sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A ÚLTIMA HOMILIA DA CATEDRAL


A ÚLTIMA HOMILIA DA CATEDRAL

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Há alguns anos,  entusiasmei  um tio a comemorar o seu aniversário. Afinal, não é todo dia que alguém consegue completar oitenta anos. No nosso caso, essa  razoável longevidade é irisada pelo fato de – talvez – carregarmos algum gene manco e preguiçoso  que nos impede de caminharmos nesse vale de lágrimas por mais tempo.

O velho tio organizou uma festa bonita e tudo levaria a crer, pelo vigor daquele momento, que finalmente aquele gene miserável estava definitivamente preso e amordaçado. Doce ilusão! O sonho de chegar aos noventa não resistiria a uma prosaica diarreia. Com a genética não se brinca.

Longe de mim  genéticas mágoas. Até pelo fato de haver vencido a barreira de seis decênios sem muitos sustos. Evitando foguetes, nesse janeiro comemorei o aniversário lavando o espírito com um belo  livro de memórias.  Lamentei não ter tido tempo de cumprimentar o autor, meu ilustre colega de Academia Alagoana de Letras, Humberto Gomes de Barros.

A ingratidão é um dos mais graves defeitos.. Talvez por isso haja no inferno uma coleção de suplícios especiais para esses espíritos canalhas. É justamente por isso que me apresso a agradecer Sexta-Feira 13 – Setembro de 1957, generosamente doado pelo irmão do autor, o médico Arnoldo G. Barros.

Juiz Federal e Ministro do STJ, filho de um deputado, HGB é testemunha quase ocular do atentado contra o pai, no famigerado tiroteio na Assembleia Legislativa de Alagoas, em 1957. É um banho de História.  Além de dissertar sobre fatos relevantes que culminaram no processo de impeachment contra o governador Muniz Falcão, o autor revela particular sensibilidade ao se fixar nos tipos humanos e nos costumes que marcaram a Província naquele período.

Populares quase esquecidos são alvos de suas análises. Negra Odete, a sensual e inesquecível orientadora sexual dos meninos da Avenida... O temido regateano Mário Braga, versão alagoana do João Valentão de Caymmi,  desaforado e terno, a ensaiar passos de rumba com famosa dançarina... Papa-Capim, o jornalista cara de pau que o introduziu na casa de Abraão Moura sendo divinamente recebido por D. Alaíde Moura...

Em meio ao desmantelo da política, Gomes de Barros, como que aliviando as dores, disseca o puteiro de Jaraguá. Ponto de encontro das elites culturais e políticas, no velho “Duque de Caxias”, conversava-se sobre tudo, “até sobre a última homilia da Catedral”.

 

 

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