domingo, 11 de maio de 2014

CRUEL SER HUMANO

O CRUEL SER HUMANO
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL

De vez em quando, hoje quase nunca, sentia-me compelido a ver documentários do mundo animal. Meus netos eram menores e os bichos despertavam incomensurável curiosidade. Por que não dizer? Paixão e compaixão. O mais velho, Caio, era fixado nos dinossauros. Fiquei triste quando ele demonstrou não estar tão interessado pelos lagartos prehistóricos. O clímax dessa tragédia foi ele desistir de ser veterinário.
Os vídeos traziam-me revoltas. O sangue me fervia quando bisões eram impiedosamente derrubados pelos leões. Canalhas! Não tinham coragem de encarar os chifres de frente e aí usavam de golpes baixos, atacando em bandos. Elegiam indefesos, deficientes físicos. A Natureza não perdoa solitários, mancos e fracos.
Finais previsíveis, os cercos a zebras e girafas geravam angústia. Afinal, as pescoçudas girafas estão entre os mais emblemáticos seres. O evolucionista Lamark, de tão impressionado, os incluiu como prova inconteste do seu enunciado que garantia que “a função faz o órgão”. Os leões faziam questão de ignorar esses detalhes.
Tendo a “cadeia alimentar” como modelo, biólogos, ambientalistas e palpiteiros esforçam-se para demonstrar tolerância nessa selvagem “lei do mais forte”, ou “lei da selva”. Assim, seria justo, o sacrifício de alguns para o equilíbrio da Natureza. Nada de maldade, sadismo, perversão, muito menos crueldade...
A propósito, em recente ensaio, registrei que um tio, antes de sangrar um caprino para uma buchada, aplicava-lhe golpes no segmento cefálico para tirar-lhe a consciência. Houve protestos. Só não concordo que tenha havido tortura. De fato, devem existir meios menos rudes de sacrificar essas criaturas. Quem sabe poderia ocorrer em ambiente cirúrgico, sob anestesia geral, com a, digamos, vítima intubada...
Diz-se que bovinos sacrificados em frigoríficos seriam espetados por um estilete que, através da nuca,  lhe atravessa a transição bulbopontina causando paralisia e morte imediatas. Não saberia dizer se esse meio é mais “humano”.
Penso nos animais aquáticos e nas aves. Creio não haver meio mais torturante que o empregado para matar os delicados peixinhos: a asfixia. Pinçados por traiçoeiro anzol, depois de árdua luta, são finalmente pinçados da água, onde  não respiram. Pergunto-me como alguém ainda tem coragem de comer um escabeche de peixe, ainda que sabendo de morte por tão vil processo.
Quando não são atropeladas, as simpáticas galináceas são sacrificadas através de golpes mortais no pescoço. Morrem por anemia e hipóxia. A agonia é breve, mas angustiante. Há convulsões. Nem todos têm estômago para assistir a essas cenas.

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