quinta-feira, 3 de junho de 2010

Anna Bella, uma loucura idealizada

“Simples psiquiatra”, segundo a definição de um sindicalista, o médico que se dedica a essa complexa especialidade é antes de tudo um guerreiro. Falo por vivência própria. Desde a mais remota infância andei por hospitais psiquiátricos. Primeiro, na Casa de Saúde Miguel Couto, em Bebedouro, onde por mais de 10 anos meu pai trabalhou com Mário Morcef, na época o mais famoso. Depois, conheci o Hospital Portugal Ramalho, onde meu pai também militou e chegou a dirigi-lo, substituindo o bonachão Aníbal Sarmento, outro conhecido alienista.
Mas foi a vivência na Clínica de Repouso José Lopes de Mendonça, onde literalmente morei a partir dos meus doze anos, que imprimiu indelével marca, um razoável faro clínico para doença mental, que neste mundo maluco muito me serve para conviver com pessoas, e exercer a minha especialidade não psiquiátrica.
É com este olhar que saio em defesa da especialidade, aqui e acolá desagradando. Fui voz quase solitária insurgindo-me contra uma babaquice que se denominou “luta antimanicomial”, braço psiquiátrico do PT, cavalho de batalha de um bisonho deputado-psicólogo.
Não me arrependo de haver bancado o otário numa sessão pública de cartas marcadas na Câmara Municipal de Maceió, onde vereadores do PT fingiam imparcialidade. Fazia tempo que não ouvia tantas bobagens. Por ironia do destino, um dos mais representativos membros da “luta antimanicomial” em Alagoas tornou-se recorrente cliente de clínicas psiquiátricas.
As reminiscências correm por conta do filme -“média metragem”- do psiquiatra Mário Feijó, exibido há algumas semanas no Colégio Marista. Peça amadorística, familiar, espécie de confraternização de colegas de trabalho e amigos, não obstante, ressalto o esforço de alguns “atores”, sobretudo nas esteriotipias histéricas e neurológicas (discinesias, impregnação neuroléptica, crise convulsiva).
Num clima em que a doença foi tratada com leveza e o hospital quase paradisíaco, recuso-me pensar que se trata de uma peça de propaganda enganosa do governo. Num dado momento, enquanto assistia, fantasiei como seria bom passar uns dias lá internado, sendo tratado por tanta gente dedicada, atenciosa e competente.
No fundo, a licenciosidade poética guarda comovente intenção de transmitir uma imagem idealizada dos frenocômios – satirizados no texto de O Alienista de Machado de Assis – tão vilipendiados através de filmes iconoclastas tipo Estranho no Ninho e Bicho de Sete Cabeças.

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