segunda-feira, 15 de setembro de 2014

DE PESSOAS E CÃES

DE PESSOAS E CÃES
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Muito longe do “Animal político´ - terminologia tão a gosto de esquerdistas e conservadores, também acompanho o desenrolar desse novo pleito que se delineia alvissaro para boa parte da população. Quando criança, embora sem candidato formal, ficava grudado ao pé do rádio ouvindo “a marcha das eleições”, boletim que tinha em Haroldo Miranda o âncora perfeito.
Depois de tantos anos “ligado” em eleições fico pensando se têm razão os que dizem que os políticos dividem-se em duas metades: “os que comem e os que querem comer”. Aceite-se ou não, há um evidente cansaço popular que se projeta nos índices de reprovação dos institutos de pesquisa. O modelo errou muito. Por isso a insatisfação
Mas em meio ao caos administrativo que povoa os setores mais caros à população, nossa pequenina Alagoas pode se orgulhar dos seus parlamentares. Quero acreditar que Tavares Bastos e Sinimbú ficariam envaidecidos pelo alto nível moral das nossas casas legislativas. Com efeito, esses dois monarquistas, que se digladiavam reunidos em grupos denominados “Lisos” e “Cabeludos”, foram exemplos de firmeza de caráter. Tudo a ver com a nossa bancada.
Maceió nos meados do século XVIII viveria intensos embates entre os dois grupos que muitas vezes fugiam do campo das ideias e descambavam para as agressões físicas. O bairro de Bebedouro seria palco privilegiado dessas escaramuças, que no frigir dos ovos pouco produziram. Eram monarquistas versus monarquistas.
Falo de Bebedouro e de momentos políticos e me lembro do Rex, o cachorro que me atormentou a infância. Um vira-lata, Rex, teve seus momentos de glória. Era um policial miscigenado, de abundante penugem negra e extremamente desobediente. Latia com estranhos, o que parecia ser uma característica aceitável. Nas inúmeras brigas entre os irmãos, Rex se agitava, latia, rosnava e, finalmente, tentava interferir na contenda. O problema era que o cara só mordia a mim. Um detalhe nos entristecia: não era tão valente nas disputas com outros cães. Certa ocasião, cobrir-nos-ia  de particular vergonha: o cão do jornalista e político JA, com quem meu pai mantinha insalubre distanciamento, deu uma montada por trás no Rex, à moda dos cachorros. Por tudo,  creio que ele não nos orgulhava. Talvez essa seja uma das razões que me fazem manter prudente distância de todo ser que rosna, late e às vezes morde.



sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A CURA DA MEGALOMANIA

A CURA DA MEGALOMANIA
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Tinha 12 anos quando a minha família foi viver num hospital psiquiátrico. Não há muitas experiências semelhantes no mundo. Quero acreditar que a convivência diuturna com portadores de distúrbios mentais não tenha nos tornado mais ou menos “loucos” em relação à média das pessoas ditas “normais”. Adquirimos um feeling, um faro para identificar malucos a quilômetros de distância.
Se nos primórdios o envolvimento familiar restringia-se a auxiliar administrativo e a “agitador esportivo”, ao ingressarmos na Faculdade de Medicina a participação teria contornos mais “profissionais”, digamos assim. Orientados por nosso pai, aprendemos a ouvir os pacientes e a escrever o que nos era dito. A doutrina da “irrefutabilidade” dos delírios e alucinações nos psicóticos foi uma das primeiras lições.
Nas anamneses é que desvendávamos o móvel que tinha levado aquelas criaturas a procurarem auxílio num hospital psiquiátrico. De fato, não havia convencimento. O padecente estava certo de um complô entre seu vizinho e sua mulher e nada o convencia da inverosimilhança. Seus pensamentos eram lidos por todos... Americanos ou russos iriam invadir o País a qualquer momento...
Dias depois éramos surpreendidos. Submetidos a tratamento com neurolépticos ou eletrochoque, aquelas inquebrantáveis certezas haviam se desmanchado no ar como os sólidos de Marx. Convicções inabaláveis transformavam-se em meras desconfianças, quando muito. A esposa era recebida com alegria. Até o vizinho era alvo de boas vindas.
Enveredei pela espinhosa neurocirurgia, mas não me abandonou o cacoete de  observar com o olhar psiquiátrico. Às vezes é desagradável. Pior é quando invade os meus comentários políticos.
Até há pouco, por exemplo, havia uma inelutável certeza de vitória da governista. Seria um banho ainda no primeiro turno. Vaiada e detestada, a “presidenta-gerenta” brandia índices escandinavos de aprovações. Estranhamente, conversava-se com as pessoas e o nome da arrogante “presidenta-gerenta” não tinha essa bola toda. Só os apaniguados e socialistas mantinham-se irrefutáveis.
Pouco afeitos ao contrário, disseram o diabo de Aécio. Lulista travestido de oposicionista, o finado Eduardo Campos foi taxado de “Judas” por um Lula magoado. Ainda assim verteria incríveis lágrimas no enterro do rapaz.

Surgiu Marina a estourar a boca do balão. Os delírios de poder estão minguando. Incerteza e desalento habitam as almas governistas et alii. Tomaram neurolépticos e estão se curando da megalomania. Talvez não cheguem ao segundo turno.