sexta-feira, 29 de agosto de 2014

DE VOLTA AO MAR DE LAMA

DE VOLTA AO MAR DE LAMA
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
O amor dos comunistas a Getúlio Vargas poderá ser compreendido a partir da Síndrome de Estocolmo. Segundo a doutrina que tenta explicar a “Sindrome” (paixão que o humilhado desenvolve pelo opressor) seria um mecanismo psicológico complicadíssimo que envolveria temor, submissão e, finalmente, identificação/empatia com o elemento agressor.
Todos sabem que foi durante a ditadura Vargas que pessoas do quilate de Graciliano Ramos, Sebastião da Hora, dentre outros, sofreram irreconciliáveis humilhações com encarceramentos, torturas psicológicas  e outros que tais. A outros cidadãos, mesmo estrangeiros, o aparato policial-repressivo liderado por Filinto Muller, foi reservado tratamento brutal somente repetido nas mais ferozes ditaduras. Inclusive na ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964.
Muller tinha uma diferença pessoal com Carlos Prestes, o grande líder comunista da época. Estranhavam-se. Trocavam farpas que variavam de roubo a homossexualismo. Quer parecer ingênuo afirmar que Vargas ignorava o que se passava nos porões de sua ditadura. O “Pai dos Pobres” e  a “Mãe dos Ricos” era combatido pelas esquerdas e pelos movimentos de direita. Mesmo assim ficou no poder 15 anos.
Carlos Prestes encenaria um episódio de beija-mão  público com Getúlio Vargas que as pessoas normais têm dificuldades de entender. Sobretudo, depois de escorraçado e de ter sua companheira, a judia-alemã Olga Benário,  entregue de bandeja aos nazistas de Hitler. Olga estava grávida, supostamente do próprio Prestes, o que torna o ato mais abominável. Benário era uma terrorista caçada pelos alemães. Vargas flertava com Hitler. Aliás, outros líderes também flertavam com o bigodinho alemão, inclusive o bigodudo ditador russo Stalin.
 Diferentemente de Dilma Rousseff, que não pode ir a lugar nenhuma que recebe vaias (“da elite branca”), Getúlio Dornelles Vargas era amado. Tanto que, cinco anos após ser defenestrado, voltaria glorioso nos braços do povo. O “Velho”, como era carinhosamente tratado, era carismático. Em 24 de agosto de 1954, o gesto extremo do suicídio o purificaria de todos os excessos cometidos.

É querer torcer a história afirmar-se que quem matou Getúlio foi a UDN, Carlos Lacerda e outros “comparsas”. Com efeito, no mandato presidencial regularmente eleito, as vagabundagens  governamentais eram denunciadas. O “Mar de Lama” que cercava o presidente era simbolizado por Gregório, seu guarda-costas, e pela família. O envolvimento do próprio filho cobriria o velho estancieiro de incoercível vergonha.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

ESCORÇO HISTÓRICO DA CONTEMPORÂNEA NEUROCIRURGIA ALAGOANA



ESCORÇO HISTÓRICO DA CONTEMPORÂNEA NEUROCIRURGIA ALAGOANA
Ronald Mendonça
Neurocirurgião da Santa Casa. Membro da AAL
Há 42 anos, o Dr. Abynadá Liro, caruaruense de nascimento e alagoano por opção emigrou para nossa cidade. Na mala, a firme vontade de exercer a Neurocirurgia. Até 1972, ano de sua chegada, sofrer um Traumatismo Cranioencefálico em nosso Estado era uma tragédia. As doenças neurológicas eram quase desconhecidas, enigmáticas, carregadas de tabus.
Na enfermaria da Santa Casa, praticamente morador do Hospital, havia um paciente  com  Mal de Parkinson. Com efeito, o Sr. Izídio era a pièce de résistance da Neurologia acadêmica. "Ensinou" a várias gerações de médicos.
 Abynadá arregaçaria  as mangas. Foi para a emergência  do HPS da Dias Cabral. Entrou na Ufal e na ECMAL e destacou as patologias mais frequentes. Doenças como Epilepsia, Cefaléia e AVC passariam a ter abordagem científica organizada. Os portadores de tumores cerebrais não precisavam mais transferir-se para outros Estados. Finalmente, a Neurologia era exercida por alguém do metier.
Izídio receberia alta melhorado, até porque a levodopa foi descoberta e a doença foi desmistificada.
A Santa Casa passaria a ser o bunk do Prof. Abynadá. Em 1977 juntei-me ao professor. Nos anos 80, a Neurocirurgia ampliaria seus quadros com a chegada de outros colegas neurocirurgiões. Extraordinário salto de qualidade, um Tomógrafo Computadorizado foi adquirido. Diagnósticos precoces e precisos  passariam a ser feitos. Na realidade, o Tomógrafo mudou a feição da Neurologia no mundo todo.
Pouco tempo depois, graças à obstinação da equipe de Neurocirurgia, a Santa Casa seria  pioneira na aquisição de um aparelho de Ressonância Magnética.  Embora sem o impacto da Tomografia, a chegada da Ressonância foi um salto com vara em direção `à perfeição estética.
 Antes disso, em 1978, aportaria na Santa Casa a primeira equipe de cirurgia cardíaca. Tomamos carona no bonde dos cardiologistas, sobretudo em relação à UTI e à angiografia seriada por cateterismo. Foi uma proveitosa  troca .Ensinamos a Neuroradiologia aos hemodinamistas a  eles faziam os exames para nós. Os biológos chamam essa colaboração em dupla via  de simbiose. Os rapazes aprenderam rápido. Em breve estavam dando laudos sem nossa ajuda.
 Não se pode falar em Neurorradiologia e na história da Neurocirurgia em Alagoas sem mencionar o saudoso Prof. Eduardo Jorge Silva. Chefe do Serviço de Radiologia, criativo, na época em que fazíamos as angiografias puncionando as artérias no pescoço, ele bolaria um escamoteador de três filmes. Eduardo Jorge foi fundamental como mentor e avalista na aquisição de novas tecnologias. Um sonhador que viu seus sonhos tornarem-se realidade.

Nesse escorço histórico, assinalamos que o Dr. Abynadá continua  no exercício da Neurologia Clínica. Um grande desfalque: em pleno fastígio profissional, declinou de operar.  Sem dúvidas, a semente plantada pelo caruaruense frutificou  e espalhou-se pelo Estado. Talvez já tenhamos 20 neurocirurgiões ocupando não só os grandes hospitais de Maceió e também nas principais cidades do interior.
No ano passado tivemos a lúcida iniciativa de comemorarmos os quarenta anos de Neurocirurgia em Alagoas. Exercendo uma natural liderança pela indiscutível experiência e capacidade dos seus quadros neurocirúrgicos, a Santa Casa de Maceió reuniu especialistas renomados e realizamos um encontro científico de gala.
Alagoas pode se orgulhar:  a nossa equipe de Neurocirurgia da Santa Casa contabiliza cerca de quinze mil neurocirurgias nesses 42 anos. É uma cifra que deixa  os visitantes impressionados. A fila anda. A mais nova aquisição da Neurocirurgia da bicentenária instituição foi um potentíssimo  microscópio cirúrgico. Os astronautas da Nasa estão loucos de inveja.

Nesta sexta-feira (08/08/2014) , repetimos a dose de esbanjamento científico. Com o apoio moral do CRM,  convidados de todos os rincões do País estiveram presentes em mais um encontro, debatendo a Neurocirurgia contemporânea sem perder de vista o que nos espera nos próximos anos. O local escolhido não poderia ser mais significativo: o auditório da própria Santa Casa. Nesse jaez, o neurocirurgião Prof. Aldo Calaça, um dos delfins da Neurocirurgia alagoana,  foi incansável na organização do evento.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O FILME SOBRE NISE DA SILVEIRA

O FILME SOBRE NISE DA SILVEIRA

Meu querido irmaozinho Carlito Lima vc sabe o quanto eu o prezo. A emoção de um grande filme faz, às vezes, visualizarmos genocidas (Stalin, Hitler, Mao e tantos outros) como pessoas boníssimas incapazes de fazerem mal a um pinto. Não é o caso, evidentemente, de nossa conterrânea. Pelos depoimentos, estou convencido da sua doçura. Era tímida e edulcorada. Franzina, amava gatos. Incentivou uma prática centenária na psiquiatria, a terapia ocupacional ou praxiterapia. Descobriu alguns talentos entre aqueles milhares de internados no complexo psiquiátrico do Engenho de Dentro. Seu método nunca curou ninguém. Como cientista (não queria dizer isso) foi catastrófica. Ao desprezar o eletrochoque mostrou todo o seu nanismo científico. Se ela fosse ouvida, milhares de pacientes deixariam de se beneficiar com esse tratamento. Também teria demonstrado sua desaprovação pela lobotomia.
 O eletrochoque continua sendo usado, meu caro irmãozinho. Imagine vc, como exsoldado, resolver ir a uma guerra e esquecer da pistola ds balas... A lobotomia foi abandonada tão logo os neurolépticos foram descobertos. Não dependeu, portanto de nossa ilustre conterrânea. Não discuto sobre a injustiça de sua prisão. A única crítica que lhe faço é pelo fato de horrorizar-se com uma crise convulsiva (que os eletrochoques produziam) e ignorar os milhões de assassinatos perpretados pelo regime que sonhava. Mas nesse quesito ela não está sozinha.

Não quero aborrecê-lo com minhas palavras. Só quero concluir dizendo que um simples comprimido de haldol é mais benéfico para um psicótico de que milhares de pincéis e latas de tinta. Num país de tão poucos heróis, daqui a pouco vão fazer um filme enaltecendo a guerrilheira Stela e justificar os assaltos a bancos e a casas de família como provas de um coração generoso. Será mais uma benfeitora da humanidade protagonizada pela excelente Glória Pires. Chorarei lágrimas de esguincho.

O PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO

O PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO
RONALD MENDONÇA
MÉDICO. MEMBRO DA AAL

Eram vizinhos e criavam cachorros. Os vizinhos davam-se bem, os cachorros nem tanto. Disputavam quem latia mais alto... Eram cães de guarda enormes. Feras temidas em toda redondeza. Podia-se dizer sem exageros: foram treinados para matar.
 Os donos os amavam quase como filhos. Quando os donos estavam em casa eles lhes faziam companhia, assistiam TV juntos. Os indóceis animais  viravam dois gatinhos dengosos quando eram acariciados. Eram cenas que emocionavam os corações mais empedernidos.
Um dia (há sempre um dia), num cochilo da vigilância, as feras se encontraram no meio da rua. Luta de titãs. Engalfinharam-se em confronto mortal. Um dos donos chegou em casa quando já havia um morto e outro razoavelmente machucado. Consternado e constrangido, resolveu ligar para o vizinho.
- Meu amigo estou muito triste, na verdade é um dos dias mais tristes da minha vida. Não sei como lhe dar a notícia... O meu cachorro acaba de matar o seu cachorro...
 A resposta do amigo foi medonha:

 - Vou para casa agora mesmo. Isso não vai ficar de graça. Vou descarregar minha automática na cara desse fp. Não admitirei sua interferência, a não ser que queira  entrar também no pacote do revide.
-Companheiro vizinho, desculpe, fique calmo, você não entendeu. O SEU cachorro é que matou o MEU cachorro...
-Ah! cara, que susto você me deu. Desculpe aí o meu rompante... Você sabe... São irracionais, instintivos, agressivos, viviam marcando território... Qualquer hora iria acontecer uma desgraça. Me diga, caro amigo, o meu cãozinho está muito ferido? Seu cachorro não era fraco, hein? Lindo. Uma pena... Posso ajudar em alguma coisa?
Na luta insana entre palestinos e judeus, luta visceral, por espaços, luta de cachorros grandes, cada lado acha que tem todas as razões do mundo. Os palestinos, menos treinados e menos equipados estão levando a pior. Cotejam-se as perdas. No lado palestino, só civis. O Hamas não tem exército. Qualquer morte é civil. No lado judeu, poucos civis, apesar de toneladas de bombas enviadas. Interceptadas no ar, viram fogos de artifício.
O sentimento geral é de revolta. Quando as pessoas condenam o massacre judeu, são curtidas no facebook. Ai de quem pondera. Quando incluem nos comentários a derrubada do avião civil  por separatistas ucranianos, já não merecem ser curtidos. No máximo um kikikiki como resposta. Patrulhamento é fogo.

A CIGANA DO LEBLON

A CIGANA DO LEBLON
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
A curiosidade fez-me permitir que uma cigana lesse a minha mão. Tinha menos de trinta anos e tomava chope no Leblon. Ouvi misérias. Alvo de uma despacho avassalador, estaria vivendo meus últimos dias.  Estava escrito. Uma mulher, que teria sido negligenciada, era a autora desse vaticínio funesto. Pneumonia galopante estava a caminho. Com a vida  por um fio, tive chance de reverter. Jogaria fora minha última oportunidade de sobrevivência ao recusar-me  pagar uma quantia para comprar cinquenta velas sete-vidas.
Devia minhas cismas a um conto de Machado de Assis, lido na adolescência. Com efeito,  O “Bruxo do Cosme Velho” relata que um sujeito, frequentador dos saraus de um casal,   pressentira que a dona da casa, uma jovem senhora de rara beleza, lhe lançava lânguidos olhares, surpreendentes para os modos de uma cortês anfitriã.
Nosso herói  pertencia ao castíssimo parlamento brasileiro Ele era místico e republicano, a despeito de amigo pessoal do conde D´Eu.
Como todo político que se preza, tornara-se íntimo de uma  cigana famosa. Madame X pertencia a uma casta de imigrantes europeus, todos dedicados ao ofício de encontrar os segredos do passado e os enigmas do porvir decifrando as reentrâncias anatômicas da mão. Debruçar-se-ia nos cultos religiosos africanos. Era um plus de garantia para os seus serviços, que, diga-se de passagem, eram gratuitos. Recebia honorários apenas quando era impelida a eliminar mandingas que “atarrancavam” a vida de  sua seleta clientela.
Não foi, portanto, sem razão que o  parlamentar consultou a vidente. A resposta foi clara. Podia ir em frente, a anfitriã estava apaixonadíssima. Viveria então intenso e profundo relacionamento, até que um dia, teria intuído que o esposo da amante estava reticente. Afastou-se do casal. Temia escândalos.
Tempos depois, receberia uma carta de sua amada marcando um encontro no local habitual. Mais uma vez procurou sua guru.  Mostrou-lhe a carta.
Desconfiava que o marido estava por trás daquilo. E mais uma vez,  Madame X foi incisiva. Podia ir sossegado viver esse grande amor. Previdente,  chegou ao local uma hora antes do combinado. Ao abrir a porta do aposento, foi recebido à bala pelo marido.

Esta semana voltei a lembrar-me da cigana do Leblon. Derrubado por dupla pneumonia (seria a mandinga?), maldisse a minha misantropia e o ceticismo por conta de míseras  cinquenta velas.