RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Quando meus pacientes me regalam
com um mimo, mesmo os mais singelos, agradeço a generosidade e lembro o velho
pai. Com efeito, doutor Zé Lopes, também
curtia ser presenteado. Havia alguns que eram particularmente bem vindos, como
galinhas de capoeira, perus e (menos frequentes) carneiros.
Meu pai trazia no DNA as marcas
do menino de engenho. Decididamente, não puxei a ele. Detesto cachorros. Não
gosto do cheiro, das lambidas, das tentativas mastubartórias nas pernas... Os grandes metem medo e os pequenos são um
saco.
Odeio gatos. Manhosos e traiçoeiros,
esses felinos só têm alguma graça na
televisão. Além das antipatias pessoais viscerais e irreversíveis, como os
cachorros e os pombos (e os papagaios e periquitos) são transmissores de
doenças. Tudo bem que os seres humanos também transmitem doenças – mas o
contato é inevitável.
Não obstante, criei vários cães.
Até rothweiller. Tive um pastor alemão. Era o xodó dos meus filhos pequenos.
Noblesse oblige, participei de concursos onde o meu pastor foi premiado. Com um
pedigree de dar inveja aos Bourbons, meu King do Castelo de Prata tinha doença
genética gravíssima. No auge da juventude tornou-se paraplégico.
Relação mais duradouro e íntima
ocorreria com um poodle. Artur, nome dado por minha filha, tinha lá seus encantos. Contudo, as velhas manias de esfregar-se nas pernas era
uma dos seus pontos altos. Com muito esforço tentei condescender.
Num supremo despojamento, dava
uma volta na rua com ele. De palmo em palmo, Artur parava, farejava os pés dos
coqueiros e levantava a patinha traseira naquela conhecida postura. Dava uma
seringada e partia para outra. Havia todo um ritual para a defecação: agachado,
rodava sobre o seu eixo duas três vezes até eliminar alguma coisa parecida com
dejetos.
Que o ecologista Lulinha Filho me
perdoe: Artur tinha traços obsessivos compulsivos. Ao chegar em casa, mal
liberto da coleira, corria para o sofá e
despejava, incoercível, todo seu conteúdo represado. Uma bagaceira. O bom
Deus ouviria nossas preces. A idade avançada, doenças na próstata e outros que tais, em boa hora, tiraram o cãozinho do nosso convívio.
Deus ouviria nossas preces. A idade avançada, doenças na próstata e outros que tais, em boa hora, tiraram o cãozinho do nosso convívio.
Ninguém é completamente mau. Na
minha casa de Ipioca crio fantásticos animais: cágados. Passo meses sem vê-los.
Nossos esporádicos e silenciosos reencontros são sempre carregados de fortes emoções.
Qualquer palavra ou gesto quebraria o encanto do momento.