sábado, 30 de novembro de 2013

ETERNOS ÍDOLOS


ETERNOS ÍDOLOS

RONALD MENDONÇA

 MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

 Ídolo da minha  distante adolescência/juventude, fico feliz em saber que o Zé tem saúde de touro reprodutor. Um gigante. Diria mais, a caminho da justa imortalidade.

A tristeza  é saber que Genô foi condenado por uma falta que não cometeu. Sim, porque o mensalão nunca existiu. É invenção dessa direita asquerosa. Todos sabem que aquelas assinaturas que o meu eterno guerrilheiro postou nos empréstimos fajutas com a Visa foram de brincadeirinha. JG tinha a garantia dos companheiros de que aquilo não iria sair da honrada sede do partido. Na minha modesta opinião,  alguém, sorrateiro e maldoso, entrou nos arquivos do PT e entregou os documentos secretos justamente a outro injustiçado, o ítalo-brasileiro Henrique Pizzalotto, outra das grandes reservas morais do País.

Vivemos num país em que ninguém confia em mais ninguém. Urge que se diga que há pessoas, milhões de cidadãos, que confiam na coragem, integridade, na honestidade, sobretudo na saúde de ferro do revolucionário. A satisfação de saber que Genoíno está na “ponta dos cascos”, pronto para novas incursões em busca do verdadeiro socialismo, nos enche de esperança. Ainda mais porque  fora submetido à delicada cirurgia comandada por uma equipe de cubanos. Segundo dizem, a mesma que agora devolve a saúde perdida aos alagoanos.

Por fim, é preciso que se reafirme com todas as letras e de uma vez por todas: Genoíno nunca pretendeu implantar uma ditadura comunista. Desde sempre foi um democrata. Avesso a violências, suas armas resumiam-se a um canivete suíço.  Detesta, como seus companheiros de guerrilha, partido único. O pluralismo de ideias é o seu forte. Jamais, ele e seus fieis amigo, pensaram em derrubar o “milico de plantão” e colocar um ditador comuna no seu lugar.

Falo desse estupendo vulto da História do Brasil e logo me vêm figuras não menos grandiosas. A começar por Paulo Maluf. Preso, cerca de dois anos atrás (por engano!), numa monstruosidade jurídica (tal qual a prisão de Genoíno e Zé Dirceu), o marido de Sílvia entrou em deplorável estado. Quem não se lembra? O país comoveu-se com a saída de Maluf do presídio. Um caco humano! Meu Deus! Como alguém pôde definhar em tão poucos dias?

 Duas semanas depois, eis que Maluf é fotografado com a alegria de um angorá no cio, gordo e corado, na condição de um dos homenageados do Festival de Inverno de São José dos Campos.

Alá é bom. 

 

sábado, 23 de novembro de 2013

O LÁPIS


O LÁPIS

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

E. Lisioff  não mais suportava tanta angústia. Estava certo de que um corpo estranho, entalado no seu tubo digestivo,  seria a causa de todos os sofrimentos físicos e morais. Já não conseguia se concentrar. Professor de economia na famosíssima Heidelberg, misturava alhos com bugalhos. No transtornado cérebro do delirante, os pioneiros fisiocratas franceses confundiam-se com os psiquiatras Kraepelin e Kretschmer. Nutria particular desprezo por K. Jaspers, seu colega de instituição.

 Um  lápis, supostamente alojado na alça sigmoide, tornar-se-ia a razão e o porquê da existência do maluco economista. Luterano inarredável, estava convicto de  que um complô, liderado pela Igreja Católica (“o papa em pessoa”), pela  burguesia e pelos psiquiatras da prestigiosa escola germânica, havia executado esse ato de “vandalismo sexual”, aproveitando um dos tantos momentos de contumaz bebedeira. Dormindo profundamente, nu, tal qual um Noé embriagado, seus orifícios naturais estariam vulneráveis a “leviandades e canalhices”. “Que mundo! Nem dormir despido o cidadão tinha mais direito”.

Percorreu a Europa em busca de solução. Embora sucessivos exames radiológicos negassem a existência do corpo estranho, exigia ser operado. Antiamericano, comunistóide, ainda assim esteve em Baltimore, com o célebre cirurgião Halsted. Saiu esculhambando com o homem: de insensível capitalista a burguês posudo. Ficou irritado porque pagou a consulta “para nada”.

Fracassariam seus  apelos ao espiritismo. O exotismo o levou ao candomblé baiano. Quase à socapa, teria vindo a Maceió. Consultou-se com o jovem cirurgião germanófilo Clemente Mariano que, sem mais rodeios, recomendou-lhe procurar um psiquiatra. Quem sabe,  até o Dr. Freud. “Não sei o porquê dessa insistência. Está mais do que comprovado: o senhor não tem lápis coisa nenhuma na sua barriga; estava bêbado e alguém deve ter introduzido outro elemento. Botou e tirou. Lápis é que não foi. Aprenda essa lição: um homem de bem (e precavido!) não dorme nu, seu Lisioff”, sentenciou, severo.

Doutor Clemente prosseguiria: “Retorne a  sua terra. Perdoe os chifres que sua mulher plantou na testa  e volte para ela. Deixe de beber. Está provado que a bebida não lhe faz bem. Sobretudo, não durma sem roupa”.  “Talvez, Dr. Freud consiga tirar essas ideias malucas da sua cabeça”. O alemão, que desde sempre odiava psiquiatras, quis malcriar-se, mas encontrou no reimoso alagoano osso duro de roer...  É! Talvez o lápis não fosse apenas um lápis...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

ESCOLAS


ESCOLAS

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Recuso-me aceitar que Paulo Salim Maluf seja o mais execrável dos políticos do Brasil.  De tanto pegarem no pé do pobre homem, ele terminou sendo condenado. Acho que Maluf vem de uma grande escola, a de Ademar de Barros, célebre político paulista cujo lema era” “rouba, mas faz”. Há uma grandeza moral nessa afirmativa. Só comparável a de Luiz Inácio sobre o caixa dois: “faço o que todos fazem..."

Falo de grandeza moral e me vem na lembrança que em 1986, um grupo de médicos entrou com uma queixa contra o Estado de Alagoas.  A reclamação parecia justa: desde 1978 plantões extras a cada cinco semanas eram dados na Unidade de Emergência e os “patrões” “ fingiam” que não deviam ser pagos.

A questão era indiscutível. (Havia até uma escala comprovando!) Cobrou-se, através do Tribunal do Trabalho, o pagamento desses plantões. Tão logo a demanda chegou ao órgão devedor, a direção decidiu acabar com os “furos” e os plantões extras passariam a ser ou pagos através de folhas suplementares, ou , de forma mais radical: decidiu-se pela não existência de plantonistas.

Em 2008, tudo parecia convergir para o esperado pagamento das dívidas. Afinal, vinte e dois anos  haviam se passado. Uma surpresa processual  os aguardava. Uma causa que começara e terminara no mesmo dia, com as mesmas cargas horárias, mesmas funções, os mesmos salários..., eis que foi descoberta descomunal e incompreensível diferença de valores de  até trezentos por cento entre os requerentes.

Naturalmente, que as partes menos contempladas protestaram. A tendência seria de uma revisão do processo. Urgia esclarecimento. O desfavorecido queria igualar-se aos outros. Finalmente, prevaleceu o bom senso: as quantias recebidos pelos reclamantes seriam divididos, igualmente,  independentemente dos valores atribuídos individualmente, tão logo o pagamento fosse repassado pelo TRT. Havia o temor de uma demora de mais trinta anos com uma nova revisão do processo. Por isso a opção.

Os interessados (médicos e idôneos) assinaram um contrato, reconheceram as respectivas assinaturas e registraram o acordo em cartório. Um fato singular merece registro. Um dos signatários, justamente o mais beneficiado pelo esdrúxulo cálculo, teve um acesso de honradez. Garantiu aos presentes que uma vez sua palavra empenhada, não precisava  de nenhum documento escrito para cumpri-la. Claro que ninguém acreditou. Ele assinou e sua firma foi reconhecida em cartório.

Chegou, enfim, o grande dia. Presentes os três no TRT. Vinte e sete  anos  distanciavam-se daquela tarde  em que jovens esculápios desafiaram  os poderosos . Repassados os valores pelo TRT, não houve decepções. Os mais aquinhoados negaram-se a cumprir o acordo assinado e registrado em cartório. O tal do “acesso de honradez” falou fino e melou as calças. Não surpreenderam. Já se esperava que eles assim procedessem. Maluf e Lula dominaram suas almas e rifaram suas honras.

domingo, 10 de novembro de 2013

NOVEMBRO DE 1999


NOVEMBRO DE 1999

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

O ano de 1999 começaria, como sempre, com renovadas esperanças de saúde física  e paz espiritual. Que a família permanecesse unida. Minha mãe já se fora. Que o velho pai – um guerreiro tenaz – embora adoentado,  continuasse na sua jornada. Na visão de filho, muitas vezes, o afeto especial que lhe dedicava me fazia crer (em conflito com a realidade) que ele dobraria a doença.

Meus três filhos, universitários, estavam em etapas diferentes. Era o tempo da espera do Eclesiastes. A companheira, médica, competente e mãe diligente,  também punha em marcha projetos paulatinamente concretizados. Já “com o rosto sulcado pelo arado do tempo”, mantinha-me com certo  vigor para coordenar uma disciplina na universidade,  tocar um ambulatório no MS, fazer consultas e cirurgias. Exibia  sintomas de uma doença incurável: “intelectualismo”.

Nunca tive sobras financeiras, apesar de alguns amigos  julgarem o contrário. Um mais afoito, desafiava-me confessar onde eu “escondia” o dinheiro. Vezes houve em que me senti compelido a apontar o local exato do cofre: justo num monossilábico recôndito da sua anatomia.

Novembro de 1999 começou sombrio. No dia dois, meu pai deixou de tossir. Mudei a rotina dos meus sábados. É que nos últimos anos, regularmente, eu os passei em sua companhia. Não resistia quando ele telefonava: “Rapaz, que horas você chega? Os bifes à milanesa e o  charque ficaram bons. A cerveja está no ponto...” O conteúdo dos nossos bate-papos está sendo  recontado aos meus descendentes e aos que se interessam por conversas entre dois velhos amigos que se queriam bem. Por coincidência, pai e filho.

Fora de Maceió, 13 dias depois, nossas cabeças explodiriam com a notícia das mortes dos meus dois filhos mais velhos: Lavínea e Roninho, ocorridas uma dia antes, na nossa própria casa.  Foram gratuitamente agredidos por um animal travestido de empregado doméstico. Lavínea, acuada pelo marginal, assistiu ao assassinato do irmão, que, mal desperto, tentara se defender. Para a esquerda mais sanguinária foi o “redespertar” da luta de classes, uma vitória do proletário explorado em cima do patrão explorador.

Foram mortes construídas por várias mãos. Por Olímpia, uma ex-patroa e íntima do assassino, uma escroque intrujona que receptava objetos e valores surrupiados da minha casa. Por um militar do glorioso Exército Brasileiro, que forneceu a arma do crime. E pela loja Colt 45, que absurdamente vendeu a caixa de balas que matou meus filhos.

UN CIERTO CAPITÁN LIMA


Un cierto Capitán Lima

Ronald Mendonça

Médico e membro da AAL

Fora eu  terrorista, espalharia aos ventos um texto atribuído a Alexandre Garcia, um dos âncoras da Rede Globo. Não tive boa impressão do comunicador. Ainda nos tempos da ditadura, tempos do general  Figueiredo, AG publicou um texto na finada Manchete que era uma lamentável “ puxação” de saco da primeira dama. Ao longo dos anos, acho que ele se redimiu, credenciou-se  como idôneo.

O fato é que, nos últimos dias, circula na internet o assustador “Por onde andas Izabel?”  Naturalmente, a “Izabel” é a princesinha que assinou a Lei Áurea, em 1888, pá de cal na escravidão negra no Brasil. Por tabela, segundo alguns historiadores, o atestado de óbito da monarquia brasileira.

“Por onde andas Izabel” são comentários sobre a importação de médicos cubanos pelo governo brasileiro. O autor evita exprimir juízo sobre a qualidade profissional. Também passa ao largo do estupro das leis que regem o exercício da medicina. Na verdade, o texto mira numa questão que nossos esquerdistas, tão ciosos na observância dos direitos trabalhistas, cegaram. Digamos que são vítimas de uma coletiva alucinação negativa.

Sorridentes, com cara de quem vendem saúde, os felizes médicos cubanos aqui apearam sem lenços, sem documentos, em pleno sol de setembro. Não têm passaportes. Não pagarão impostos. Não receberão dinheiro diretamente do “patrão”( governo brasileiro),  não têm CPF, RG... Impedidos de circular livremente, são comparados, guardadas as proporções, a escravos (voluntários?). A vida é cruel: namorar só daquela forma adolescente -talvez como gratidão - mirando o penteado novo de madame Dilma. Com as famílias reféns na temida ilha, sem planos B, apenas um quarto do salário lhes chegará aos bolsos. E por aí vai o texto de Garcia. A cumplicidade brasileira é caso para Ministério Público.

Escrevi demais sobre um tema que não me toca diretamente. É que os velhos têm pressa. Seu balaio de frutas está quase no fim. As restantes devem ser minuciosamente degustadas. Por isso, propus ao temporão escritor Carlito Lima nos encontrarmos mais. Mesmo com ele ocupado em lançar, na Bienal, Confesiones de um Capitán Brasileño, versão hispânica que bombou em Portugal e em Frankfurt.

De olho no Quixote do terceiro milênio, a Bienal, uníssona, pergunta: Que seriam dos domingos alagoanos (e do mundo) sem as saborosas crônicas de CL? E o que seria da cultura alagoana sem o otimismo da FLIMAR?