Não sei exatamente quando conheci o Sr. Milton Dario. Ele
era do ramo de medicamentos e amigo do meu tio Ruy Mendonça. Logo soube que ele
tinha umas filhas bonitas. Uma delas, particularmente, mexeu sem cerimônia, com
os meus objetos internos mais profundos. Era uma morena muito inteligente,
bonita, de corpo, a meu ver, que deveria ser a cópia de sua conterrânea
Iracema, “a virgem de lábios de mel” de Alencar.
Gostava de conversar com seu Milton. Ele era um teórico
marxista muito informado. Amigo dos Moreira, convivia com a nata do socialismo
tupiniquim. Ainda hoje, Jailson Boia me diz que seu Milton teria sido o seu
grande mentor. O lendário Jaime Miranda era seu interlocutor habitual. Há
relatos asseverando e testemunhando ambos sentados no meio-fio, em frente à
casa do meu futuro sogro, adentrando-se pelas noites. Não alcancei essa época.
Quando arrastei asas para Nadja, filha mais velha do casal
Inês- Milton, esforcei-me para fazer uma espécie de média ao fingir interesse
pela Intentona de 1935. Na verdade, estava de olho na bela morena de lábios de
fogo. O sogro discutia alguma coisa de política. Se ele tentava me seduzir, me
politizar, perdia o verbo e o tempo, já fazia tempo que conhecia o genocídio
lenin-stalinista. Estava pouco me lixando se o acordo entre Hitler e Stalin era
uma farsa, posto que ninguém confiava em ninguém. A exploração capitalista e a
escravidão comunista se equivaliam. O paredón guevarista-fidelista ainda
ressoava nos nossos tímpanos. Mas era o tipo de papo que eu não queria levar
com o pai da minha paixão.
Não estava a fim de criar área de atrito. Fazia caras e
bocas de indignação pelo que os sórdidos imperialistas americanos estavam
tramando para o Brasil.
Mas meu negócio era outro. Dois objetivos guiavam meus
instintos burgueses. Terminar o meu curso de Medicina e conquistar de uma vez
por todas o coração daquela Iracema da Praça Sinimbu. Imaginem se eu queria
saber se tinha sido Béria, o valet de chambre de Stalin, o grande homicida
soviético. O que eu queria mesmo era manter uma atmosfera de simpatia e ter a
confiança do sogrão de poder sair com aquela menina moça que definitivamente
trucidara a minha adolescente e apaixonada mente. Os primeiros e os últimos
pensamentos do dia eram para Nadja.
O velho Milton, matreiro de tantas guerras, driblava com
maestria os patrulheiros que queriam dar palpites no namoro de sua filha mais
velha, uma menina de ouro que passou a vida escolar obtendo notas que o enchiam
de orgulho. O novo (e único) namorado da Nadja tinha um senão que desagradava
profundamente a militância. Ronald era filho do Zé Lopes, discreto médico de
Bebedouro que tinha um defeito imperdoável: votava nos candidatos da antiga UDN.
Quando interrogado pelos camaradas sobre minhas posições
políticas, seu Milton não se prolongava em detalhes. Simplesmente respondia que
o candidato a genro era um “um liberal-democrata” e mudava de conversa. Quase
cinquenta anos se foram desde aqueles interrogatórios que as esquerdas adoram
fazer. Digo a vocês: em lugar nenhum do mundo eu ia conseguir namorar com uma
comunistinha mais linda que Nadja. Doutra parte, ela jamais teria a seus pés um
burguês que a amasse mais e melhor do que eu.
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