sexta-feira, 30 de agosto de 2013

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO


 

A maldade humana insiste em apontar  José Genoíno, que teve confirmada sua condenação como mensaleiro pelo STF, como um dos delatores na “era do chumbo”. A obtusidade dos rancorosos não perdoa  o fato de um quase adolescente arriscar sua vida por um ideal: implantar um regime comunista no país. Nem que para isso tivesse que enfrentar a antipatia da população. De qualquer forma, o desmantelamento do foco de guerrilha do Araguaia deu-se a partir da prisão do guerrilheiro.

 Não é segredo para ninguém que os bravos idealistas do comunismo não contavam com a simpatia popular. Sobretudo na época do chamado “milagre brasileiro”, decênio marcado por um boom de crescimento, de expansão na área das comunicações e de construção de obras essenciais para nação. A classe média viveria seu apogeu até 1974, quando a OPEP resolveu jogar para a estratosfera o preço do petróleo, acabando com a farra mundial.

Heróis, capitaneados por Lamarca, Genoíno, Stela (posteriormente  assumindo-se como Dilma), dentre outros, deram um tremendo azar. Agiram na época errada. Em nome do ideal marxista/stalinista/leninista/trotskista/guevarista teriam ingressado na luta armada justamente quando os militares estavam no auge da aprovação. Por mais entusiasmo que o irresistível charme de “Che” ordenando fuzilamentos em massa pudesse despertar, não havia clima para aventuras socialistas.

Ainda assim,  lamento não ter engrossado as fileiras dessas figuras que hoje ocupam merecido espaço na galeria dos heróis nacionais. Em vez de estudar Anatomia, de perder noites de sono interpretando Houssay, um enjoado fisiologista argentino (!), a parasitologia de Pessoa – com pavor do Prof. Gastão Oiticica... De olho nas discussões da esquerda festiva, leria o prefácio das baboseiras de Marx e Engels e o Manual da Guerrilha Urbana...

Sonhar não é pecado. Com a bondade de Deus, hoje estaria beliscando uma bela aposentadoria, a justíssima  bolsa ditadura. Seria um apologista do  bolsa família, alicerce da economia brasileira. Beijaria, sem entojar (amo aquela juba milionária) o sorridente ”fotoshop” da Dilma, estrategicamente colocado na mesinha de cabeceira  Nunca mais discutiria procedimentos cirúrgicos com quem não compreende o que lê.

Talvez me tornasse um palpiteiro em economia. A mídia reacionária, hegemônica e golpista que se cuidasse. O ultraliberalismo iria curvar-se diante da opulência do bolsa família. Esfregaria nas fuças da direita o manual do Sus, agora de sangue novo com os cubanos.
Gazeta de Alagoas 31/08/2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

À LUZ DOS FOCOS CIRÚRGICOS



À LUZ DOS FOCOS CIRÚRGICOS

Ronald Mendonça

Médico e Membro da AAL

Tenho dúvidas se  jovens colegas que me acompanham nas jornadas de  salas de cirurgia estão efetivamente interessados no que  descrevo. É que Centro cirúrgico, salas de cirurgia e outros ambientes sinistros para a maioria das pessoas, não são, necessariamente, locais de ininterruptos sofrimentos morais e dores.

Muito ao contrário, são recintos, sobretudo, de esperança. Existem, é claro, momentos  de altíssima voltagem de concentração. Um procedimento cirúrgico não é movido a tensão o tempo todo. Eis algumas histórias:

Na medicina há pelo menos 50 anos, posto que auxiliei meu pai em sua clínica desde os 12-14 anos, sem orgulho ou falsa modéstia,  tive um acesso privilegiado a nuances da profissão, dificilmente vivenciados por outros colegas. É inusitado, por si só, o fato de ter morado num hospital psiquiátrico.

Um feeling  me “persegue”. O de identificar malucos com um olhar. Assassinos, mentirosos e picaretas fiquem tranquilos: não os conheço nem de perto, nem de longe. Embora tenha abraçado outra especialidade, até por dever de gratidão, continuo a prestar serviços no hospital psiquiátrico que o meu saudoso pai fundou e administrou até a última diástole.

Gosto do hospital psiquiátrico, deixo-me cercar sem temores de agressões  por pessoas que se dizem meus pais, meus irmãos e até meus filhos. Alguns se dizem filhos do Lula, namorados abandonados da Dilma e companheiros de guerrilha do Zé Dirceu. Gente com metade da minha idade jura ter participado de luta armada contra a ditadura. Alguns até torturados com oito, nove anos de idade. Há quem tenha jogado com Pelé, com Garrincha... Não foram convocados para a Copa do Mundo porque o Zagalo tinha rixas pessoais.

Semanalmente, não sei até quando, tenho esses encontros. De certa forma, uma visita ao passado. Talvez por isso não tenha perdido o “treino” de conversar com os loucos. De vez em quando ainda encontro pacientes da época em que, estudante, realizei anamneses. Coincidentemente, um penedense que me surpreendeu, anos atrás, com a notícia de que o Rio São Francisco iria secar. Pensei que era delírio...

Há dores indescritíveis. A notícia de uma esquizofrenia num filho é uma quase tragédia, mesmo tendo em conta o arsenal terapêutico de hoje. Nada contudo, nesse terreno, compara-se ao instante em que se constata que o filho que foi criado com tanto carinho, alvo de tantos projetos, está mergulhado no crack.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

DO SONHO AO CALOTE


Do sonho ao calote

Ronald Mendonça

Médico e Membro da AAL

Relatava o doutor Ib Gatto que um amigo pediatra,  Abelardo Duarte, notável  cultor das letras, narrara-lhe um sonho em que se viam (ele e outros colegas) num grande anfiteatro dando aulas a jovens vestidos de branco.  Despertara várias vezes e ao voltar a dormir as imagens repetiam-se. Ninguém precisava ser um José do Egito para decifrá-lo

O sonho de uma faculdade de medicina se cristalizaria meses depois. Escrevo sem consultar, mas creio que eram doze os que assinaram a ata de fundação, na sede da Sociedade Alagoana de Medicina, ainda no alvorecer dos anos 50 do século precedente.  Doutor Ib, o persistente sonhador Abelardo, Theo Brandão, Sebastião da Hora, AC Simões, José Lyra, dentre os presentes.

A novel Faculdade de Medicina de Alagoas transformaria o cenário médico-científico da Província. Até mesmo seus hábitos.  As turmas compactas, tendo as centenas de leitos da Santa Casa de Maceió à disposição, recebiam invejável orientação didática. Muitos dos formados exerceriam o magistério substituindo ou auxiliando os fundadores.

Esta semana, sem alardes, foi enterrado o Prof. Alfredo Ramiro Bastos, o último vivo dos fundadores da Faculdade de Medicina. Possivelmente o mais jovem daqueles desbravadores, doutor Alfredo foi professor de Terapêutica Clínica, hoje extinta. Cardiologista com passagem pelos Estados Unidos – uma exceção na época -, chegou a ser diretor da Faculdade,  àquela altura já federalizada.

Apaixonado por esportes, foi médico e técnico do glorioso Centro Sportivo Alagoano, onde colecionou títulos, mas sobretudo impagáveis histórias. Treinou voleibol. A partir de 1977 convivemos como coleguinhas de departamento. Já relatei, aqui mesmo, a saga de um goleiro do Santanenese, “muito bom, mas azarado”. Com essa sina maldita, o técnico Alfredo Ramiro despacharia o pretendente  com antológica frase. “Pelo menos em três profissões o sujeito não pode ter azar: cirurgião, piloto de avião e goleiro. “

Doutra feita, um famoso goleador pediu-lhe dinheiro emprestado. Temendo o calote, exigiu que o sujeito assinasse documento acusando a disposição de honrar. O mau pagador sentiu-se ultrajado com a prerrogativa. “Doutor, sou um homem de bem. Parece até que o senhor não me conhece. A minha palavra vale mais que qualquer selinho de cartório.” Chiou, mas assinou.

-E aí, professor, o cara pagou?

-Negou fogo!  Botei o sujeito na Justiça. Mudou de time. O Regatas honrou a dívida. Cabra de peia existe em todo lugar.

 

 

sábado, 3 de agosto de 2013

AO SABOR DO IMPROVISO

AO SABOR DO IMPROVISO
Por: » RONALD MENDONÇA - médico e membro da AAL.
Alio-me ao misericordioso coro de orações do brasileiro pelo restabelecimento de José Sarney. Com fama de incurável patrimonialista, o famoso bigode, queira-se ou não, fez uma expressiva carreira política. Ao assumir, por um aborto, a chefia máxima da nação, teve chance (e até tentou) de entrar na História como um grande presidente. Talvez tenha sido um dos mais nanicos. Embora habilidoso no trato com os colegas, a incúria, o permissivo desempenho como presidente do Senado é motivo de chacotas. No fundo, um adesista que até criou escola. Há quem diga que foi superado pelos pupilos.

Quer-se crer que ninguém de bom-senso é contrário à ida do Sarney para SP. Questão humanitária. Com grave doença pulmonar, ele cumpre o ritual dos figurões da República: antes de alçar o último voo rumo ao Pai, ter a alegria de ser recebido pelo polivalente Roberto Kalil, o oportuno coringa da medicina brasileira.

Sem dúvidas, seria uma desfeita ao velho político deixá-lo fenecer no distante Maranhão, longe dos holofotes da paulistana mídia hegemônica e golpista. Seria inconcebível, dentro do rigor ideológico e concepção de amparo aos amigos e sócios do governo socialista/petista. Um parceiro como Sarney jamais poderia ficar fora do “último baile fiscal” no Sírio-Libanês. Sua transferência delineia-se como mera formalidade. Pura questão cultural. Uma tradição que teria se iniciado com as jornadas vitoriosas do vice-presidente José Alencar e continuado com os caranguejos de Dilma e do próprio Lula.

O imortal da ABL bem que poderia ser atendido em um hospital do SUS, lá do seu progressista Maranhão. Infelizmente, doença não marca encontro, não pede licença. Se não, seria até mais patriótico que aguardasse a vinda dos médicos cubanos. Iria calar a boca desses mafiosos de branco do Brasil. Uns mercantilistas. Corporativistas que só pensam em lucro. Seria um gol de placa o ex-presidente ser salvo das garras da “malvada” por um dos representantes do “mais médicos”.

Vivenciando as últimas etapas na vida médica (sobram-me 15 ou 20 anos), jamais imaginei testemunhar tamanhas demonstrações de competência. Cotas para a universidade, vestibular unificado, faculdades de medicina travestidas de escolas de cidadania, importação de médicos sem avaliação de conhecimentos, e, finalmente, dentre outras, proposta/desistência de prolongar o curso médico para oito anos. Salta aos olhos o alto grau de planejamento governamental. Impagáveis surtos de genialidade.