domingo, 30 de setembro de 2012

LOUCURA SOCIALIZADA




Em imperdível entrevista para a revista Veja da semana passada, o poeta Ferreira Gullar
resumiu seus pontos de vista com invejável objetividade. Ex-militante moderado da esquerda
e carregando a cruz de dois filhos esquizofrênicos, um deles já falecido, certamente, os
patrulhadores de plantão vão esculhambar o pobre velho. Falando sobre os hospitais
psiquiátricos, resume sua revolta ao conceito de que "pais de doentes mentais internam seus
filhos para deles livrarem-se", conclui: "... esse pessoal pretende amar meus filhos mais do
que eu ..."

O grande vate referia-se à ideia de acabar com os hospitais psiquiátricos. Politicamente
orientado pelo PT, um projeto conhecido por "Lei Delgado" seria, no início deste século,
praticamente aprovado por unanimidade. Ai daquele que ousasse discordar. Clima de
felicidade se espalharia entre psicólogos, progressistas, pacientes e familiares que não
aceitavam sua condição de psicóticos.

A sexóloga Marta Suplicy tinha espasmos de satisfação. Mais uma Bastilha havia sido demolida
pela força do povo. Era a vitória do proletariado sobre essa asquerosa elite de exploradores -
os donos de hospitais. De repente, qualquer babaca se julgava um expert em condições de opinar. Lembro de um comunistóide, médico, ocupando posto no CFM, sem conhecimento de causa, jurava
que os hospitais psiquiátricos eram servis à ditadura. Garantia haver tortura. O eletrochoque
era sinônimo de pau de arara. Não havia negar: os hospitais psiquiátricos eram réplicas
pioradas dos temíveis gulags soviéticos.

O rolo compressor dos progressistas ignorou a posição dos professores de psiquiatria. Àquela
altura, as mágoas de um psicopatão de Curitiba, alçado símbolo da iconoclastia psiquiátrica,
tinham mais peso que os argumentos dos mais renomados cientistas.

O fato é os hospitais privados, para os doentes do SUS, estão funcionando de teimosos.
Salvo aqueles do Estado, que não pagam impostos, não têm compromissos nem com a folha
de pagamentos, tampouco com alimentos e remédios. O valor da diária é humilhante. De
honorários médicos acachapantes

Poucos ainda falam em fechar hospital psiquiátrico. Conforma-se o Ministério da Saúde
em asfixiá-lo com um pagamento vil. Enquanto isso, aumenta a demanda de pacientes com
planos de saúde. Uma curiosidade a registrar: por ironia do destino, parentes de ilustres
antimanicominialistas - quando não eles próprios - têm apelado para os humildes préstimos
dos antigos torturadores.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

TORCIDAS DE SONHOS APLAUDAM, TALVEZ...

Torcidas de sonhos aplaudam talvez...


Ronald Mendonça

Médico e membro da AAL



Ao interpretar a Balada número 7, o cantor Moacir Franco seria alvo de ódio narcísico de uma colega, a sambista Elza Soares. É que Garrincha, o lendário 7 do Botafogo e da seleção brasileira, ex-companheiro da consagrada cantora, está inteiro na comovente canção, que, aliás, receberia magistral tratamento na voz de outro ícone da MPB, ninguém menos que Noite Ilustrada.

Na realidade, ela e nosso Garrincha, na época já em franca decadência, insustentável nas suas pernas cansadas, carcomidas por graves artroses, alcoólatra irrecuperável, ambos inconformados, tentavam esculpir uma ilusão de que seria possível triunfal retorno aos estádios. A balada sepultava o sonho.

Relembro da poesia do suposto autor, o desconhecido Alberto Luiz, temendo cumprir o mesmo destino de Moacir Franco, que praticamente sumiu do mapa, como cantor, desde o entrevero com Elza.

É que velhos atletas, no caso, ultrapassados homens públicos, também estão se apegando aos gramados da política. Não querem largar o osso, viciados em esquemas de patrimonialismo. Sentem falta dos conchavos, nostalgias das benesses.

Quer parecer penoso viver-se como um cidadão comum: dar expedientes, ser cobrado pelo desempenho, receber um salariozinho safado ao fim do mês, suportar aporrinhações de toda sorte e, sobretudo, ter responsabilidade civil pelos atos.

O exemplo de José Serra, em São Paulo, é o mais emblemático, não obstante longe de ser o único. Serra – a meu ver, um enjoado – como político não se enquadraria dentre os piores. Poderia ter ido mais longe, não houvesse a infelicidade de enfrentar uma pedreira, o Lula. Embora com chances de ir para o segundo turno, seu alto índice de rejeição é um urubu que selou a sua sorte.

Carcomido pelo câncer de laringe, por químio e radioterapia, fisicamente decrépito, voz cavernosa, Deus Lula é outro que teima em permanecer jogando. Arrogante, mantendo distância de peias morais e éticas, tem sido melancólica sua presença nos programas eleitorais. Cancros morais corroem sua biografia. Comparsas e amigos de outrora fazem revelações que o emudecem. Não por acaso, em São Paulo e em outras grandes capitais, seus degradados afilhados estão vazando pelo pito.

Por aqui, o estimado alcaide Cícero perdeu a humildade, sua marca registrada. Com curioso pedantismo, fala de si na terceira pessoa. Um Apolo capaz de eleger um poste. Desde que esse poste não tenha nome.







sábado, 15 de setembro de 2012

AMA DE LEITE

AMA DE LEITE


RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Não fui contemporâneo das lutas de Monteiro Lobato pela nacionalização do petróleo, nas décadas de 30 e 40 do século passado. Nacionalista empedernido, certamente não foi essa sua mais importante bandeira. Com efeito, ainda muito jovem o autor de Reinações de Narizinho herdou do avô uma gleba de terra. Promotor público ficaria revoltado com a apatia do nosso campesino - fato que atribuiu a nossa ascendência miscigenada. Chegou a publicar contundente artigo no jornal O Estado de São Paulo "denunciando" nossa condição de inferioridade, digamos, "genética".

Algum tempo depois, o grande escritor (na época ainda não era) retratou-se num texto histórico em que reconhecia o erro de sua avaliação. Na verdade, o que considerava indolência geneticamente transmitida, não passava de graves distúrbios orgânicos causados por infestação crônica de parasitos de todas as denominações, decorrente de nossas precárias condições higiênicas, do nosso abissal analfabetismo. Nossos caboclos eram reservatórios, melhor dizendo, eram verdadeiros jardins zoológicos ambulantes.

Estava aí o ambiente perfeito para o surgimento do personagem Jeca Tatu. Mais tarde, essa figura ganharia ainda maior evidência com os caderninhos produzidos pelo Laboratório Fontoura, centuplicando a venda do lendário "Biotônico Fontoura", o elixir apontado como o responsável pela saúde do Jeca.

Os livros de Monteiro Lobato marcaram a minha transição para a adolescência. Admito que não me deixei seduzir pelas traquinagens de Emília, muito menos impressionar pelo singular intelectual Visconde de Sabugosa, um leitor compulsivo que armazenava letras no seu interior. Viajei absorto com toda a "família" do Pica-Pau através da Mitologia, antes tomando um banho de civilização pela Grécia de Péricles. Quanta saudade de Lobato, da adolescência e de Narizinho.

Tia Anastácia, a negra que compunha o universo lobatiano, me era particularmente cara. Companhia indefectível de Vó Benta, imensa nas formas e no conteúdo, Anastácia lembrava-me minha babá Adelaide, nas horas vagas, pressurosa ama de leite. Abro parêntese para dizer que Adelaide foi minha cliente na universidade. Nas aulas práticas de neurologia, fazia enorme sucesso ao anunciar aos alunos sua condição de "ex-babá" do professor. Tinha pejo em declinar sua outra função.

Descobriu-se que as obras de Monteiro estariam contaminadas, consumidas por nefasto preconceito racial. É o politicamente correto.





sábado, 8 de setembro de 2012

ENSAIO SOBRE A HONRA E A GRATIDÃO


ENSAIO SOBRE A HONRA E A GRATIDÃO

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

 

 

Inesperado round envolvendo os ex-presidentes Fernando Henrique e Lula ganhou uma certa notoriedade na imprensa.  FHC, como é conhecido, assinou um texto publicado no Globo e no Estadão em que faz referência, dentre outras coisas, ao nanismo moral do governo que o sucedeu, cujo fastígio teria se materializado no mensalão.

 A reação foi dura e na mesma altura. Segundo os defensores ad hoc do ex-metalúrgico, Lula foi um grande estadista, um emérito administrador, que recebeu o País falido, anérgico, com inflação em dois dígitos, pendurado no cadafalso do FMI. Uma bagaceira. Nada funcionava. Para completar, duas desgraças emolduravam os oito anos de FHC: um mensalão (considerado o “pai” do atual) para comprar parlamentares para a emenda da reeleição e a entrega das riquezas nacionais ao horrendo e insaciável capital estrangeiro. Entreguistas, impatrióticos, os leilões teriam sido de cartas marcadas, e a preços de banana.

O fato é que ninguém sabe (nem o Delfim) o que seria do Brasil sem Lula, aliados e companheiros. Sinto calafrios ao imaginar uma nação literalmente desamparada não fora a mão forte e heróica do inigualável combatente  Zé Dirceu, de um estrategista com as qualidades de um Genoíno, dos sábios conselhos do professor Delúbio, de um Silvinho Land Rover... Felizmente, da pífia administração de FHC sobraria Valério, exemplo de financista e publicitário, reforço que seria capital nos rumos da administração pública.

 O que seria de Vera Cruz sem o endosso dos fios do bigode  de um Zé Sarney, sem as comoventes cirurgias e a proverbial honestidade de Roseana Sarney? Sem o Lobão (um dos maiores especialistas do planeta), Orlando Silva e o Barbalho, cujo  PhD em rãs é um orgulho nacional? Não quero esquecer do Lulinha Júnior – um gênio que jazia em estado larvar na portaria de um zoológico – descoberto graças a Deus e ao governo petista. Sim, porque Lulinha (nosso B. Gates), salvo do obscurantismo, tem lugar reservado no Panteão, ao lado de Graham Bell, como um  dos grandes benfeitores da humanidade. Por isso, o justo e súbito enriquecimento do garoto.

Lula foi vilipendiado. Sua honestidade, sobretudo sua ética, ilumina os caminhos mais tenebrosos. Farol dos homens de bem, nunca nesse conspurcado torrão havia desabrochado flor mais pura. Daí nossa não mais digna presidente expedita acorrer em defesa de sua inatacável honra. Ainda existem pessoas gratas. Fora a Dilma, enumero pelo menos três: Lewandowsky, Toffoli e Maluf.

sábado, 1 de setembro de 2012

0 PAÍS TEM PRESSA

 




O PAÍS TEM PRESSA
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Apagou-se a estrela de João Paulo, esperança de gol das hostes esquerdistas. Com ele, dividirão cela Valério, Pizzolato e algumas pilombetinhas. Como ficou provado, nada havia contra sua pessoa. Sim, que raio de país é esse no qual o sujeito não pode pedir a sua doce e ingênua companheira, aproveitando ida ao banco para pagar carnê da Sky, para pegar um troquinho de cinqüenta mil reais?
O julgamento do mensalão – ou, se quiserem, o esquema de apropriação ilegal do dinheiro público para cobrir “gastos de campanha” e outros que tais – mostrou uma verdade irrefutável: não basta a Pesidência nomear ministros. Há que se nomear, não juízes de carreira, mas lacaios invertebrados e pervertidos, de preferência militantes da nobre causa.
A propósito, consta que, num comovente desabafo étnico, nosso ético ex-presidente Lula Silva teria confessado sua decepção com o “negro complexado e ingrato”, que vem a ser o raquiálgico ministro-relator Joaquim Barbosa. Segundo o mesmo comentário, Barbosa estaria querendo aparecer, farejando mais uma capa de Veja, "a infame e golpista publicação pequeno-burguesa a serviço do capital estrangeiro e da CIA”.
Nem tudo está perdido, quando resta uma esperança. O jogo pode virar. Até o final do julgamento, nossa douta presidente terá chance de preencher duas vagas no STF. Embora não seja do ramo, disponho-me a tirar alguns nomes da cartola. Aqui mesmo, em Alagoas, há candidatos com perfis morais de tal magnitude que jamais deixariam amargurado o coração do nosso íntegro ex-presidente.
Pessoalmente, custa-me crer no mensalão. Nesse aspecto estou em ótima companhia. “God” em pessoa, Kakay e outras feras do Direito, incondicionais defensores dessa canalha, também botam fé de que tudo não passa de invenção da mídia. De igual modo, recuso-me a acreditar que o PT, a exemplo do finado PFL, estaria em vias de mudar de nome. É que a simples menção da sigla tem causado repugnância. Hoje, seu maior trunfo é a coligação com o Maluf.
A grande verdade é que está havendo uma perda de tempo. Como diz o candidato, o Brasil tem pressa. Foi justamente pensando nessa velocidade que o governo destinou aos despreparados, apenas, a metade das vagas nas universidades federais.
Data vênia, a douta presidente foi de uma humildade tibetana. Até porque, como o insuspeito Belluzo defendeu em brilhante artigo, uma vez que todo mundo vai ficar desempregado, é absolutamente irrelevante para um desocupado saber ler ou escrever.