quarta-feira, 9 de julho de 2014

O CADUCEU E A SERPENTE



O Caduceu e a Serpente
Ronald Mendonça
Médico e Membro da AAL
Com o rosto sulcado pelo arado do tempo, tomando emprestado a metáfora de A. Herculano, com as escassas cãs orvalhadas pelas noites de vigília em intermináveis plantões, tenho a convicção  do meu modesto papel, nem por isso desimportante, na comunidade. Afinal, quatro decênios já foram vencidos.
Desnudado das vaidades mundanas, acho que o que se espera do velho esculápio é a infalibilidade. Não é por acaso que médicos encanecidos são convocados para tentar solucionar os casos mais complicados.
Vou repetir: o médico é um dos poucos especialistas nos quais os cabelos brancos conferem  credibilidade  e segurança. Daí, nós encontrarmos veteranos clínicos e cirurgiões com consultórios abarrotados, sem perder um centímetro do prestígio  amealhado.
Não me queixo. Apesar das dores das decepções, nos meus quarenta anos de profissão tenho tido motivos de envaidecer-me e emocionar-me com inesperadas demonstrações de carinho e reconhecimento.
Ainda médico jovem fui agraciado com casos de hérnia de disco que reconheceram absoluto sucesso. Lembro um  deles -tinha trinta e poucos anos- quando fui procurado por um casal de mulheres. Uma das moças tinha dores excruciantes na região lombar.
Concluída a cirurgia com  êxito, dias depois atendi o simpático casalzinho no ambulatório do SUS. Em estado de graça pela melhora das dores, a operada brindou-me com uma inscrição tatuada em dos  punhos. Era o meu nome. Lá está indelével.
 A companheira da minha paciente, uma ex-jogadora de futebol, me traria  algo “picante”. Abro parêntese para dizer que nossas amigas eram habituadas  a comemorar vivências  com tatuagens. Uma delas, romance outonal, tivera um caso tórrido com uma decadente e medíocre cantora de rock. Parece ter sido algo arrebatador.
Como recordação daqueles tempos, conserva carinhosamente,  nas nádegas, tatuagens dos Beatles “chapados”. A cantora amava mesmo a caderneta de poupança da namorada, os jantares caros, os vinhos encorpados, as roupas de grife e os motéis de primeiro mundo. A roqueira era mais exigente e caprichosa do que amante argentina.
O fato é que nossa amiga surpreendeu. Sem que tivesse dado qualquer pista do que se tratava, para gáudio das torcidas do Flamengo e do Botafogo, a ex-jogadora exibiu, de inopinado, próximo à prega inguinal, a tatuagem representando um caduceu envolvido por uma serpente. Hipócrates iria se assustar com a exótica homenagem.

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