A CIGANA DO LEBLON
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
A curiosidade fez-me permitir que
uma cigana lesse a minha mão. Tinha menos de trinta anos e tomava chope no
Leblon. Ouvi misérias. Alvo de uma despacho avassalador, estaria vivendo meus
últimos dias. Estava escrito. Uma mulher,
que teria sido negligenciada, era a autora desse vaticínio funesto. Pneumonia
galopante estava a caminho. Com a vida por um fio, tive chance de reverter. Jogaria fora
minha última oportunidade de sobrevivência ao recusar-me pagar uma quantia para comprar cinquenta velas
sete-vidas.
Devia minhas cismas a um conto de Machado de Assis, lido na adolescência. Com efeito, O “Bruxo do Cosme Velho” relata que um sujeito, frequentador dos saraus de um casal, pressentira que a dona da casa, uma jovem senhora de rara beleza, lhe lançava lânguidos olhares, surpreendentes para os modos de uma cortês anfitriã.
Devia minhas cismas a um conto de Machado de Assis, lido na adolescência. Com efeito, O “Bruxo do Cosme Velho” relata que um sujeito, frequentador dos saraus de um casal, pressentira que a dona da casa, uma jovem senhora de rara beleza, lhe lançava lânguidos olhares, surpreendentes para os modos de uma cortês anfitriã.
Nosso herói pertencia ao castíssimo parlamento brasileiro
Ele era místico e republicano, a despeito de amigo pessoal do conde D´Eu.
Como todo político que se preza,
tornara-se íntimo de uma cigana famosa.
Madame X pertencia a uma casta de imigrantes europeus, todos dedicados ao
ofício de encontrar os segredos do passado e os enigmas do porvir decifrando as
reentrâncias anatômicas da mão. Debruçar-se-ia nos cultos religiosos africanos.
Era um plus de garantia para os seus serviços, que, diga-se de passagem, eram
gratuitos. Recebia honorários apenas quando era impelida a eliminar mandingas
que “atarrancavam” a vida de sua seleta
clientela.
Não foi, portanto, sem razão que
o parlamentar consultou a vidente. A
resposta foi clara. Podia ir em frente, a anfitriã estava apaixonadíssima.
Viveria então intenso e profundo relacionamento, até que um dia, teria intuído
que o esposo da amante estava reticente. Afastou-se do casal. Temia escândalos.
Tempos depois, receberia uma
carta de sua amada marcando um encontro no local habitual. Mais uma vez
procurou sua guru. Mostrou-lhe a carta.
Desconfiava que o marido estava por trás daquilo. E mais uma vez, Madame X foi incisiva. Podia ir sossegado viver esse grande amor. Previdente, chegou ao local uma hora antes do combinado. Ao abrir a porta do aposento, foi recebido à bala pelo marido.
Desconfiava que o marido estava por trás daquilo. E mais uma vez, Madame X foi incisiva. Podia ir sossegado viver esse grande amor. Previdente, chegou ao local uma hora antes do combinado. Ao abrir a porta do aposento, foi recebido à bala pelo marido.
Esta semana voltei a lembrar-me
da cigana do Leblon. Derrubado por dupla pneumonia (seria a mandinga?),
maldisse a minha misantropia e o ceticismo por conta de míseras cinquenta velas.
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