sexta-feira, 14 de junho de 2013

Hipócrates radioativos entre espíritos zombeteiros


UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

HIPÓCRATES RADIOATIVOS ENTRE ESPÍRITOS ZOMBETEIROS

RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Convocado às pressas pelo saudoso Dr. Ib Gatto Falcão, encontrei-o indignado. Acabara de saber que o Hospital Universitário da Ufal era alvo de escusos interesses que estariam, à socapa, envidando esforços junto ao Inca (Instituto Nacional do Câncer), para sabotar a doação de um aparelho de radioterapia. O "Gigante das Alagoas" já providenciara expedir dura carta aos órgãos responsáveis. Para ele, eu poderia ajudar divulgando o fato na imprensa. Dias depois, o mestre estava aliviado. O HU receberia seu equipamento.

Preferiria escrever minhas memórias fincadas em Bebedouro. Ocorre que, há alguns dias, à guisa de suposta defesa de sua especialidade (cuja honra não fora questionada), o presidente da Soc. Bras. de Radioterapia, Robson Ferrigno, em artigo publicado nessa Gazeta de Alagoas, utilizou o argumentum ad hominem como tática. Em bom português, gratuitamente, o cara pisou na minha língua.

RF obstipou-se com o metafórico "basta saber ler". Mais grave do que a dislexia é a sua falta de intimidade no uso escrito do vernáculo. Com efeito, em torturante texto ginasiano, ferindo de morte a boa norma estilística, o autor revelou abissal despreparo na arte de escrever. Cipoal de canastrismo literário, produzir artigos para jornais, decididamente, não é sua praia.

Tendencioso e arrogante, Ferrigno distorceu os pontos de vista do meu ensaio. Contrariando as evidências, criou uma ilha da fantasia para sua especialidade. Inutilmente nega sua impessoalidade. Denega os óbvios protocolos pré-estabelecidos. Define-se como um ser dotado de aguçada sensibilidade, de refinados conhecimentos... Um paladino da Saúde Pública. Talvez, um Hipócrates na versão radioativa.

Muito longe da panaceia, diga-se de passagem, ninguém disse que a radioterapia era desimportante. Quase sempre, é complementar. Com frequência, paliativa. Ela não gera doentes para si. Concluídas as sessões, os sobreviventes voltam às clínicas de origem. Simples assim. Isso chateia? Mude de ramo. Ou então, continue a projetar-se numa imagem etérea de angústia e dor para consumo público. Mas, pense bem antes de chutar o pau da barraca. A remuneração é atraente. Aporrinhações com pacientes não existem. O melhor: não se investe um centavo em aparelhagens. Ou seja, risco zero!

Apesar do ridículo texto de Ferrigno, quer-se inferir excruciante sofrimento anímico. Estaria explicada, pois, a apologética cultura antiestresse de "inadiável premência em relaxar nos finais de semana": um bom teatro, se possível, jantar no Fasano regado a Dom Pérignon. Fechando a noite, entre macios lençois, o doce aconchego ao regaço da mulher amada, que ninguém é de ferro.

Nesse ambiente de anacoretas, de franciscanos sacrifícios pessoais, impertinentes perguntas não querem calar: o manual da radioterapia preceitua aplicações em defuntos:? Será que espíritos (zombeteiros, com certeza) dos doentes persistem, indistinguíveis, vagando pelos corredores, malassombrando a boa fé dos isótopos radioativos?

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