domingo, 25 de novembro de 2018




SONHOS E DORES
 RONALD MENDONÇA – médico e membro da AAL.
                                                                      

SONHOS E DORES

A eleição (e a posse) do poeta Jucá Santos para uma cadeira na Academia Alagoana de Letras resgata uma dívida moral. Com efeito, o eterno presidente da Academia Maceioense de Letras era uma ausência doída na vetusta AAL, uma lacuna que precisava ser preenchida urgentemente. Repito o que alguém disse aos pares, em informal cabala de adesões: “Os velhos têm pressa”. De fato, chega-se a determinados estágios em que praticamente nada pode ser adiado para o dia seguinte. Aos oitenta anos, não há pospores...

Não fora a liturgia do cerimonial, não obstante o inflamado discurso de Ricardo Nogueira, que, em nome da Academia, deu as boas-vindas ao empossado, Jucá Santos tem tanta e tamanha visibilidade no meio cultural da Província que dispensaria a formalidade da apresentação.

Dispenso-me gastar o meu enferrujado latim para dizer que Jucá tem uma respeitável obra literária. “Produto” resultante da mistura de um poeta com uma pianista, trazendo no genoma a imorredoura marca do consagrado avô Cipriano. Está assim explicada a força criativa dessa conspícua figura que há tantos anos passeia entre as musas e as encanta  e seduz.

Quis o destino que no exato dia em que Jucá Santos concretizava o sonho de adentrar-se triunfalmente no oratório literário da Praça Deodoro, uma outra figura despedia-se da vida deixando um legado de coragem e determinação. Falo de Nelson Mandela. 

Em rápidas pinceladas foi traçado o perfil do grande líder, um exemplo para os que se arvoram de líderes e não passam de incorrigíveis picaretas. Presidente do seu país com quase 80 anos de idade, após vinte e sete anos confinado num cubículo de cinco metros quadrados, apesar de comunista, Mandela recusou-se sentar na cadeira presidencial eternamente. O recado foi claro: há prisões em que o sujeito sai maior. A segunda mensagem  é que, mesmo comunista, o cara pode não sonhar com partido único, jornal único e pensamento único. Lições que poderiam inspirar Genoino, Zé Dirceu e companheirada.

Condenado à prisão perpétua, era um comuna que respeitava os antagônicos; que costurou o fim do apartheid com um adversário ferrenho, branco e rancoroso, cinco anos antes de livrar-se das algemas. Feridas da alma (e na augusta fronte) certamente o grande líder as sepultou. Sua digna esposa, recalcitrante, ao chifrar o nosso herói, não tenham dúvidas, magoou o mundo. Sobretudo o masculino.

Não há sonhos sem dores.

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