GÊMEOS
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Pela boca de Ivete Sangalo, a
proxeneta Maria Machadão ensina, ex-cathedra: “Puta que se apaixona é burra”. A
fala compõe a personagem que esculpe a denunciadora obra de Jorge Amado sobre a
vida no sul da Bahia, na fase áurea do cacau. Corolários desse, digamos,
aforismo, é a exigência do pagamento, às vezes antecipado, pelos serviços
recebidos. No caso de horas extras e outros que tais, “chega-se junto” pelos
excessos não previstos. Como propalam os economistas, não há almoços grátis.
Nessa pré-diluviana profissão,
a proibição do beijo na boca é cláusula pétrea. que resistiu aos costumes e
venceu os tempos. A tudo isso se convencionou chamar de código de ética.
Falando de profissões, ganhos,
ética etc, logo me vem a invejável categoria dos políticos. Não sei onde estava
com a cabeça quando me meti a ser médico. Poderia ter sido um advogado bem
sucedido, a exemplo do Dr. Thomaz Bastos.
Como ele, começaria defendendo
gratuitamente presos políticos, prostitutas, batedores de carteira, imaginários
perseguidos, alguns canalhas mais ricos– que ninguém é de ferro... Se o bom Deus
ajudasse, talvez chegasse a ministro da Justiça. Naturalmente, iria me fazer de
morto, fingiria que não faria tráfico de influência. Meu escritório, à sorrelfa,
bombaria.
Deus seria minha testemunha.
Quatro anos de renúncia por amor ao meu país, recebendo migalhas, míseros oito
mil reais. Anos bastante. Livre das peias do cargo, limitar-me-ia a continuar a
influenciar indicações para o Supremo. Um sacrifício horrivel. Seria uma espécie
de Richelieu do reinado petralista.
Claro que, como advogado,
mesmo sendo um ex-ministro da Justiça, não iria me sentir constrangido em
defender horrendos marginais e dar dicas – e até falar com mãozinha na boca.
P.Q.P. com noblesse oblige ! Qual o problema dos meus honorários saírem
da contravenção? Afinal de contas, se fosse depender de homens de bem como
clientes, morreria de fome. Eu queria mais era faturar...
Como queria dizer, na outra
vida voltarei político. É o meu sonho de reencarnação. Lula ou Maluf, tanto
faria. Preferiria ser Lula, um Maluf que chegou à presidência. Passaria oito
anos fazendo de conta que governava alguma coisa. Iria fofocar pra caramba,
tomar muita cana e fumar muito cubano. Antes, esculhambaria com tudo: picaretas
do Congresso, banqueiros, industriais, Sarney, Maluf, FHC, ACM, Serra, Barbalho...
Chegaria ao poder e me
agarraria àqueles caras que eu tanto odiara. No meu governo, meu filho, porteiro de
boate, gênio oculto, seria o quadrado de Bill Gates e Steve Jobs. Como um São
Jorge de Bordel, o mensalão correria solto sob as minhas encanecidas barbas.
Negá-lo-ia até sob tortura.
Sim, faria também uma
sucessora. Deixaria uma corja de conhecidos ladrões nos ministérios. Tudo cobra
criada. Humilharia o câncer, embora a voz minguasse. A radioterapia e as pesadas
drogas para me curar comeriam parte dos meus parcos neurônios. Nada mal. Um golpe de mestre superaria todas as expectativas: cairia no colo de Maluf, a minha encantadora alma gêmea.
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