RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Armas dos covardes e despeitados, a difamação, a calúnia e a injúria ganharam novas ferramentas. Dos clássicos cochichos ao discurso público, tudo vale quando se quer denegrir a honra de alguém.
A carta anônima, com letra modificada, foi substituída por textos digitalizados. Correios e telégrafos tornaram-se obsoletos com a revolução da internet. E-mails com pseudônimos, panfletagens apócrifas em bares e assembleias e até pichações em paredes fazem parte do arsenal do difamador. Sem falar em rádios, jornais, revistas e TV...
A difamação é um crime que mira a moral e a honra alheias. Mais grave quando gratuita. Pior na eventual possibilidade do deliquente esconder-se sob o manto de uma doença mental. E no entanto a Justiça parece leniente, indiferente...
Lembro Glorinha, casadoira jovem pilarense do início do século XX. O pai, conceituado e pacato médico do interior, cultivava pimenteiras. Era uma referência na área, mantendo correspondência com os centros mais desenvolvidos do planeta.
Eis que uma estranha figura, alienígena, funcionário dos telégrafos, imiscuir-se-ia na vida da comunidade. Logo o sujeito se revelaria detentor de inesgotável repertório de histórias ouvidas alhures.
Num dado momento, o forasteiro engraçou-se pela bela Glorinha, que lhe sorriu mas o descartou. Rancoroso, sem provas, movido por vil sentimento, entre um papo e outro, foi chamando a atenção para suposto romance da jovem com o velho pároco, um negro alforriado.
Os comentários chegariam aos ouvidos dos pais. Uma hecatombe! É que as infâmias, mesmo as mais improváveis, há sempre alguém a dar-lhes crédito.
Ainda que sem culpas, Glorinha recolheu-se envergonhada. Perdeu o viço. Tuberculose galopante sobreveio-lhe cruel. Em meio a hemoptises encontraria forças para enforcar-se.
Imaginem uma cidade consternada, acompanhando o enterro, a população revezando-se nas alças. Até o telegrafista participou do rodízio. Concluída a inumação, um grupo de amigos insistiu com o difamador para um passeio no campo. Não tardou o pai de Glorinha receber em casa uma encomenda inusitada: numa caixa de sapato, uma língua humana ainda palpitando. No fundo, um bilhete: “Que fazemos com isso?”
Suspirando fundo, o velho médico arrastou-se até o quintal. Colheu as pimentas mais picantes, acondicionando-as ao macabro troféu. Antes de fechar a caixa e devolver ao portador, rabiscaria no mesmo papel: “Guarde no ânus do rapaz.”
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