NEM NEYMAR
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Forasteiro, contava o que queria. Na verdade, não era isso
que havia planejado para sua vida, mas as coisas foram acontecendo e fugiram do
controle. Reconhecia-se: não era um mau dentista. Embora nada tenha criado,
procurou manter-se razoavelmente atualizado com os avanços da profissão.
Foi pioneiro em tratamento de canal. Lá pelos anos 80, decidiu enveredar para a ortodontia e a
radiologia, outras grandes novidades. Deitou e rolou. Tornou-se uma referência na
Vila Pompeia, bairro de classe média de São Paulo. Era bom em marketing, de
modo que além do boca-a-boca (literalmente) recebia clientes encaminhados por
colegas. Bons tempos aqueles. Sua conta bancária causava inveja e os gerentes ansiavam
sua presença.
O dia mais feliz foi quando conseguiu equipar sua bicicleta
(“a magra”) com o que havia de mais moderno no mercado japonês. Certamente, de
todas as paixões, a sua bike, disparadamente, ocupava o primeiro lugar. Sim, às
vezes também gostava de mulher e de tênis, não negava. Sobretudo quando caladas
e subservientes. Foi um psicanalista que o alertara: sua libido era quase toda
consumida no selim de sua “magra”.
Adorava desconstruir suas ex-companheiras. Ele sentia espasmos gozosos
pseudomelancólicos em afirmar que a mãe das filhas era uma vadia, uma messalina.
Sobre a segunda, cujo relacionamento iniciado nas jornadas de bike fora um
fracasso, espalhou (mas ninguém o levou a sério) que a companheira havia lhe
surrupiado todos os seus bens. Ficara “pobre”. Não dera queixa a Polícia para
preservá-la...
Estava na terceira mulher e de olho na quarta. As
ex-mulheres encarregaram-se de contar como era conviver com um sujeito egoísta,
preocupado com saldo bancário e mais interessado em trilhas de bikes do que nas curvas,
nos vales e nos morros das esposas. Por isso, estenderia seus tentáculos a
territórios que ninguém o conhecesse.
Financeiramente estável, oficialmente, estava vivendo com
uma designer. Já não aguentava mais suas reclamações e vice-versa. Para o
público, a mulher era uma fútil, que só pensava em supérfluos. “Viviam sob o
mesmo teto, mas sem dividir lençóis”.
Agora, no leito do hospital, considerava a possibilidade de
ter pisado em rastro de corno. Preparando-se pra uma longa viagem pelo Vale da
Ribeira, onde tinha uma namorada, sofreu um tombo idiota que resultou em
múltiplas fraturas de costelas e um achatamento de vértebra. Nem Neymar foi tão
azarado.
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