domingo, 13 de maio de 2012

LUTO E GLÓRIA





 O ex-presidente Lula  pode correr para o abraço: está "curado" do câncer que ameaçava detonar laringe e voz. Certamente, Deus na sua infinita misericórdia obrou a seu favor, ainda que contando com um leve auxílio  do Sírio-Libanês (inacessível a cerca de 99% da população). Mas isso é um mísero detalhe se reconhecermos o bem que esse cidadão fez e fará pelas pessoas. Afinal de contas, familiares e amigos ainda precisam muito dos seus préstimos.

Igual destino não tiveram o escritor, teatrólogo e cartunista  Millor Fernandes e o humorista Chico Anísio. Tudo bem que as doenças e, sobretudo, as idades pesaram no desfecho. Fernandes tinha quase 90 anos. O cearense Chico viveu até os 80, bastante se olharmos seu estilo de vida um tanto "libertino". O fato é que o país  enlutou-se com a morte de ambos.

Na verdade, o humorista, ator e pintor (além de outras habilidades) estava na marca do pênalti há alguns meses. Crítico e engraçado, conseguiu construir, a partir da sua feiúra física, tipos inesquecíveis. Com certeza não posava de "ideológico". Estava mais para o tipo que perdia o amigo mas não perdia a piada. Já era um nome forte na comédia antes de 1964. Depois do golpe, teve toda uma matéria prima de excepcional qualidade para desenvolver o humor, embora não tenha sido um contestador sistemático.

Chico Anísio sabia  como era difícil a arte que abraçou. Com efeito, fazer rir sempre não deve ser moleza. Nesse aspecto, desempenhou papel importantíssimo, segundo os especialistas, ao resgatar e abrigar no seu programa, creio que ainda no fastígio da carreira, velhos humoristas em declínio e também novos em ascensão. Fez escola.

 Soa inútil comparar Millor a Chico Anísio. Utilizando outras ferramentas, sem dúvidas mais elaboradas e de acesso mais complicado, a linguagem do jornalista era singular. Teatrólogo, tradutor, escritor, poeta, era um intelectual refinado, um crítico atento, sem peias.  Combateu a ditadura, certamente com o mesmo vigor com que se insurgiria contra outras ditaduras. Seu humor era mais sofisticado, algumas vezes hermético.

Tido como um dos maiores frasistas brasileiros, não fazia segredos do desprezo por Machado de Assis. Foi cáustico com colegas jornalistas que se beneficiaram do "bolsa-ditadura", sinecura de duvidosa moralidade. Não sei se fazia tipo ao se confessar machista. Resumiria sua definitiva rendição ao sexo oposto ao afirmar que o  movimento feminino que mais o entusiasmava era o dos quadris.

A SORBONNE, O FILÓSOFO E A SALPÊTRIÈRE




Aqui na Lutécia,  os comentários políticos giram em torno da mui recente eleição do socialista François Hollande. Há quem insista que a família Hollanda - com um ou dois eles seria a mesma em todo o mundo. Por isso, os Hollanda de Alagoas  estariam com a bola cheia, na lista de convidados espeiais para a posse do  presidente francês.

O fato é que o homem foi eleito por apertada margem de votos. Minhas pesquisas pessoais  demonstram um certo "empate técnico". Sarkozy predomina nos trabalhadores de bares, recepcionistas de hotéis e vendedores de lojas. Entre os taxistas,  coroinhas e sacristãos, sobretudo negros, Hollande dá um banho.

Nessa estafante peregrinação  pelo Velho Mundo, eis que dou de cara com uma figura instigante, justamente num pequeno bistrô, quase frontal à estátua de Augusto Comte, na Praça da Sorbonne.  Frequentado por estudantes e  professores, na verdade,  fui atraído pelo sugestivo nome, "L'Ecritoire", que me remete ao torrão natal.

Nosso interlocutor, um professor aposentado de filosofia da célebre universidade, é um brazilianista que fala português sem sotaque. Marxista, stalinista, homossexual e católico praticante, tem adoração pelo Lula, pela Dilma, por Zé Dirceu, Genoíno, Orlando Silva, Silvinho, Delúbio "Boca Mole" e toda aquela turma que orgulha o país.   Não tem a menor dúvida de que Celso Daniel suicidou-se.

Nunca acreditou no mensalão. Tem absoluta certeza de que tudo aquilo foi orquestrado pela imprensa hegemônica, burguesa, canalha e rancorosa interessada em desestabilizar o governo socialista de um "operário no poder".   Considera François Hollande um simulacro, um burguesinho "merde" com tinturas socialistoides. Votou nele por ser o menos ruim.

A veneração por Josef Stalin é comovente.  Eleva o ditador a maior psiquiatra do mundo, o homem que erradicou a doença mental na Rússia. Para ele, o Gulag é   invenção da Guerra Fria.

Odeia o atual papa - tanto quanto os psiquiatras. Na sua visão, a chefia da Igreja deveria estar nas mãos de três piedosos religiosos: Frei Betto Libânio, Leonardo Boff e Cônego Luís Marques. Ao citar o religioso alagoano, o filósofo deu um arzinho de riso. Admitiu ter amigos no Brasil, inclusive em Alagoas.

Infelizmente, uma ambulância do Instituto de Psiquiatria da Salpêtrière chegou para reconduzir nosso herói ao internamento.  Maluco de carteirinha e trânsfuga recalcitrante, o filósofo toda vez que foge do hospital vai jogar conversa fora no L'Ecritoire. Sua permanência no recinto dura o tempo dos garçons telefonarem para a Salpêtrière.  








O FIM




Quase à sorrelfa, como cunhou o mestre Aloysio Galvão, peregrino pelo Velho Mundo capitalista em busca de respostas para as minhas bebedourenses inquietações existenciais. Com efeito, tenho  vagado por labirintos de melodiosas  ruas e becos, ruínas, gloriosos escombros, góticas catedrais e efervescentes galerias, movido pela incrível certeza de que tudo isso está com prazo de validade vencido.  Prenúncio, por sinal, indetectável entre os nativos.

Como aquele garotinho  que se deu conta do que restou do seu balaio de frutas displicentemente consumidas, também a ficha caiu para mim: o abominável capitalismo chegou ao fim.  Morre  sem foguetes, sem luar, sem violão. Ah! Se eu soubesse que este epílogo estava assim tão próximo, como o menino da história, (em vez de frutas) deveria ter aproveitado mais, lambido e chupado até os caroços, mastigado e engolido as cascas... do capitalismo

O que consola é constatar que sobrevivi, apesar da vida talvez não ter sido tão gentil comigo. O bom Deus, que negou fogo quando precisei mais dele, hoje me dá essa colher de chá  de ver in loco  os últimos suspiros do "selvagem". O fato é que aqui estou a rever esse legado que séculos de opressão e exploração deixaram para as gerações vindouras. De afrescos a esculturas que só faltam falar, passando por estupendas edificações, muitas delas parcialmente destruídas pela insanidade humana.

O conflito invade a pobre alma suburbana. De um lado, vivo num país  cujo Ministério da Educação ensina que "nóis vai ferrar ele" pode estar irretocável. Num outro mundo,  estimula-se o culto a Júlio César, Cícero, Ovídio, Copérnico, Aligiere, Da Vinci, Galileu Galilei, Michelangelo, Rafael, Maquiavel e outros tantos. É bem verdade que  poderemos encher a boca e dizer que temos  Pelé,  Ronaldinho Gaucho, Neymar, Love; um Adriano, que tem até título de Imperador...

Para não humilhar  os italianos não deveria falar sobre Berlusconi. Apenas exalto a qualidade da nossa política regida por Lula, Zé Dirceu, Dilma & Ministros, Erenice e seus traquinos pimpolhos, José Sarney, Demóstenes (o incorruptível) e tantos e tantos homens e mulheres de bem que fazem a grandeza da nossa terra.

Enfim minha alma está lavada. Tinha o maior complexo porque o calçamento de Bebedouro demorou cerca de quatro anos para ser concluído.  Por aqui há igrejas que levaram séculos para terminar. É um bálsamo também para o Cícero Almeida. Há obras que não acabam nunca. Sequer começam.