domingo, 19 de maio de 2013

CONSELHOS DE UM VELHO NEUROCIRURGIÃO


Conselhos de um velho neurocirurgião

Ronald Mendonça

Médico e membro da AAL

Um jovem colega, sofrendo com alguns insucessos, estaria disposto a largar a neurocirurgia. A mortalidade elevada em determinadas patologias, como no trauma de crânio, estavam-no perturbando. Revi-me 40 anos atrás, residente do Hospital do Servidor de São Paulo, escutando iguais angústias. Nosso professor, eleito o oráculo para as ansiedades do iniciante, foi contundente.

 “Meu filho,” disse ele, “sendo materialista, não vou me violentar e encher sua cabeça de que Deus projetou o seu destino para salvar vidas. Você é jovem, ainda tem condições de mudar de especialidade. Aqui mesmo no hospital,” continuou, “há várias especialidades em que o contato com pacientes é mínimo. Algumas bastante atrativas, inclusive do ponto de vista financeiro. Lembro, no entanto, que a neurocirurgia, sem ter o glamour (e o retorno pecuniário) da cirurgia plástica, é excitantemente desafiadora”.

“Você terá a oportunidade de escutar seus pacientes em consultas, muitos deles sem diagnóstico. Formulará   hipóteses diagnósticas, que serão comprovadas ou não através de exames. Você medicará e, se necessário, fará cirurgias. Os cuidados continuam, no pós-operatório e nos ambulatórios ou consultórios. Na verdade, meu jovem, é um vínculo que poderá durar toda uma vida, enquanto você ou seu paciente estiverem vivos. Os anos de exercício da profissão lhes dará maturidade e confiança. Lembre-se: você não é Deus, muito menos seu enviado.”

“Como ia lhe dizendo, aqui no hospital treinam-se especialidades em que o médico não tem o estresse do convívio com o paciente, nem a responsabilidade de execução do tratamento. A impessoalidade é a marca. Nem por isso são menos importantes. Esqueça os suplícios da pediatria e da obstetrícia. Se sua angústia for decorrente das “chateações” com as demandas diuturnas (naquela época não existia celular) dos doentes, recomendo dedicar-se a exames de laboratório. Seja um patologista; vá, debruçado madrugada a dentro, esmiuçar lâminas de peças cirúrgicas, penetrar na intimidade das inquietações celulares.”

“Especialidade interessante,” continuou o chefe,  “é a radioterapia. Nessa área jamais terá seu repouso ou lazer interrompidos. “Máquinas e protocolos pré-estabelecidos trabalharão por você. Basta saber  ler,” exagerava. “ A não ser que crie para si uma biografia, uma fantasia, seu sofrimento é zero. Até porque, em caso de êxito letal, só saberá quando  o cliente deixar de comparecer às sessões; ou então pelos jornais, em notas fúnebres.”

“A  dura vida do neurocirurgião,” dissertava com entusiasmo,” poderá ser trocada, com alguma vantagem, pela ortopedia, um dos mais antigos ramos da medicina. Se pretende deixar a neurocirurgia e encarar a dureza óssea, lembro um detalhe: para evitar tragédias, só intervenha na coluna vertebral com um neurocirurgião perto de você.”

“Finalmente, e sem deméritos: se quer continuar lidando com o ser humano, mas nunca dele ouvir elogios ou reclamações, faça medicina legal.”

Nenhum comentário: