
mistérios que grandes inteligências levavam décadas para compreender. Num passe
de mágica, a fome acabara entre os pobres da orla lacunar. Na época do defeso,
o respeito pelo ambiente, que lhes dava sustento e educação aos filhos, era
minuciosamente respeitado. Frigoríficos acumulavam víveres para os tempos de
recesso na pesca. Como chefe desse clã, Tarrafa também prosperava. Família de muitos
filhos, aos poucos, o velho líder foi cedendo às demandas familiares. Chegaria
a dar o seu próprio posto de comando a uma das filhas, acreditando num
potencial que se derretia em contato com ar.
A irresponsabilidade da filha iniciou o
processo de autodestruição. Os cooperados já não recebiam pelo que produziam.
Os contratos de abastecimento das redes hoteleiras e hospitalares foram
suspensos pela falta de compromisso da irresponsável e incompetente dirigente.
O velho Antonio Tarrafa mantinha contratos pétreos com os barzinhos da orla, em
franca expansão turística. Até Marechal Deodoro, nossa antiga Madalena do Sul,
desistiu de participar da Cooperativa Boa Pesca, denominação aprovada pelo
Conselho Diretor da empresa. Os gordos goiamuns e as patas de uçá perderam a
qualidade, exalavam odor amoniacal, muitas vezes eram entregues congelados, mas
deteriorados. Os pescados passariam a ser devolvidos com admoestações. Magros e
desenxabidos, os comerciantes buscaram os velhos fornecedores da Bahia e de
Sergipe. Outros empreendedores, de olho no sucesso da Boa Pesca, invejavam e
torciam pelo fracasso.
Tarrafa, ainda com as duas pernas
voltaria ao mar aberto. Resolvera salvar a empresa com algo espetacular. Já
havia decidido: a filha irresponsável e truculenta, que havia posto no seu
lugar, seria defenestrada. Munido de uma dúzia de garrafas da Azuladinha de
Coruripe atravessou cautelosamente a Barra Nova.
Já saíra de casa meio chapado.
Era uma noite tenebrosa que meteria medo em qualquer um, menos no velho
Tarrafa. Uma meiota da Azuladinha já havia sido devorada quando algo
monstruosamente grande e escuro, celeremente, aproximou-se de sua frágil
embarcação. Num último lampejo, pensou estar diante daqueles monstros marinhos
cujas histórias ouvira na infância mas que nunca dera fé.
Tarrafa daria por sí muitos dias
depois. Estava no Pronto Socorro Municipal, na Rua Dias Cabral. Ninguém, nem o
próprio, sabia dizer como chegara vivo e sangrando na Praia do Sobral. Uma das
pernas estava esfacelada, faltavam-lhe partes, talvez mordidas de peixes. A
lenda quis dizer que Tarrafa fora salvo montando algum velho peixe marinho
amigo e solidário, que o pusera no dorso e o jogara no Sobral. O poderoso peixe
teria afastado os predadores do mar.
Endividada, desmoralizada, o epílogo
da Cooperativa Boa Pesca era inescapável. Tarrafa arrastou a sua dor enquanto
pôde. Num dia de maré alta, humilhado, desprender-se-ia das muletas e saltou
para a morte nas turvas e turbulentas águas sob a sua querida ponte, onde
milhares de vezes ali quedava-se para assistir a morte temporária e crepuscular
do avermelhado sol poente.
terça-feira, 27 de novembro de 2018
domingo, 25 de novembro de 2018
SONHOS E DORES
RONALD MENDONÇA – médico e membro da AAL.
Não fora a liturgia do cerimonial, não obstante o inflamado discurso de Ricardo Nogueira, que, em nome da Academia, deu as boas-vindas ao empossado, Jucá Santos tem tanta e tamanha visibilidade no meio cultural da Província que dispensaria a formalidade da apresentação.
Condenado à prisão perpétua, era um comuna que respeitava os antagônicos; que costurou o fim do apartheid com um adversário ferrenho, branco e rancoroso, cinco anos antes de livrar-se das algemas. Feridas da alma (e na augusta fronte) certamente o grande líder as sepultou. Sua digna esposa, recalcitrante, ao chifrar o nosso herói, não tenham dúvidas, magoou o mundo. Sobretudo o masculino.
Não há sonhos sem dores.
sábado, 13 de outubro de 2018
LUTAS ARMADAS
LUTAS ARMADAS
RONALD MENDONÇA
Quando A Luta é armada faz
vítimas de ambos os lados. A desvantagem dos que tentaram trocar a ditadura
militar de 1964 por uma comunista era grande. Foi mais um equívoco de avaliação
do comunismo na gana pela instalação de uma ditadura. Prestes, em 1935, cometeria
o mesmo erro. Mas, a partir de 67-68, garotos da classe média identificaram-se
com o charme revolucionário de Che Guevara. Virou o sonho de consumo da meninada,
estranhamente fascinada por um repugnante
criminoso sanguinário, mas que divulgava frases de efeito. Um detalhe: o
comunismo na Europa já dava sinais de esgotamento. O mundo queria dançar e
cantar com liberdade e os países comunistas amputavam esse direito das pessoas.
O fato é que, aqui no Brasil, tudo concorria
para a Luta Armada não dar certo. Alguns garotos da minha adolescência
embarcaram nessa fria. Inicialmente, mera curiosidade, reuniões secretas, de
repente estavam de armas na mão fazendo sequestros, roubando bancos, invadindo
residências, planejando envenenar a caixa d´água do quartel... Dias atrás conversei
justamente com o Beltrão e o Verçosa. Eu
falei exatamente isso. Foi um mergulho fundo demais para quem queria tão
somente discordar, desafiar e nadar. Penso que muitos arrependeram-se. Até
porque o paraíso socialista não existe.
Antes dessa decisão ensandecida, houve
uma dissidência nas hostes comunistas. O
próprio Prestes desaconselhara a luta armada, mas havia um Marighella,
destemido, diria até irresponsável na sua coragem.... Do nada, despontaria um incendiário
Lamarca, capitão desertor, apaixonando-se por Iara Iavelberg, uma psicóloga
paulista...
Quando um cara pega em armas, vai
para a clandestinidade e participa de guerrilhas, de confrontos com forças
numérica e estrategicamente superiores já sabe o que o espera. Certamente não é
a glória. Brincar de comunista com um livro de Marx debaixo do braço, no Bar do
Chopp, é uma coisa , fazer parte de um bando armado comandado por um desertor
surtado é outra. Lamarca levaria a sonhadora burguesinha judia ao trucidamento.
A eclipse da guerriha do Araguaia ocorreria com a delação de Genoíno.
Desculpe, Prof. Marcelo Bastos.
Os que pegaram em armas sabiam de tudo isso. Havia, além do mais, uma população
que apoiava o regime militar. O julgamento sumário de um tenente, capturado
como refém do grupo de Lamarca, morto cruelmente
a coronhadas, deu o tom de violência de ambas as partes. Nesses embates não
havia orquídeas. Herzog e Fiel foram mortes terríveis...
Li um livro que os amigos de
Manoel Lisboa (estudante de medicina da Ufal) escreveram. O Lisboa descrito
(que eu não conheci) era ódio da cabeça aos pés. E avisava aos companheiros:
"se eu for preso vou ser morto. Não delatarei".
Estendi-me muito, amigo. Perguntei por vc.,
na Pata. Ah, quanto a Bolsonaro, não há
clima para intervenção militar. Ou ganha no voto ou bota o rabo entre as pernas
e volta pra casa. O povo já o escolheu. Na linguagem chavão comunista, o povo é
"reacionário". Quanto a Haddad, o mínimo que se pode dizer: um grande
pulha! Abraços
quinta-feira, 11 de outubro de 2018
ASCENSÃO
E QUEDA DA CATEDRAL DA BELEZA
Ronald Mendonça
Quase
em frente à casa onde morei durante a infância, havia uma construção
mal-assombrada, resquícios do que fora um dia uma monumental barbearia. Os
antigos donos, filhos do barbeiro, seu Manoel, conhecido como Mané Barbeiro,
jogaram no lixo o que o pai, paciente e obstinadamente, construíra anos a fio.
O que se dizia era que seu Mané, depois de anos sem conseguir gerar filhos, e
até de adotar uma criança, desatara o nó-cego da infertilidade.Com efeito,
sua esposa engravidara pelo menos doze vezes. No barato, dez crianças chegaram
à idade adulta.
Numa época de famílias numerosas, o casal Mané
Barbeiro e D. Maria do Barbeiro, magrelosa e desgrenhada, era destaque
justamente pelos dez anos de abstinência, antes do desembesto reprodutivo.
Dizia-se que toda aquela fecundidade teria sido obra de milagre atribuído a
Santo Antonio. Mas o santo padroeiro foi além: transformaria a modestíssima
barbearia num dos salões de beleza mais requisitados da Província. Vivia-se, no
bairro de Bebedouro, aquela fase áurea em que a figura lendária do Major
Bonifácio Silveira resplandecia como uma das maiores lideranças, notadamente no
quesito "agitador cultural". Mané Barbeiro ficava todo cheio quando o
renomado festeiro marcava um corte. Chegava na hora aprazada, cumprimentava a
todos e ao seu Mané dedicava-lhe uma saudação especial: “Ó grande fígaro!”
Tudo
leva a crer que seu Mané era um bicho, não só nos sagrados deveres maritais,
como na capacidade de empresário da tesoura e da navalha. Liderança nata, apesar
dos poucos anos de estudo regular, conhecia um pouco de latim, mas o seu forte
era a prodigiosa memória para fatos históricos, sem falar na natural intuição
para cálculos. Sua fama era de leitor tão voraz quanto impetuoso reprodutor.
Contudo,
carregava inconfessável dor íntima: era convencido de que nascera para ser
cirurgião. Como não pode materializar o seu sonho, fez-se mestre imbatível da
arte da tricotomia. Próspero, salão apinhado de gente de todas as classes
sociais, não descuidou da educação dos filhos. Enquanto teve autoridade, todos
davam uma mãozinha na sua "catedral da beleza" como orgulhosamente
apelidara seu salão.
O tempo
passara rápido, Enviuvara. Os filhos crescidos, alguns vivendo às custas da
barbearia, eis que o destino o apanhou desprevenido, ao herdar da avó materna
tremores nas mãos que lhe subtraíram a inimitável destreza. No início dos
tremores, dava para dissimular, mas não suportou a intolerável humilhação de
furar a orelha de um cliente, enquanto dava o toque de gênio numa das
costeletas do Major Bonifácio Silveira.
Afastou-se do métier, não sem antes distribuir
funções aos filhos, Havia cabeleireiras e barbeiros contratados. Construíra,
enfim, uma respeitável empresa. Era uma referência no bairro. Dos dez filhos,
apenas quatro trabalhavam no salão. Uma quinta filha especializara-se em fazer
unhas. Trabalhava no centro da cidade, na barbearia do Pai João, no Livramento,
e aparecia na "catedral" apenas às segundas, quando quase ninguém
costumava frequentar salões de beleza. Preferira ser subalterna ao Pai João,
mas atrás desse "complexo de vira-lata" estava a certeza do ganho
garantido na empresa familiar, mesmo sem produzir. Uma outra ficara no caixa e
na parte administrativa. Incompetente, relapsa, faltosa, mal-educada,
pornográfica, tratava os clientes nos cascos.
Fora essa herdeira que pusera tudo por água
abaixo. Rapidamente, a antiga "catedral" foi diminuindo de tamanho,
chegou a "capela" e logo virou um "oratório". As
confortáveis cadeiras estofadas ficaram cheias de furos. Já não dobravam. As
preciosas tesouras inglesas foram sumindo, os jogos de navalhas chinesas
perderam o fio e foram substituídas pelas prosaicas lâminas de gilete. Os
alvíssimos lençois de linho escocês cheirando a lavanda, que recobriam os
fregueses, adquiriram um tom encardido, mal-lavados e mal-cheirosos. Ratos e
baratas desfilavam irreverentes entre os pés e pernas dos ralos clientes.
Pingueiras escorriam pelos espelhos enferrujados. O cheiro de mofo misturado
aos fétidos excrementos de morcegos era nauseabundo. Dívidas acumulavam-se.
Envelopes de cobranças de impostos já não eram sequer abertos. O malfadado
costume de não repassar regularmente o percentual devido aos profissionais, que
ainda tocavam o barco da "ex-catedral", viraria regra. O curioso era,
segundo narram as histórias, é que a maioria dos herdeiros a tudo assistiam e
nada faziam para tentar moralizar a empresa. Um antigo sociólogo, certa feita ,
formulou uma hipótese sobre as causas do desastre da barbearia. Segundo ele, o
fato de alguns dos filhos do Seu Mané terem botado anel de doutor no dedo fizeram-lhes
envergonhar-se da barbearia. Quer-se crer que se envergonhavam do pai barbeiro.
Por outro lado, esses próprios doutores pretendiam manter uma retirada mensal,
mesmo sem trabalharem, E o mais estranho, invejavam os irmãos que davam duro na
barbearia e ganhavam algum trocado, garantindo ainda uma parca clientela.
O
último e melancólico réquiem na profanada "Catedral da Beleza" foi o
velório do corpo do velho Mané Barbeiro, que não suportando conviver com a
falência, matara-se com Nitrosin.
Maceió, 2018
sexta-feira, 18 de maio de 2018
ANJO ALADO DAS BALIZAS
Anjo Alado
(De Ronald para o neto Caio)
Ah! meu querido Cainho
Que insana pressa em crescer
Apesar desse tamanhão que está a completar-se
Você nunca mudou.
Trocava as plumas a cada ano
Mas ficava igual
Bonito e generoso
O seu avô o reconheceria entre milhões.
Contrariando o meu desejo
A numeração do seu tênis o denunciava...
Assim como a das camisas
Sua coragem no retângulo enredado
O arrojo nas bolas rasteiras...
Nada o assustava
"Chute mais forte, vô, eu não sou mais criança...
O estilo elegante logo compôs o perfil alongado
Pernas compridas num corpo esbelto
Mãos avantajadas.
Os braços são como asas
Agora, distante do saudoso velho avô
Voa e encanta o Velho Mundo
Como um anjo alado das balizas.
(De Ronald para o neto Caio)
Ah! meu querido Cainho
Que insana pressa em crescer
Apesar desse tamanhão que está a completar-se
Você nunca mudou.
Trocava as plumas a cada ano
Mas ficava igual
Bonito e generoso
O seu avô o reconheceria entre milhões.
Contrariando o meu desejo
A numeração do seu tênis o denunciava...
Assim como a das camisas
Sua coragem no retângulo enredado
O arrojo nas bolas rasteiras...
Nada o assustava
"Chute mais forte, vô, eu não sou mais criança...
O estilo elegante logo compôs o perfil alongado
Pernas compridas num corpo esbelto
Mãos avantajadas.
Os braços são como asas
Agora, distante do saudoso velho avô
Voa e encanta o Velho Mundo
Como um anjo alado das balizas.
ASCENSÃO E QUEDA DA CATEDRAL DA BELEZA
Quase em frente à casa onde morei durante a infância, havia uma construção "mal-assombrada", resquícios do que fora um dia uma monumental barbearia. Altas horas, noctívagos e outros seres noturnos relatavam costumar ouvir estranhos ruídos, talvez soluços, gemidos e até, quem sabe, sorumbáticas gargalhadas. Os antigos donos, filhos do barbeiro, seu Manoel, conhecido como Mané Barbeiro, jogaram no lixo o que o pai, paciente e obstinadamente, construíra anos a fio. O que se dizia era que seu Mané, depois de anos sem conseguir gerar filhos, e depois de adotar uma criança, desatara o nó-cego da infertilidade.Com efeito, sua esposa engravidara pelo menos doze vezes. No barato, dez crianças chegaram à idade adulta. Numa época de famílias numerosas, o casal Mané Barbeiro e D. Maria do Barbeiro, magrelosa e desgrenhada, era destaque justamente pelos dez anos de abstinência, antes do desembesto reprodutivo. Dizia-se que toda aquela fecundidade teria sido obra de milagre atribuído a Santo Antonio. Mas o santo padroeiro foi além: transformaria a modestíssima barbearia num dos salões de beleza mais requisitados da Província. Vivia-se, no bairro de Bebedouro, aquela fase áurea em que a figura lendária do Major Bonifácio Silveira resplandecia como uma das maiores lideranças, notadamente no quesito "agitador cultural". Tudo leva a crer que seu Mané era um bicho, não só nos sagrados deveres maritais, como na capacidade de empresário da tesoura e da navalha. Liderança nata, apesar dos poucos anos de estudo regular, conhecia um pouco de latim, mas o seu forte era a prodigiosa memória para fatos históricos, sem falar na natural intuição para cálculos. Sua fama era de leitor tão voraz quanto impetuoso reprodutor. Contudo, carregava inconfessável dor íntima: era convencido de que nascera para ser cirurgião. Como não pode materializar o seu sonho, fez-se mestre imbatível da arte da tricoplastia. Próspero, salão apinhado de gente de todas as classes sociais, não descuidou da educação dos filhos. Enquanto teve autoridade, todos davam uma mãozinha na sua "catedral da beleza" como orgulhosamente apelidara seu salão. O tempo passara rápido, as crianças cresceram com um ritmo que desagradou ao fígaro bebedourense.Queria-os sempre crianças... Enviuvara. Os filhos crescidos, alguns vivendo às custas da barbearia, eis que o destino o apanhou desprevenido, ao herdar da avó materna tremores nas mãos que lhe subtraíram a inimitável destreza. No início dos tremores, dava para dissimular, mas não suportou a intolerável humilhação de furar a orelha de um cliente, enquanto dava o toque de gênio numa das costeletas. Afastou-se do métier, não sem antes distribuir funções aos filhos, Havia cabeleireiras e barbeiros contratados. Construíra, enfim, uma respeitável empresa. Era uma referência no bairro. Dos dez filhos, apenas quatro trabalhavam no salão. Uma quinta filha especializara-se em fazer unhas. Trabalhava no centro da cidade, na barbearia do Pai João, no Livramento, ouvindo lorotas de senis. Aparecia na "catedral" apenas às segundas, quando quase ninguém costumava frequentar salões de beleza. Preferira ser subalterna ao Pai João, mas atrás desse "complexo de vira-lata" estava a certeza do ganho garantido na empresa familiar, mesmo sem produzir. Uma outra ficara no caixa e na parte administrativa. Incompetente, relapsa, faltosa, mal-educada, pornográfica e alcoólatra tratava os clientes nos cascos. Fora a incúria dessa herdeira que pusera tudo por água abaixo. Rapidamente, a antiga "catedral" foi diminuindo de tamanho, chegou a "capela" e logo virou um "oratório". As confortáveis cadeiras estofadas ficaram cheias de furos. Já não dobravam. As preciosas tesouras inglesas foram sumindo, os jogos de navalhas chinesas perderam o fio e foram substituídas pelas prosaicas lâminas de gilete. Os alvíssimos lençois de linho escocês cheirando a lavanda, que recobriam os fregueses, adquiriram um tom encardido, mal-lavados e mal-cheirosos. Ratos e baratas desfilavam irreverentes entre os pés e pernas dos ralos clientes. Pingueiras escorriam pelos espelhos enferrujados. O cheiro de mofo misturado aos fétidos excrementos de morcegos era nauseabundo. Dívidas acumulavam-se. Envelopes de cobranças de impostos já não eram sequer abertos. O malfadado costume de não repassar regularmente o percentual devido aos profissionais, que ainda tocavam o barco da "ex-catedral", viraria regra. O curioso era, segundo narram as histórias, é que a maioria dos herdeiros a tudo assistiam e nada faziam para tentar moralizar a empresa. Um antigo sociólogo, certa feita , formulou uma hipótese sobre as causas do desastre da barbearia. Segundo ele, o fato de alguns dos filhos do Seu Mané terem botado anel de doutor no dedo fizeram-lhes envergonhar-se da barbearia. Quer-se crer que se envergonhavam do pai barbeiro. Por outro lado, esses próprios doutores pretendiam manter uma retirada mensal, mesmo sem trabalharem, E o mais estranho, invejavam os irmãos que davam duro na barbearia e ganhavam algum trocado, garantindo ainda uma parca clientela. O último e melancólico réquiem na profanada "Catedral da Beleza" foi o velório do corpo do velho Mané Barbeiro, que não suportando conviver com a falência, matara-se com Nitrosin.
Quase em frente à casa onde morei durante a infância, havia uma construção "mal-assombrada", resquícios do que fora um dia uma monumental barbearia. Altas horas, noctívagos e outros seres noturnos relatavam costumar ouvir estranhos ruídos, talvez soluços, gemidos e até, quem sabe, sorumbáticas gargalhadas. Os antigos donos, filhos do barbeiro, seu Manoel, conhecido como Mané Barbeiro, jogaram no lixo o que o pai, paciente e obstinadamente, construíra anos a fio. O que se dizia era que seu Mané, depois de anos sem conseguir gerar filhos, e depois de adotar uma criança, desatara o nó-cego da infertilidade.Com efeito, sua esposa engravidara pelo menos doze vezes. No barato, dez crianças chegaram à idade adulta. Numa época de famílias numerosas, o casal Mané Barbeiro e D. Maria do Barbeiro, magrelosa e desgrenhada, era destaque justamente pelos dez anos de abstinência, antes do desembesto reprodutivo. Dizia-se que toda aquela fecundidade teria sido obra de milagre atribuído a Santo Antonio. Mas o santo padroeiro foi além: transformaria a modestíssima barbearia num dos salões de beleza mais requisitados da Província. Vivia-se, no bairro de Bebedouro, aquela fase áurea em que a figura lendária do Major Bonifácio Silveira resplandecia como uma das maiores lideranças, notadamente no quesito "agitador cultural". Tudo leva a crer que seu Mané era um bicho, não só nos sagrados deveres maritais, como na capacidade de empresário da tesoura e da navalha. Liderança nata, apesar dos poucos anos de estudo regular, conhecia um pouco de latim, mas o seu forte era a prodigiosa memória para fatos históricos, sem falar na natural intuição para cálculos. Sua fama era de leitor tão voraz quanto impetuoso reprodutor. Contudo, carregava inconfessável dor íntima: era convencido de que nascera para ser cirurgião. Como não pode materializar o seu sonho, fez-se mestre imbatível da arte da tricoplastia. Próspero, salão apinhado de gente de todas as classes sociais, não descuidou da educação dos filhos. Enquanto teve autoridade, todos davam uma mãozinha na sua "catedral da beleza" como orgulhosamente apelidara seu salão. O tempo passara rápido, as crianças cresceram com um ritmo que desagradou ao fígaro bebedourense.Queria-os sempre crianças... Enviuvara. Os filhos crescidos, alguns vivendo às custas da barbearia, eis que o destino o apanhou desprevenido, ao herdar da avó materna tremores nas mãos que lhe subtraíram a inimitável destreza. No início dos tremores, dava para dissimular, mas não suportou a intolerável humilhação de furar a orelha de um cliente, enquanto dava o toque de gênio numa das costeletas. Afastou-se do métier, não sem antes distribuir funções aos filhos, Havia cabeleireiras e barbeiros contratados. Construíra, enfim, uma respeitável empresa. Era uma referência no bairro. Dos dez filhos, apenas quatro trabalhavam no salão. Uma quinta filha especializara-se em fazer unhas. Trabalhava no centro da cidade, na barbearia do Pai João, no Livramento, ouvindo lorotas de senis. Aparecia na "catedral" apenas às segundas, quando quase ninguém costumava frequentar salões de beleza. Preferira ser subalterna ao Pai João, mas atrás desse "complexo de vira-lata" estava a certeza do ganho garantido na empresa familiar, mesmo sem produzir. Uma outra ficara no caixa e na parte administrativa. Incompetente, relapsa, faltosa, mal-educada, pornográfica e alcoólatra tratava os clientes nos cascos. Fora a incúria dessa herdeira que pusera tudo por água abaixo. Rapidamente, a antiga "catedral" foi diminuindo de tamanho, chegou a "capela" e logo virou um "oratório". As confortáveis cadeiras estofadas ficaram cheias de furos. Já não dobravam. As preciosas tesouras inglesas foram sumindo, os jogos de navalhas chinesas perderam o fio e foram substituídas pelas prosaicas lâminas de gilete. Os alvíssimos lençois de linho escocês cheirando a lavanda, que recobriam os fregueses, adquiriram um tom encardido, mal-lavados e mal-cheirosos. Ratos e baratas desfilavam irreverentes entre os pés e pernas dos ralos clientes. Pingueiras escorriam pelos espelhos enferrujados. O cheiro de mofo misturado aos fétidos excrementos de morcegos era nauseabundo. Dívidas acumulavam-se. Envelopes de cobranças de impostos já não eram sequer abertos. O malfadado costume de não repassar regularmente o percentual devido aos profissionais, que ainda tocavam o barco da "ex-catedral", viraria regra. O curioso era, segundo narram as histórias, é que a maioria dos herdeiros a tudo assistiam e nada faziam para tentar moralizar a empresa. Um antigo sociólogo, certa feita , formulou uma hipótese sobre as causas do desastre da barbearia. Segundo ele, o fato de alguns dos filhos do Seu Mané terem botado anel de doutor no dedo fizeram-lhes envergonhar-se da barbearia. Quer-se crer que se envergonhavam do pai barbeiro. Por outro lado, esses próprios doutores pretendiam manter uma retirada mensal, mesmo sem trabalharem, E o mais estranho, invejavam os irmãos que davam duro na barbearia e ganhavam algum trocado, garantindo ainda uma parca clientela. O último e melancólico réquiem na profanada "Catedral da Beleza" foi o velório do corpo do velho Mané Barbeiro, que não suportando conviver com a falência, matara-se com Nitrosin.
domingo, 22 de abril de 2018
ascenção e queda da catedral de beleza
ASCENSÃO E QUEDA DA CATEDRAL DA BELEZA
Quase em frente à casa onde morei durante a infância, havia uma construção mal-assombrada, resquícios do que fora um dia uma monumental barbearia. Os antigos donos, filhos do barbeiro, seu Manoel, conhecido como Mané Barbeiro, jogaram no lixo o que o pai, paciente e obstinadamente, construíra anos a fio. O que se dizia era que seu Mané, depois de anos sem conseguir gerar filhos, e até de adotar uma criança, desatara o nó-cego da infertilidade.Com efeito, sua esposa engravidara pelo menos doze vezes. No barato, dez crianças chegaram à idade adulta. Numa época de famílias numerosas, o casal Mané Barbeiro e D. Maria do Barbeiro, magrelosa e desgrenhada, era destaque justamente pelos dez anos de abstinência, antes do desembesto reprodutivo. Dizia-se que toda aquela fecundidade teria sido obra de milagre atribuído a Santo Antonio. Mas o santo padroeiro foi além: transformaria a modestíssima barbearia num dos salões de beleza mais requisitados da Província. Vivia-se, no bairro de Bebedouro, aquela fase áurea em que a figura lendária do Major Bonifácio Silveira resplandecia como uma das maiores lideranças, notadamente no quesito "agitador cultural". Tudo leva a crer que seu Mané era um bicho, não só nos sagrados deveres maritais, como na capacidade de empresário da tesoura e da navalha. Liderança nata, apesar dos poucos anos de estudo regular, conhecia um pouco de latim, mas o seu forte era a prodigiosa memória para fatos históricos, sem falar na natural intuição para cálculos. Sua fama era de leitor tão voraz quanto impetuoso reprodutor. Contudo, carregava inconfessável dor íntima: era convencido de que nascera para ser cirurgião. Como não pode materializar o seu sonho, fez-se mestre imbatível da arte da capilaridade. Próspero, salão apinhado de gente de todas as classes sociais, não descuidou da educação dos filhos. Enquanto teve autoridade, todos davam uma mãozinha na sua "catedral da beleza" como orgulhosamente apelidara seu salão. O tempo passara rápido, Enviuvara. Os filhos crescidos, alguns vivendo às custas da barbearia, eis que o destino o apanhou desprevenido, ao herdar da avó materna tremores nas mãos que lhe subtraíram a inimitável destreza. No início dos tremores, dava para dissimular, mas não suportou a intolerável humilhação de furar a orelha de um cliente, enquanto dava o toque de gênio numa das costeletas. Afastou-se do métier, não sem antes distribuir funções aos filhos, Havia cabeleireiras e barbeiros contratados. Construíra, enfim, uma respeitável empresa. Era uma referência no bairro. Dos dez filhos, apenas quatro trabalhavam no salão. Uma quinta filha especializara-se em fazer unhas. Trabalhava no centro da cidade, na barbearia do Pai João, no Livramento, e aparecia na "catedral" apenas às segundas, quando quase ninguém costumava frequentar salões de beleza. Preferira ser subalterna ao Pai João, mas atrás desse "complexo de vira-lata" estava a certeza do ganho garantido na empresa familiar, mesmo sem produzir. Uma outra ficara no caixa e na parte administrativa. Incompetente, relapsa, faltosa, mal-educada, pornográfica, tratava os clientes nos cascos. Fora essa herdeira que pusera tudo por água abaixo. Rapidamente, a antiga "catedral" foi diminuindo de tamanho, chegou a "capela" e logo virou um "oratório". As confortáveis cadeiras estofadas ficaram cheias de furos. Já não dobravam. As preciosas tesouras inglesas foram sumindo, os jogos de navalhas chinesas perderam o fio e foram substituídas pelas prosaicas lâminas de gilete. Os alvíssimos lençois de linho escocês cheirando a lavanda, que recobriam os fregueses, adquiriram um tom encardido, mal-lavados e mal-cheirosos. Ratos e baratas desfilavam irreverentes entre os pés e pernas dos ralos clientes. Pingueiras escorriam pelos espelhos enferrujados. O cheiro de mofo misturado aos fétidos excrementos de morcegos era nauseabundo. Dívidas acumulavam-se. Envelopes de cobranças de impostos já não eram sequer abertos. O malfadado costume de não repassar regularmente o percentual devido aos profissionais, que ainda tocavam o barco da "ex-catedral", viraria regra. O curioso era, segundo narram as histórias, é que a maioria dos herdeiros a tudo assistiam e nada faziam para tentar moralizar a empresa. Um antigo sociólogo, certa feita , formulou uma hipótese sobre as causas do desastre da barbearia. Segundo ele, o fato de alguns dos filhos do Seu Mané terem botado anel de doutor no dedo fizeram-lhes envergonhar-se da barbearia. Quer-se crer que se envergonhavam do pai barbeiro. Por outro lado, esses próprios doutores pretendiam manter uma retirada mensal, mesmo sem trabalharem, E o mais estranho, invejavam os irmãos que davam duro na barbearia e ganhavam algum trocado, garantindo ainda uma parca clientela. O último e melancólico réquiem na profanada "Catedral da Beleza" foi o velório do corpo do velho Mané Barbeiro, que não suportando conviver com a falência, matara-se com Nitrosin.
MEMÓRIAS: SÃO PAULO E EU
MEMÓRIAS, SÃO PAULO E EU
Seria presunçoso se dissesse que nasci para ser médico. Mas vou dizer. Não vou repetir exatamente o poeta que afirmara ter nascido para ser artista. Mas o fato é que desde cedo entrei em contato com a medicina. Meu saudoso pai era um típico médico de bairro. Entendia de tudo. Até de parto. Com efeito, partejou os onze filhos. Quando a irmã mais velha nasceu, ele estava a seis meses da conclusão do curso médico, em Recife. Pensei em ser irmão marista, fui até Apipucos, no Recife, vi, olhei e não gostei. Tudo isso aos 12 anos, antes de decidir-me, irrevogavelmente, pela medicina.
Éramos onze irmãos. O Robson, mais velho que
eu um ano, foi aprovado no vestibular de Medicina, de 1965. A essa altura era,
para mim, medicina ou nada. O “nada” não existia. Foi nessa época de cursinhos
e outros que tais, justamente quando botei na cabeça que iria casar com a
Nadja, colega de cursinho de Química, cujo professor, José Gonçalves, viria a
ser pediatra da nossa primeira filha. Como não existisse plano (B),.esforcei-me
razoavelmente e fui aprovado.
Lá pela metade do curso médico apaixonei-me
pela cirurgia, não obstante morar e respirar 24 horas por dia a Psiquiatria.
Antes, apaixonadíssimo, casei no meio do curso com a linda cearense de lábios
de rubi, Nadja, que também havia sido aprovada para medicina.. Dois anos se
passariam até que, em 1971, nasceu a princesinha Lavínea, nossa primeira filha.
Mas eu não me negligenciei da Psiquiatria para ser um “cirurgião de barriga”,
posto que já tinha muita gente boa no pedaço.
Queria a Neurocirurgia.
Foi aí que São Paulo entrou na minha vida. Já residente do Hospital São Camilo,
em SP, aos sábados, dávamos voltas pela cidade, foi quando nos deparamos com o
apaixonante prédio do Hospital do Servidor do Estado. Achei aqueles vitrais
azulados lindos. Daí eu disse de mim para comigo: "você vai estudar para
ser residente desse hospital". Ser residente do Hospital do Servidor de SP
era um desafio e tanto. Não havia um só residente médico de Alagoas neste
hospital. Claro, havia outras opções, como a USP, a Santa Casa, a Escola
Paulista.
Em 1973, juntei a fome e
a vontade de comer. Número de vagas restrito, entrei no Servidor pela porta da
frente, sem pistolão, competindo com colegas de todo o Brasil. Ali estava São
Paulo aos meus pés. Doravante nada iria impedir as futuras conquistas. Senti-me
Cesar atravessando o Rubicão.
Nadja entrou na
residência da psiquiatria do Hospital São Paulo, minha filhinha Lavínea logo
foi estudar no Pequeno Príncipe, fez amizade com outras crianças e ia tomar
banho de sol na Praça Buenos Aires. Tudo perto da nossa moradia, mais ou menos
próximo ao Pacaembu. Levei a Lavínea para ver o Timão várias vezes. Chegamos, (meu irmão Robson e eu) a rachar um salão no
Clube de Campo da APM.
Durante a residência, uma vida de quase
escravidão diga-se de passagem,, rodei em várias clínicas. Tive orientadores do
nível de Angelita Gama, Fábio Goffi, Mário Cinelli, Erasmo Castro de Tolosa,
Prof. Chiaverini, dentre tantos. Mas foi na Neurologia e na Neurocirurgia que
encontrei o que procurava. Cheguei ao zênite das minhas aspirações ao lidar com
o Prof. Roberto Melaragno Filho, que determinava a doutrinação neurológica a
ser seguida, ele próprio cioso herdeiro de uma das mais famosas escolas
neurológicas do mundo, simplesmente a Escola Francesa de Charcot. A
Neurocirurgia do Servidor carregava na sua certidão de nascimento a Escola do
Prof. Rolando Tenuto da USP. O Dr. João Teixeira, Diretor do Serviço de
Neurocirurgia, era um dos seus mais caros pupilos, formando no Servidor uma
tropa de elite onde destacavam-se, Dr. José Zuleta, Dr. Clemente Augusto
Pereira, Dr. Páris, Dr. Takaaki Yonekura, o mago japonesinho da
Neuroradiologia,.Dr. Sidney, Dr. Paulo May...
Três anos depois,
residência concluída, ainda quis mais, uma pósgraduação em Neurocirurgia no Rio
de Janeiro. Aproveitei esse período para consolidar minha doutrinação. O rientador da PósGraduação foi o Prof. Murillo Côrtez Drummond, conceituado neurocirurgião carioca e oficial superior da Marinha de Guerra do Brasil.Dentre os amigos,dessa fase carioca, homenageio o meu guarda-marinho Moreira, hoje almirante Moreira. Nesse
ano, 1976, fui aprovado em vários concursos, para neurologista da Secretaria da
Saúde de São Paulo, para neurocirurgião do próprio Servidor e para Neurologista
do Ministério da Saúde, logrando o primeiro lugar. Foi no Rio, sob as bêncãos do Cristo Redentor que Nadja engravidaria do nosso segundo filho, Roninho.
Voltei a Sâo Paulo inúmeras vezes. Tenho
contatos frequentes com o chefe atual do IAMSPE, Prof. José Marcus Rotta, Dr.
Clemente e outros colegas. Meu particular amigo e ex-presidente da Sociedade
Brasileira de Neurocirurgia, Dr. Modesto, não se conforma de eu ter sido
aprovado no concurso de neurocirurgião do Servidor e haver negligenciado a
nomeação...
Fiz várias reciclagens no Brasil (e no
exterior) com Marcos Ferreira e com meus amigos Hélder Tedeschi e Evandro
Oliveira.Estou sempre aprendendo aqui e alhures. Destaco entre os meus diletos
amigos e orientadores, o eminente Prof. Óscar L. Alves, neurocirurgião
português e cidadão do mundo. São Paulo continua uma espécie de Meca. Muito
ensinou e eu fiz-me fértil para brotar bons frutos e depois semeá-los
quarta-feira, 18 de abril de 2018
um conto de férias
UM CONTO DE FÉRIAS
Ronald Mendonça
Neurocirurugião e Professor de neurologia da Ufal
A carona de um colega de faculdade fez André chegar um dia
antes em casa, contrariando a idéia inicial de voltar de avião. O velho casarão
estava quase às escuras, o silêncio rompido apenas pelo som da televisão, cuja luminosidade o atraiu até o quarto do seu
pai, que cochilava numa preguiçosa. Aproximou-se com cuidado e alisou sua
cabeleira branca e farta fazendo-o despertar meio assustado. O abraço comovido
selou aquele reencontro, depois de quase um ano em que não se viam. O velho pai
estava saudoso do caçula. Mal começaram
a conversar e a voz da mãe se fez ouvir, determinando ao motorista onde deveria
guardar as compras.
Foi uma surpresa muito agradável. Gentil e bonita como sempre, mais magra, a mãe pareceu-lhe muito jovem, sobretudo
quando comparada ao pai que, a seus olhos, muito envelhecera. A elegância materna contrastava com o
despojamento do velho que, além de tudo
, tinha um ar melancólico.
Achou legal rever o seu amigo de infância Zé Luiz, hoje motorista
da família. Filho da falecida lavadeira da casa, praticamente cresceram
juntos. André, três anos mais moço,
nutria grande afeição e lamentava
sinceramente o fato de o amigo haver
desprezado as oportunidades em relação aos estudos. Chegaram a freqüentar o
mesmo colégio particular, mas Zé Luiz gostava mesmo era de jogar bola e pegar
passarinho na pequena mata próxima à casa.
Logo cedo do dia seguinte, André acordou com disposição de
dar uma volta no sítio. Queria rever tudo. Eram saudades imensas. Tudo o
emocionava. Os exatos cem coqueiros que cinco anos antes o pai havia plantado,
ali estavam. Os patos, as galinhas, os porcos... Até festa fizeram ao vê-lo. O
cheiro da marisia da lagoa penetrava nas suas narinas e o inebriavam de
satisfação. Enquanto se detinha em cada pezinho de mato, lembrou-se do pai. Que
estaria acontecendo para ele andar tão triste? Iria tentar descobrir.
A lâmpada da suspeita acendeu ao voltar do sítio. Presenciou, de longe, sem ser notado, o seu
amigo de infância Zé Luiz dirigir-se a sua mãe sem o respeito esperado. Parecia
que o motorista falava com inusual insolência. Que diabo estava acontecendo? As
pessoas daquela casa enlouqueceram? Para completar, o cara entrou no carro e
sair arrastando os pneus.
André não ficou feliz com o que viu. Sob tensão, voltou aos
aposentos dos pais para sondar alguma coisa. Remexendo o guarda-roupa encontrou, surpreso, o velho punhal enferrujado de cabo de madre pérola
que pertencera ao avô. Supunha-o perdido. Instintivamente o escondeu dentro da
camisa e o guardou no seu quarto, sob o travesseiro.
O ambiente da casa não era o mesmo. Os empregados mais
antigos davam a impressão de estarem fugindo dele. Decidido a tirar tudo a
limpo, passaria a desconfiar de todos. Na adolescência adorava contos policiais
e era leitor recorrente de Sherlock Holmes. Sim, era verdade: às vezes
sentia-se perseguido, observado... Dizia que convivia bem com a sua paranoia.
Procurava livrar-se desses excessos, mas agora as impressões eram mais fortes
que ele. Imaginou até seus pais sendo chantageados pelo motorista, por algum
motivo que precisava descobrir. Para aumentar o clima de suspense, o velho
punhal de madre pérola sumira de sua cama.
Não se consentia pensar
em qualquer atitude que denegrisse a imagem da mãe. Era uma santa. Além
da sólida formação moral, era de uma religiosidade a toda prova.
A despeito de, rigorosamente, nada ter visto de concreto, a
última semana das férias foi de puro
sofrimento. Estabeleceu uma estratégia. Faltando apenas um dia para voltar para
a faculdade, no domingo, espalhou que iria ao Trapichão, assistir a partida
decisiva do campeonato. Na última hora, conseguiu o carro de um colega
emprestado e fingiu dirigir-se para o estádio. Ficou na espreita, perto de
casa. Intuía que alguma coisa importante iria acontecer.
Às cinco da tarde, cautelosamente, acompanhou o automóvel da
família que ganhara a rua, Zé Luiz no volante. Foi com extremo alívio que, de
longe, avistou a mãe descer na porta da
Igreja. André não arredaria de onde estava.
Quinze minutos se passaram até ver o
carro do pai novamente em movimento. Com o coração aos pulos, segui-o em direção à periferia da cidade.
Não havia certeza de que a mãe entrara naquele carro.
Indeciso, esperou intermináveis minutos próximo à entrada de um motel, onde o
automóvel da mãe se escafedera. Deus, o que era isso... Pensou em desistir.
Decididamente, não tinha condições emocionais de presenciar o que estava a
antever. O que imaginava estava muito além
do que poderia suportar. De súbito, veio-lhe à mente a grave fisionomia paterna
séria e tristonha. Daí em diante, André
não saberia mais narrar o ocorrido, se assim possível fosse. Suas últimas
impressões, após arrombar a porta do quarto do motel, teriam sido a dolorosa visão da sua mãe assustada,
tentando esconder a nudez. Ele ainda tentaria dizer-lhe que a perdoava, mas apenas gemeu alto pela lancinante dor de
um punhal a rasgar-lhe o peito e a
faze-lo suspirar penosamente pela última vez.
Maceió, 1997.
domingo, 15 de abril de 2018
HUMOR REFINADO
Ronald
Mendonça
Neurocirurgião.
Professor de Neurologia da UFAL
Graças a uma
austera administração comandada por meu pai, o psiquiatra José Lopes de Mendonça, a clínica por ele
fundada em 1960, conseguiu sobreviver às
intempéries de toda natureza, até dezembro de 2017. Ainda com vida, o velho sentiu-se
recompensado ao ver que o seu hospital estava entre os melhores do País.
Especialidade
médica, presente no currículo obrigatório do curso médico, a psiquiatria vem avançando de forma extraordinária, pari
passu com as in -cessantes pesquisas e
descobertas em torno do cérebro.
O psiquiatra, hoje, já não divaga às escuras pelas
tempestades das psicoses, num labirinto de frases de efeito, jargões pseudocientíficos,
como um pescador à deriva em mar revolto. Sobre o sólido alicerce teórico
montado pelos mestres alemães e
franceses sobretudo, vem se erguendo um arsenal terapêutico ainda limitado, mas
respeitável.
Apesar dessa
condição, inadvertidamente, médicos de outras especialidades tentam meter
o bedelho sem o devido conhecimento,
criando situações que põem em risco os pacientes. Pior: não médicos imiscuíram-se na psiquiatria,
alguns de forma solerte, tentando –e muitas vezes conseguindo- ditar
“políticas” e condutas terapêuticas para as quais não têm o suficiente preparo.
Típico caso em que o sapateiro vai além da chinela.
A esse
respeito, a GAZETA DE ALAGOAS do dia
12/11/00 publicou reportagem sob o título “Hospitais psiquiátricos devem
existir ?” em que foram ouvidos uma psicóloga e dois psiquiatras. É claro que a
primeira - não sendo exatamente a sua praia - teve dificuldades para argumentar
em condições de igualdade.
Não há o que retocar sobre as opiniões emitidas pelos
ilustres psiquiatras. De fato é uma rematada loucura pretender-se, nesse
momento, acabar com os hospitais
psiquiátricos. Há, sim, necessidade de um constante aprimoramento e de
fiscalização. Essa fiscalização, que costuma ser tão rigorosa na capital, precisa
se estender a todos os hospitais, sem exceção.
Inclusive aos do interior. Por que não ?
Pontual mesmo, na citada reportagem, foi a
assertiva da psicóloga de que “os leitos
nos hospitais psiquiátricos são bem remunerados”. Achar que menos de 24 reais
por dia, onde são incluídos honorários médicos, medicamentos, enfermagem, atendimento com psicólogos,
assistentes sociais, terapia ocupacional, nutricionista, lavanderia, estada,
refeições e uma média de 2 funcionários
para cada 3 pacientes é pagar bem, reflete, antes de tudo, um humor extremamente refinado.
Uma coisa
pelo menos parece certa: dia virá em que
não mais existirão hospi- tais psiquiátricos, nem UTIs, nem muito menos
médicos. Tampouco doentes.
Quem sabe, apenas “um só
rebanho e um só pastor”. Sadios.
HOMENS-MORCEGOS
HOMENS- MORCEGOS
RONALD MENDONÇA
PROF. DE NEUROLOGIA DA UFAL
Numa coisa o presidente do
PMDB, Michel Temer, tem razão: de fato,
é uma coisa inédita no País a cassação do mandato de um governador – o famoso
Mão Santa, do Piauí - e de seu vice,
abrindo a vaga para os candidatos derrotados 3 anos antes. Vale ressaltar que o
cassado era considerado pelo seus pares
uma “figura exponencial do PMDB”.
A notícia, apesar de atraumática para a população não deixou de
ser surpreen -dente. Primeiro, porque a maioria ignorava que existia um
processo de cassação tramitando na justiça. Segundo, como salientou a nota do
deputado Temer, pelo ineditismo do fato, e , terceiro, pelo imbróglio jurídico
que disso deve decorrer.
Arrisco-me, como médico, a achar
difícil avaliar juridicamente os atos do cassado enquanto exercia a função de
governador, uma vez que a Justiça reconheceu ( tardiamente ?) que Mão Santa cometera crime eleitoral e que
, portanto, estaria desqualificado para tomar posse. É uma curiosidade, por
exemplo, saber como ficam salários e
outros mimos recebidos durante o exercício
do cargo? De qualquer forma, a decisão do STJ não deixa de ter salutares efeitos pedagógicos e
profiláticos, deixando pulgas nas orelhas dos useiros dessas malfadadas
práticas.
A fase não anda nada boa para
alguns políticos. Os governistas, Serra e Tasso Jereissati estão com problemas.
O primeiro teria alguém próximo fazendo caixa para a campanha. O segundo, junto
com o “socialista” Ciro, dentre outras coisas, teriam se envolvido
indevidamente com o banco do seu estado.
Tampouco está fácil a situação do
prefeito Taniguchi, de Curitiba, enrolado com denúncias de gastos astronômicos
durante a última campanha , que teriam sido escamoteados por sua assessoria. O
prefeito, logicamente, lava suas santas mãos.
Nessa maré de caça ás mãos, não
escapou nem o quase octogenário Brizola.. Aqui pra nós, nada que se compare ao
tigre do Pará, Jáder Barbalho.
Como na enxurrada é que o cururu
bebe água, lamentavelmente, o vestal PT
– depois de superada a querela do lixo paulista x Marta Suplicy- também abriu a sua ferida narcísica quando a
turma da CPI da Segurança Pública do Rio Grande do Sul descobriu indícios de espúria ligação do
bicho com o governo. Os vastos bigodes de Dutra tremeram de “indignação
cívica”. Lula esperneou e pediu respeito. Mas, isso também não prova nada.
Terminando esses comentários, fico pensando
como o nosso País está cada vez mais
parecido com Gotton City, a cidade do Batman. Lá, como sabem, moram o
Coringa, o Charada, o Pinguim, a Mulher-Gato... Aqui, temos as nossas versões
tupiniquins, com sobras. O Maluf, por
exemplo, é o Charada encarnado. Em cada
banco o homem deixa um enigma e ninguém consegue pegá-lo. Os outros... Bem, os
outros deixo entregue à criatividade dos
leitores.
quinta-feira, 5 de abril de 2018
MODELO DE PERÍCIA MÉDICA
INTRODUÇÃO
ESCLARECIMENTOS SOLICITADOS POR INTERESSADOS QUE COMPÕEM A CONTESTAÇÃO AOS LAUDOS, PRESCRIÇÕES E EVOLUÇÕES
CLÍNICAS, ESTAS ÚLTIMAS VERIFICADAS NO PRONTUÁRIO MÉDICO DO SR QUICO PONTES, DURANTE INTERNAMENTO NA UNIDADE HOSPITALAR DE MOSSORÓ - RN
À GUISA DE PRÉVIA
NOTA EXPLICATIVA
SOU EX-PROFESSOR DE NEUROLOGIA, DURANTE QUASE QUARENTA ANOS. PORTANTO, ACEITEI
A INCUMBÊNCIA DE POSICIONAR-ME NESSE RUMOROSO CASO, COMO ESPECIALISTA
DIFERENCIADO, LAPIDADO NA ESCOLA NEUROLÓGICA DO PROF. ARANHA,
DE SÃO PAULO.
DESDE OS DOZE ANOS DE IDADE
CONVIVO COM DOENTES MENTAIS. DURANTE CINQUENTA ANOS, INTERAGÍ COM PACIENTES COM TODAS AS FORMAS DE PATOLOGIA
PSIQUIÁTRICA. SÃO EXPERIÊNCIAS QUE ME TORNARAM UM MÉDICO DIFERENCIADO.
EMBORA FUJA AO ESCOPO DESSES
ESCLARECIMENTOS, ADVIRTO AOS INTERESSADOS QUE ESTE LAUDO PODERÁ OU
NÃO SER UTILIZADAS EM JUÍZO. AO CONTRÁRIO DO ENTENDIMENTO DE ALGUNS, QUE TENTA DESCONSTRUIR AS MINHAS SUSTENTAÇÕES, O MEU
TRABALHO NADA TEM A VER COM OS RESULTADOS FINAIS DE CONTENDAS JURÍDICAS. NÃO SE TRATA DE “CONTRATO DE
RISCO” SEGUNDO A FALÁCIA DE CERTO OPERADOR DO DIREITO. ESSE LABOR É
REMUNERADO, PORTANTO, CLARO QUE NEM DE LONGE CHEGAM ÀS FORTUNAS COBRADAS POR CERTOS PROFISSIONAIS. FICA CLARO, DESDE JÁ, NÃO ESTOU RENUNCIANDO AOS MEUS HONORÁRIOS, QUE DEVEM SER
PAGOS TÃO LOGO ELE SEJA CONCLUÍDO. POR OPORTUNO, REPUDIO, VEEMENTEMENTE, A PROCRASTINAÇÃO JUDICIAL.
PARTICULARMENTE, CONSIDERO ESSA PRÁTICA UM EXERCÍCIO PERNICIOSO À APLICAÇÃO DA
LEI. PODERIA MESMO DIZER QUE SE TRATA DE UM “ANTI-DIREITO”.
REAFIRMO, NÃO TENHO QUALQUER
LIAME COM O RESULTADO FINAL DESSA DESAGRADÁVEL E PÚBLICA CONTENDA FAMILIAR, QUE CHEGOU À
IMPRENSA SENSACIONALISTA, ATRAVÉS DE FAMILIARES, QUE EXPUSERAM A FIGURA DO
PATRIARCA DE UMA FORMA MUITO POUCO, DIGAMOS, CARIDOSA, DIREI MAIS, DE FORMA
CRUEL, DESRESPEITOSA, POR SE TRATAR DE
UM PAI, “CAPITÃO DE INDÚSTRIA”, QUE ELEVOU, COM O SEU TRABALHO, DE UMA MANEIRA
NOTÁVEL A UM PATAMAR DE PADRÃO SOCIAL E FINANCEIRO MUITAS PESSOAS, ALÉM , É CLARO, DE FILHOS E
INCONTESTAVELMENTE, DAS EX-ESPOSAS (TIVE ACESSO ÀS DECLARAÇÕES DE RENDA DO SR. QUICO PONTES).
O HISTÓRICO
Entrei em contato com o QUICO PONTES em 2011, quando foi marcada
uma consulta em meu consultório particular. Naquele entrevista, o paciente,
depois periciado, QUICO PONTES abriu-se relatando sua via crucis. Relatou-me que em
2008 teria estado deprimido por questões familiares – decepções e outras que
tais. Em vista disso, teria procurado especialista em São Paulo, que chegara à
conclusão de que estava com Doença de Alzheimer. Teria sido medicado com
psicotrópicos cujo efeitos mostraram-se catastróficos. Inconformado, foi ao
exterior, à Suiça, onde submeteu-se à bateria de testes clínicos e a exames por
imagem. A Ressonância Magnética revelou-se compatível com a idade cronológica.
Segundo parecer do especialista europeu, o consulente estava com D. de
Parkinson em sua forma inicial. Voltou a Sâo Paulo, onde iniciou tratamento com
dois médicos neurologistas muito conhecidos pelas publicações de trabalhos
científicos, inclusive um opúsculo didático para os estudantes de medicina e
profissionais médicos de uma maneira geral. Então, já naquela época, os Profs. Dani AARiva e POBRE NitriLO descartaram patologia demencial,
concordando com o colega suíço. Ou seja, o quadro depressivo inicial, foi
confundido com o início dos sintomas da D. de Parkinson. Restou aos
precipitados a benévola sentença atribuída a
Cícero: quandoque bonus Homerus dormitat.
Inconformado, o já então periciado, fez-me saber que foi ao Rio de Janeiro onde mais uma vez submeteu-se a exame pericial conduzido por eminente perito carioca. Todos esses laudos e exames me foram entregues, inclusive documentos particulares extra-médicos, como as Declarações de IR.
Inconformado, o já então periciado, fez-me saber que foi ao Rio de Janeiro onde mais uma vez submeteu-se a exame pericial conduzido por eminente perito carioca. Todos esses laudos e exames me foram entregues, inclusive documentos particulares extra-médicos, como as Declarações de IR.
Em MaRINGÁ, o periciado foi avaliado por vários profissionais da área
da neurologia e da psiquiatria. Por sinal, foi uma médica perita psiquiatra,
Dra. J AlmOFAda, quem indicou o meu nome.
Outras revelações estavam por vir: acompanhado pela esposa, a SRS p. Certamente, por recato, inicialmente, o periciado relatou
superficialmente seus dissabores. Estava no curso de processo de interdição
movido pelos filhos. Terminou relatando seus sofrimentos morais, inclusive com
ameaças de morte advindos desses parentes. Sem querer imiscuir-me na vida
privada do periciado, até porque conhecia, embora sem aproximações de amizade,
alguns de seus parentes e aderentes. O fato é que a partir desse “destravar”, o
periciado contou-me sobre seus prazeres. Disse-me que muitas vezes saía para
trabalhar, olhava aquele Aguaceiro do Pantanal, voltava pra casa,
vestia-se num calção e ia nadar e tomar sol. E paquerar. Falou-nos da cupidez
dos familiares nos seus bens, segundo ele, despreparados que viveram à vida
toda à sua sombra. Relatou-me que adorava viajar. A propósito, apresentou-me
fotos e vídeos de recente passagem por Mônaco. Eu próprio fiquei admirado pelo
seu andar firme, vestido como um “boy”, atravessando a rua, aguardando o sinal
de pedestres sair do vermelho. Enfim, uma série de provas relatadas e
documentais (fotos, vídeos, opiniões de uma das irmãs solidária a ele e
denunciando a ”sordidez moral”, segundo ela,
de alguns parentes).
Concluí aquele LAUDO PERICIAL afirmando, consoante com minha
experiência de quarenta anos de médico, consultando inúmeros trabalhos relidos,
além de outras opiniões de especialistas de nomeada, afirmando que o periciado QUICO PONTES NÃO APRESENTAVA PATOLOGIA DEMENCIAL. TRATAVA-SE DE DOENÇA DE
PARKINSON (DP), que por si só, é uma doença degenerativa do Sistema Nervoso
Central, progressiva e incurável.
A Doença de Parkinson
caracteriza-se por tremores, rigidez, bradicinesia e alterações posturais. No
periciado, percebi a hesitação, como um freezing (Congelamento), ao
aproximar-se da porta do consultório. Já era uma pista para o diagnóstico.
Enfim, alicercei a minha opinião depois de acurada escuta e detalhada semiótica
neurológica. Adverti que sua condição física, motora, comprometida pela DP, o
déficit auditivo e até a sua libido focada em outros alvos seriam fatores que
dificultariam sua vida de empresário, “boss” de um grande empreendimento. Sublinhei que numa mente lúcida pairava o sombrio destino de um inexorável declínio
motor.
Sempre premido pelas circunstâncias judiciais adversas, fui instado a
realizar outros exames periciais. É evidente que as pressões externas, além da
progressão natural da doença, refletiam-se num agravamento progressivo das
limitações motoras e invadiam o seu psique angustiado e maltratado.
Nunca fui o seu médico assistente. Consultava-se em São Paulo com os
citados especialistas, NitriLO e DaniellA AAiva. Submetia-se à fisioterapia e a
tratamento psicológico. Uma manifestação de progressão da Doença de Parkinson
começou a tornar-se exuberante: o comprometimento do “nucleus coeruleus”
estrutura do sistema nervoso central responsável pela produção de outro
neurotransmissor: a noradrenalina. Com efeito, o periciado entrava num estado
de hipersonia, que lembrava a narcolepsia. Conversando amenidades comigo, de
súbito uma sonolência intensa o invadia, tornando suas respostas como as de um
sonâmbulo. Contudo, quando estimulado vigorosamente, despertava e “acordava”. Tal
cortejo sintomático já havia sido percebido por seus médicos paulistas, que
passaram a prescrever uma medicação importada, específica para tentar corrigir
o problema. Nesse aspecto, foi uma das poucas interferências medicamentosas que
me permiti invadir. Prescrevi uma marca específica de medicamento para
estimular o estado de vigília. Um detalhe terapêutico relevantíssimo merece ser
citado: seus médicos assistentes jamais prescreveram drogas colinomiméticas ou
assemelhadas (substâncias utilizadas para demência). Drogas psicotrópicas, nem
pensar. Com efeito, os conspícuos NitrITO e DanieLA ARiva, nunca se inclinaram
para o diagnóstico de Alzheimer ou a fantasiosa “Demência dos Corpos de Lewy”).
Na última avaliação, cerca de 10 dias após ter sido admoestado em sua residência na Barra Mansa,
invadida de forma sorrateira, voltei a periciar o Sr. QUICO PONTE. Estava
perturbadíssimo. Os sintomas da D. de Parkinson agravaram-se de forma aguda.
Sua marcha ”à petit pas” estava intercalada por freezings. Havia disartria e
rigidez mais acentuada. Tinha uma escoriação em uma das pernas, em fase de
cicatrização. Não havia afasia. Há uma diferença semiológica entre disartria e
disfasia. A primeira é uma alteração na articulação da palavra, enquanto que a
segunda é um distúrbio da linguagem, de muito maior gravidade, posto que revela
uma perda na compreensão do valor semântico da palavra. Muitos clínicos e até
neurologistas envelhecem e não conseguem
fazer essa distinção.
Como estava a dizer, estimulei
o periciado a relatar fatos e a emitir juízos de valor. Fiz uma breve
consideração sobre a fisiopatologia respiratória e a encefalopatia por acúmulo
de gás carbônico nos mergulhadores (tema NO quAL o periciado é craque). Ainda que
mal saído dessa “letargia”, o periciado narrou com detalhes a morte de um
sobrinho mergulhador, filho de um dos irmãos, tragédia familiar conhecida de
todos. Mais uma vez, abordei a sua falta de investimentos nos terrenos da Barra Mansa. Ao que ele me disse: “estão caros; e eu já avisei ao Fulano
(proprietário dos terrenos)”.
Faço um interregno para dizer que acompanhei o periciado numa
audiência com a desembargadora VITORIA COMUM, na época presidente do
Tribunal de Justiça de Madalena do Norte. Apesar da situação tensa, o periciado respondeu
coerentemente a todas as perguntas formuladas pela desembargadora. Houve um
momento em que a autoridade judicial perguntou sobre sua saúde. Nesse momento,
ele virou-se pra mim e disse: ”isso que a senhora está perguntando, quem sabe
melhor do que eu, é o Dr. Ronald”. Aproveitei e fiz um relato sobre a patologia
que afligia o interrogado.
Dias depois do diálogo registrado no parágrafo anterior ao
interrogatório da desembargadora VITORIA,
assisti nos noticiários o “resgate do cativeiro” do Sr. QUICO. Foi uma espetacularização. Fiquei pensando sobre o verdadeiro amor
dessas pessoas. Pelas fotos e vídeos, QUICO estava à beira do lago de
Caronte, o barqueiro da morte. Curiosamente, quinze dias antes, uma das filhas
fez chegar à imprensa e às redes sociais que encontrou o pai abandonado. Que
teria sido um comovente encontro; que QUICO havia lhe pedido “me tirem daqui”;
que comentara que estaria “com saudades da netinha”, fulaninha de tal.
Mas o que se viu no aludido “resgate do cativeiro” foi um paciente
comatoso, paralisado, indiferente. Pelo risco de vida, teria sido levado à
Unidade FaroFA. Pela gravidade alardeada, pensei de mim para
comigo: o QUICO vai para a UTI e não resistirá a tantos anos de “cativeiro”. Tive
acesso ao protocolo de admissão no Hospital l, aos registros médicos
relativos à evolução do QUICO PONTES nesse internamento. Há coisas curiosíssimas,
quase inacreditáveis. Só não é cômico porque embute uma tragédia familiar e
humana. Contudo, é patética a evolução de um neurologista, acionado pela
família. Vou reproduzir: “Fui chamado pela família, para avaliar este paciente
(QUICO)”.
“Segundo os familiares, o início do quadro foi com alterações cognitivas
e comportamentais, além de delírios e alucinações visuais. Em seguida
apareceram as alterações motoras. Além disso, ocorrem flutuações no status
neurológico ao longo do dia.” E prossegue: “O paciente se encontra vigil, com
intenso bradipsiquismo e bradicinesia global, acentuadamente desorientado no
tempo e no espaço; respondeu corretamente seu próprio nome, porém não soube
dizer sua idade nem quantos filhos tem; não reconheceu a própria filha,,
presente à consulta (disse que era sua noiva); são 9;45hs e ele não lembrou que
tinha tomado o café da manhã, nem o que havia comido nessa refeição; ao ser
perguntado pela data de hoje, respondeu laconicamente que não sabia; ao ser
indagado sobre alguma queixa da saúde, respondeu “que não tinha nada”.
Continua o neurologista: “Ao levantar com ajuda de terceiros,
apresenta importante instabilidade estática já de olhos abertos; a marcha se
faz com ajuda e é claramente de pequenos passos; apresenta uma exuberante
rigidez plástica generalizada e um tremor de repouso no dimidio corporal
direito; reflexo glabelar inesgotável; reflexo de preensão persecutória
bilateralmente; reflexo de Hoffman e reflexo palmomentoniano bilateralmente
ausentes; reflexo cutâneo plantar indiferente; reflexos profundos
universalmente diminuídos (+); não conseguiu demonstrar a coordenação e a diadicocinesia, provavelmente devido aos
comprometimento cognitivo e a uma apraxia; não percebi assimetria dos déficit
défices motores, apesar do tremor ser dimidiado”.
“A minha conclusão diagnóstica, independente de qualquer exame
complementar, é de que se trata de uma síndrome demencial avançada,
provavelmente no curso da doença dos corpos de Lewy. Por este motivo, não
apresenta condições neurológicas de gerenciar a própria vida, nem de responder
pelos seus atos”.
“Esta é uma doença degenerativa do sistema nervoso, progressiva e
incurável, portanto não há perspectivas de recuperação”
“Do ponto de vista neurológico,
não há indicação de internação hospitalar e necessita de cuidados de saúde
multidisciplinar. CID F02.8”.
COMENTÁRIOS
Meus comentários sobre esta evolução médica não são agradáveis. A
priori, cumpre-me dizer que alguém contornou a verdade. Quinze dias antes dessa
avaliação, uma das filhas proclamou para quem quisesse ouvir que o pai pediu para
sair dali (do “cativeiro”) e que expressou suas “saudades da netinha”.
Acrescento que QUICO, depois desse encontro emocional com a filha,
esteve com a psiquiatra-perita Dra. JALMOFADA e depois foi reavaliado por
mim, conforme descrito acima. Longe de mim pensar que o colega neurologista, Dr. FP, autor dessa peça,
tenha tido algum tipo de interesse, a não ser fazer seu trabalho. No entanto,
chamo a atenção para suas frases iniciais em que a família relata delírios, alucinações, para em seguida falar em alterações
motoras e cognitivas. Ao expressar-se com tal desenvoltura, quero crer que
estamos a lidar com uma família que retém um conhecimento invejável da
nosologia médica, até para os esculápios generalistas. Ora, falar em cognição,
delírios e alucinações, remetem a um conhecimento psiquiátrico que, creio, nem
o neurologista que escreveu essa evolução tem treinamento psiquiátrico para tal
dissertação. Sigamos em frente. Não há registro, na evolução do preclaro
neurologista de disartria e disfasia. Disfasia não existe, posto que o paciente
disse como se chamava. Ponho em dúvidas a veracidade do reconhecimento da
filha, uma vez que uma quinzena atrás, ...... sabia exatamente onde estava
(“cativeiro”) e confessava até “saudades da netinha”. Essa saudade é
extremamente significativa: revela um dos sentimentos mais humanos e lúcidos do
ser humano. Recordar da netinha, com a qual não tinha contato há muito tempo,
traduz uma memória incomum, até mesmo para os senis sem D de Parkinson.
Como assinalei acima, os médicos assistentes de São Paulo, que dele
cuidaram anos a fio, jamais sentiram a necessidade de prescrever medicamentos
para demência e antidepressivos, alertados pelo histórico do paciente ter demonstrado
efeitos paradoxais com tais classes de substâncias. Há uma distorção entre o
relatado pela filha à imprensa e nas
redes sociais com as descrições registradas no prontuário do QUICO. Por fim, como professor de Medicina, não poderia deixar de registrar,
e lamentar, que numa evolução clínica,
no curso de um internamento hospitalar, o profissional aja com tamanha irresponsabilidade e
estranha arrogância ao expressar que “independentemente de qualquer exame, o
paciente teria uma demência de Lewy, incurável”. Acrescenta ainda que "não
precisa de qualquer exame para confirmar o seu diagnóstico". Tão grave quanto,
foi sua conclusão de sugerir incapacitar o paciente. Afinal, tratava-se de um
parecer médico ou de uma perícia? Por um triz não afirmou: “É um traste inútil
que não serve para nada”.
CONCLUSÃO
Concluo, portanto, que a avaliação do neurologista Dr. FP, e também as recentes avaliações a que submeteu-se em São
Paulo, com psicólogos e com os neurologistas Drs. P e M, são
desprovidas de méritos, são nulas do ponto de vista médico-legal, posto que o
periciado estava sob efeito de psicotrópicos (Deus sabe mais do quê) e
colinomiméticos, drogas que desde o início dos sintomas da Doença de Parkinson
mostraram-se lesivas ao seu cérebro. Finalmente, sejamos objetivos: que se
mostre de uma vez por todas o laudo histopatológico que confirme a etérea
“Doença dos corpos de Lewy”.
MOSSORO, É O M, 05 de maio de
2017
ANEXOS
Cópias de folhas avulsas do internamento de na Unidade Hospitalar de MOSSORÓ.
Documentos diversos de depoimentos, manuscritos, B.O,
Declarações de renda e outros que tais, inclusive documentos iconográficos, em
pendrive, que demonstram a performance do periciado no convívio social.
sábado, 10 de março de 2018
terça-feira, 6 de março de 2018
O AMOR EM TEMPOS DE GUERRA FRIA
Não sei exatamente quando conheci o Sr. Milton Dario. Ele
era do ramo de medicamentos e amigo do meu tio Ruy Mendonça. Logo soube que ele
tinha umas filhas bonitas. Uma delas, particularmente, mexeu sem cerimônia, com
os meus objetos internos mais profundos. Era uma morena muito inteligente,
bonita, de corpo, a meu ver, que deveria ser a cópia de sua conterrânea
Iracema, “a virgem de lábios de mel” de Alencar.
Gostava de conversar com seu Milton. Ele era um teórico
marxista muito informado. Amigo dos Moreira, convivia com a nata do socialismo
tupiniquim. Ainda hoje, Jailson Boia me diz que seu Milton teria sido o seu
grande mentor. O lendário Jaime Miranda era seu interlocutor habitual. Há
relatos asseverando e testemunhando ambos sentados no meio-fio, em frente à
casa do meu futuro sogro, adentrando-se pelas noites. Não alcancei essa época.
Quando arrastei asas para Nadja, filha mais velha do casal
Inês- Milton, esforcei-me para fazer uma espécie de média ao fingir interesse
pela Intentona de 1935. Na verdade, estava de olho na bela morena de lábios de
fogo. O sogro discutia alguma coisa de política. Se ele tentava me seduzir, me
politizar, perdia o verbo e o tempo, já fazia tempo que conhecia o genocídio
lenin-stalinista. Estava pouco me lixando se o acordo entre Hitler e Stalin era
uma farsa, posto que ninguém confiava em ninguém. A exploração capitalista e a
escravidão comunista se equivaliam. O paredón guevarista-fidelista ainda
ressoava nos nossos tímpanos. Mas era o tipo de papo que eu não queria levar
com o pai da minha paixão.
Não estava a fim de criar área de atrito. Fazia caras e
bocas de indignação pelo que os sórdidos imperialistas americanos estavam
tramando para o Brasil.
Mas meu negócio era outro. Dois objetivos guiavam meus
instintos burgueses. Terminar o meu curso de Medicina e conquistar de uma vez
por todas o coração daquela Iracema da Praça Sinimbu. Imaginem se eu queria
saber se tinha sido Béria, o valet de chambre de Stalin, o grande homicida
soviético. O que eu queria mesmo era manter uma atmosfera de simpatia e ter a
confiança do sogrão de poder sair com aquela menina moça que definitivamente
trucidara a minha adolescente e apaixonada mente. Os primeiros e os últimos
pensamentos do dia eram para Nadja.
O velho Milton, matreiro de tantas guerras, driblava com
maestria os patrulheiros que queriam dar palpites no namoro de sua filha mais
velha, uma menina de ouro que passou a vida escolar obtendo notas que o enchiam
de orgulho. O novo (e único) namorado da Nadja tinha um senão que desagradava
profundamente a militância. Ronald era filho do Zé Lopes, discreto médico de
Bebedouro que tinha um defeito imperdoável: votava nos candidatos da antiga UDN.
Quando interrogado pelos camaradas sobre minhas posições
políticas, seu Milton não se prolongava em detalhes. Simplesmente respondia que
o candidato a genro era um “um liberal-democrata” e mudava de conversa. Quase
cinquenta anos se foram desde aqueles interrogatórios que as esquerdas adoram
fazer. Digo a vocês: em lugar nenhum do mundo eu ia conseguir namorar com uma
comunistinha mais linda que Nadja. Doutra parte, ela jamais teria a seus pés um
burguês que a amasse mais e melhor do que eu.
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