sábado, 16 de junho de 2012

GENÉTICA, DESTINO E ESPERANÇA
Por: » RONALD MENDONÇA - médico e membro da AAL
Relata a crônica bebedourense que, há muitos anos, frequentava suas rodas de destaque um certo Domingos. Forasteiro, contador de gogas, dizia-se haver lutado na guerra. Sua patente estaria em torno da pré-oficialidade, se é que existe essa condição hierárquica no glorioso Exército Nacional. Como, de fato, manquitolava, não era infrequente vê-lo parado, a exibir heroica e longa cicatriz, estigma indelével da sua bravura. Era um marxista magoado. O tempo encarregar-se-ia de amenizar lembranças de suposto estupro praticado por hordas soviéticas, que por instantes o confundiram com um soldado nazista.

A irreverência bebedourense não perdoava suas descrições mirabolantes dos campos de Itália. Era tido como um dos maiores mentirosos que a região já abrigara. Na realidade, o que a plebe ignara identificava como mentiras, não passavam de delírios. Nosso herói era um paranoide que se recusava a tratar-se. De quando em vez surtava, espancava a mulher e um filho que, por previsível determinismo biológico (a genética), herdara a esquizofrenia paterna. Sentia-se perseguido, achava que os vizinhos o escutavam, reforçava as paredes, punha cadeados fortíssimos no portão de ferro e assim passava dias recolhido. Discretamente, a mulher introduzia na comida remédios que o filho usava e a coisa amainava.

Formado nas baias do quartel, sargento Domingos tinha rasgos de cientista. Julgava-se um profundo conhecedor da psiquiatria. Odiava médicos, sobretudo os raros alienistas existentes. Disparava cartas e telegramas ameaçadores. Um louco asilar de compêndio. Ateu, descia o cacete em Gregor Mendel, o capuchinho que revolucionou a biologia.

Uma tragédia grega o aguardava. Depois de sobreviver às granadas nazistas, o filho desagregado enforcaria o pobre Domingos em plena sesta. Falo de genética - aquele ramo da biologia que procura explicar os porquês das azaradas semelhanças e diferenças entre pais e filhos, sem tirar o olhar de que essa mesma vertente explica os talentos transmitidos por um Érico Veríssimo a seu filho Luiz Fernando. Sim, porque genética não são “somente” as milhares de doenças que se escondem nos emaranhados genômicos dos Domingos da vida. Através deles é que eclodem uma Fernanda Torres, a beleza de uma Ticiane Pinheiro, mas também a deformidade da filha Rafaela. A boa notícia é que a ciência acena com a terapia gênica, arma em gestação que modificará para melhor o destino de milhões de sofredores.

Nenhum comentário: