domingo, 29 de julho de 2012

FILETE DE ÁGUA LIMPA EM ESGOTO

domingo, 29 de julho de 2012


UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA


FILETE DE ÁGUA LIMPA EM ESGOTO
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL



Sociólogos, articulistas, psicanalistas, teóricos, curiosos e outros palpiteiros vêm se debruçando sobre o reincidente fenômeno de atiradores eventuais – geralmente jovens e americanos, talvez psicóticos- lançarem-se incoercíveis contra aglomerados humanos.
O último, universitário, fantasiado de Coringa, conhecido vilão das aventuras do Batman, invade uma sala de cinema e, movido por inexplicável ódio, dispara contra a plateia.
Meses atrás, na Escandinávia, um outro maluco, em nome de uma facção extremista, horrorizou o mundo com ação superponível. Embora não seja nossa praia, creio que há uns dois anos, no Rio, um sujeito foi morto pela polícia depois de invadir uma escola pública e matar algumas crianças. Como detalhe, relembro o ridículo show de caras e bocas protagonizado, na ocasião, pelo governador Sérgio Cabral, amigo de fé de Fernando Cavendish, sócio de Cachoeira.
Não existe consenso quanto às origens dessas transgressões. O colunista da Folha de SP Ruy Castro, por exemplo, relaciona os fatos à exposição de cenas cada vez mais violentas nos filmes de Hollywood. Aliás, nada escapa. Os chamados desenhos animados infantis são de uma agressividade estarrecedora.
Eduardo Bonfim, dentre outros, atribui os paroxismos de violência, não tanto às facilidades com que por lá se adquire uma arma. Para o articulista da Gazeta, a essência estaria na cultura da nação, individualista, consumista, frustrada, teoricamente envolvida por espantoso espírito belicoso e fracassado imperialismo. Certamente seriam mais um sinal da iminente falência do capitalismo.
Louvo a boa fé dos evangélicos que receitam para a barbárie a ingestão de água de Saron, enquanto os orientais recomendam banhos de Ofurô. No entanto, tudo indica que é a Psiquiatria quem tem as melhores soluções: internação prolongada e tratamento com Haldol.
Feridas narcísicas difíceis de sarar, o fato é que não deixa de ser um paradoxo que tais tragédias recorram numa sociedade pacífica, democrática, rica, organizada e ordeira.
Cada um com a sua dor. É para alguns dias o início do julgamento do Mensalão, um dos maiores esquemas de corrupção do país. Os réus são a casta ou aliados do mais ético dos partidos políticos, agremiação que, segundo jargão dos próprios afiliados, “não rouba, nem deixa roubar”.
O partido seria “o filete de água limpa no cano do esgoto”, pela irônica analogia do Roberto Jefferson, pivô das denúncias e um dos principais acusados.

sábado, 21 de julho de 2012

GLORINHA, O RAPAZ, A LÍNGUA E A PIMENTA




 
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL



Armas dos covardes e despeitados, a difamação, a calúnia e a injúria ganharam novas ferramentas. Dos clássicos cochichos ao discurso público, tudo vale quando se quer denegrir a honra de alguém.
A carta anônima, com letra modificada, foi substituída por textos digitalizados. Correios e telégrafos tornaram-se obsoletos com a revolução da internet. E-mails com pseudônimos, panfletagens apócrifas em bares e assembleias e até pichações em paredes fazem parte do arsenal do difamador. Sem falar em rádios, jornais, revistas e TV...
A difamação é um crime que mira a moral e a honra alheias. Mais grave quando gratuita. Pior na eventual possibilidade do deliquente esconder-se sob o manto de uma doença mental. E no entanto a Justiça parece leniente, indiferente...
Lembro Glorinha, casadoira jovem pilarense do início do século XX. O pai, conceituado e pacato médico do interior, cultivava pimenteiras. Era uma referência na área, mantendo correspondência com os centros mais desenvolvidos do planeta.
Eis que uma estranha figura, alienígena, funcionário dos telégrafos, imiscuir-se-ia na vida da comunidade. Logo o sujeito se revelaria detentor de inesgotável repertório de histórias ouvidas alhures.
Num dado momento, o forasteiro engraçou-se pela bela Glorinha, que lhe sorriu mas o descartou. Rancoroso, sem provas, movido por vil sentimento, entre um papo e outro, foi chamando a atenção para suposto romance da jovem com o velho pároco, um negro alforriado.
Os comentários chegariam aos ouvidos dos pais. Uma hecatombe! É que as infâmias, mesmo as mais improváveis, há sempre alguém a dar-lhes crédito.
Ainda que sem culpas, Glorinha recolheu-se envergonhada. Perdeu o viço. Tuberculose galopante sobreveio-lhe cruel. Em meio a hemoptises encontraria forças para enforcar-se.
Imaginem uma cidade consternada, acompanhando o enterro, a população revezando-se nas alças. Até o telegrafista participou do rodízio. Concluída a inumação, um grupo de amigos insistiu com o difamador para um passeio no campo. Não tardou o pai de Glorinha receber em casa uma encomenda inusitada: numa caixa de sapato, uma língua humana ainda palpitando. No fundo, um bilhete: “Que fazemos com isso?”
Suspirando fundo, o velho médico arrastou-se até o quintal. Colheu as pimentas mais picantes, acondicionando-as ao macabro troféu. Antes de fechar a caixa e devolver ao portador, rabiscaria no mesmo papel: “Guarde no ânus do rapaz.”

Nenhum comentário:


Postar um comentário





domingo, 15 de julho de 2012

PLANOS DE SAÚDE

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA




PLANOS DE SAÚDE

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Numa involuntária moção ao 14 de julho, como um horrendo Danton ou um simulacro
do "incorruptível" jacobino, a cabeça de Demóstenes Torres rolou após inúteis vesperais verborreicos.Uma pena que por trás daquela máscara de probidade se escondesse figura tão tinhosa. Seu substitutojá chega irisado por desairosos comentários que incluem relação promíscua com a contravenção atéirreparáveis desgostos, como a perda da bela e sensual esposa, justamente para Cachoeira. É a síntese doParlamento brasileiro. Sai um sujo, entra um mal lavado. Será que um dia ainda teremos saudades doDemóstenes ¿

Quem também teve uma cólica de eficiência foi a Agência Nacional de Saúde ao punir planos de
saúde, inclusive nossa Unimed. Sem olhar para o próprio rabo, a ANS castigou a chamada Saúde
Complementar, mise en scène midiático, com direito a ministro da Saúde. No fim, ficou a impressão deque algumas empresas deixaram de ser incluídas.

Até o início dos anos 1990 não atendia por convênios. O empobrecimento da classe média e o descasocom a Assistência Médica, dentre outros, jogariam parte da população no colo dos planos de saúde.

Assim filiei-me a esses famigerados intermediários. Com a Hapvida tive dissabores que me impeliram a solicitar o desligamento. Não suportei assistir à reincidência de meus doentes neurocirúrgicosserem transferidos para Fortaleza. Fui objetivo: sem sofrer da "síndrome do colonialismo científico" e despidode arrogância, fiz ver que os anos de ensino e de exercício da medicina me conferiram um grau dematuridade profissional para não admitir ingerências maliciosas no meu ofício. A mocinha do convêniopareceu-me convencida, mas na primeira oportunidade aplicou-me a mesma rasteira...

O convênio Bradesco é quase sui generis. Além de pagar merreca, como todos os outros, de súbito
resolveu alijar a Santa Casa da parceiria nas cirurgias de coluna. Decisão inusitada e pouco explícita,
posto que, até onde sei, esse dado só é revelado no instante em que o incauto usuário precisa desse
tipo de intervenção, criando uma situação vexatória para todos.

O fato é que os convênios adorariam que as cirurgias e os exames complementares tivessem parado na década de 1970. Alguns querem impor aos seus usuários materiais cirúrgicos do mesmo naipe que osdo "bandejão" do SUS. Ora, ora, o contribuinte faz um esforço tremendo para fugir do SUS e na hora deuma cirurgia, o engraçadinho do convênio quer enfiar material de discutível confiabilidade...

sábado, 7 de julho de 2012

PIONEIRISMO: 40 ANOS DE NEUROCIRURGIA
Por: » RONALD MENDONÇA – médico e membro da AAL.
Vivíamos as expectativas da conclusão do curso, quando um grave acidente na Fernandes Lima deixaria em coma Mário Dias Martins, nosso colega de turma. Constatado o TCE, o jeito foi apelar para os neurocirurgiões de Pernambuco. Não havia medidas heroicas. Apesar da esforçada assistência, na realidade superando as limitações técnicas, nosso colega partiria mais cedo. Hoje, talvez a história pudesse ter tido um final feliz.

É de se imaginar que vários episódios de igual teor poderiam ser contados. A boa notícia seria a chegada do jovem

neurocirurgião Abynadá Liro, no alvorecer de 1972, disposto a encarar os encantos e as imensas dificuldades do pioneirismo.

Com efeito, tabus precisavam ser quebrados, até o detalhe da personalização das ciências neurológicas, de há muito divorciadas da Psiquiatria, mas que a Província insistia em mantê-las unidas. Como curiosidade, registro que o mais requisitado psiquiatra de Alagoas, na época, era um conhecido neurologista radicado em Recife.

De volta ao torrão cinco anos ausente, penso que também contribuí nesse mister, ao ingressar no magistério, nas disciplinas de Neurologia da Ufal e da ECMAL, onde o professor Abynadá era o coordenador.

Dividimos tarefas no HPS da Dias Cabral, atendendo tudo que se referisse à Neurologia e à Neurocirurgia. Da enxaqueca aos mais severos traumas de crânio, passando pelos TRMs e AVEs. Nunca a tragédia de Sísifo se encaixaria tão bem.

A já centenária Santa Casa de Maceió seria o nosso bunker, nau que jamais abandonamos. Ao todo são 40 anos de neurocirurgia. Sem a atual parafernália, envolvíamo-nos com os exames complementares (alguns já abandonados), pessoalmente realizando angiografias, pneumoencefalografias, mielografias etc.

A evolução foi natural. Às vezes aos saltos, como na chegada do tomógrafo computadorizado, ampliando horizontes; e também surpreendentes, como nas imagens geradas por um aparelho de ressonância magnética. A neuronavegação está sendo rotineira. A meta é o Pet Scan.

O tempo passou num piscar de olhos. Encanecidos, não obstante atuantes, avaliamos, de forma modesta, quantos procedimentos a Neurocirurgia da Santa Casa já realizou.

Pioneiros nas cirurgias da coluna vertebral (traumas, hérnias de disco, tumores e deformidades), por exemplo, aí contabilizamos cinco mil operações! Não por acaso, ainda hoje, na vetusta instituição da Dias Cabral, a Neurocirurgia é responsável por 97% desses procedimentos.