A ÚLTIMA HOMILIA DA CATEDRAL
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Há alguns anos, entusiasmei um tio a comemorar o seu aniversário. Afinal,
não é todo dia que alguém consegue completar oitenta anos. No nosso caso,
essa razoável longevidade é irisada pelo
fato de – talvez – carregarmos algum gene manco e preguiçoso que nos impede de caminharmos nesse vale de
lágrimas por mais tempo.
O velho tio organizou uma festa
bonita e tudo levaria a crer, pelo vigor daquele momento, que finalmente aquele
gene miserável estava definitivamente preso e amordaçado. Doce ilusão! O sonho
de chegar aos noventa não resistiria a uma prosaica diarreia. Com a genética
não se brinca.
Longe de mim genéticas mágoas. Até pelo fato de haver
vencido a barreira de seis decênios sem muitos sustos. Evitando foguetes, nesse
janeiro comemorei o aniversário lavando o espírito com um belo livro de memórias. Lamentei não ter tido tempo de cumprimentar o
autor, meu ilustre colega de Academia Alagoana de Letras, Humberto Gomes de
Barros.
A ingratidão é um dos mais graves
defeitos.. Talvez por isso haja no inferno uma coleção de suplícios especiais
para esses espíritos canalhas. É justamente por isso que me apresso a agradecer
Sexta-Feira 13 – Setembro de 1957,
generosamente doado pelo irmão do autor, o médico Arnoldo G. Barros.
Juiz Federal e Ministro do STJ, filho
de um deputado, HGB é testemunha quase ocular do atentado contra o pai, no
famigerado tiroteio na Assembleia Legislativa de Alagoas, em 1957. É um banho
de História. Além de dissertar sobre
fatos relevantes que culminaram no processo de impeachment contra o governador
Muniz Falcão, o autor revela particular sensibilidade ao se fixar nos tipos
humanos e nos costumes que marcaram a Província naquele período.
Populares quase esquecidos são
alvos de suas análises. Negra Odete, a sensual e inesquecível orientadora
sexual dos meninos da Avenida... O temido regateano Mário Braga, versão
alagoana do João Valentão de Caymmi, desaforado
e terno, a ensaiar passos de rumba com famosa dançarina... Papa-Capim, o
jornalista cara de pau que o introduziu na casa de Abraão Moura sendo
divinamente recebido por D. Alaíde Moura...
Em meio ao desmantelo da política,
Gomes de Barros, como que aliviando as dores, disseca o puteiro de Jaraguá.
Ponto de encontro das elites culturais e políticas, no velho “Duque de Caxias”,
conversava-se sobre tudo, “até sobre a última homilia da Catedral”.
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