sábado, 21 de abril de 2012

DE ABORTOS A LIÇÕES DE VIDA

 
Embora a lúcida decisão do Supremo Tribunal Federal, em prol da permissão do aborto nos casos de anencefálicos, tenha desagradado a setores das Igrejas – não só no Brasil –, certamente esse não é o nosso maior problema de saúde pública.

Se quiséssemos focar em outra questão também pontual, poderíamos discutir a temida e dolorosa “morte cerebral”, expressão que assinala a inexorabilidade para o êxito fatal, liquidando as esperanças de familiares de terem o seu ente de volta ao convívio. Os “pesos” são justamente os momentos que precedem a decisão de suspensão dos suportes à vida e a discussão em torno da possibilidade de retirada de órgãos para doação.

Antigas bandeiras de correntes feministas e machistas (desde que se queimaram sutiãs em praças públicas), o aborto, o anovulatório e a camisinha vêm emplacando vitórias. A propósito, lembro de uma conferência de famosa professora de Medicina, nos anos sessenta do passado século, versando sobre esses temas e mais o tabu da virgindade.

Afirmava ela, um pouco cinicamente, que as mulheres haviam encontrado a solução para o dilema da atividade sexual plena sem gravidezes indesejadas (com a pílula) e, de sobra, mantendo intacta a emblemática membrana, símbolo do recato feminino, desde que, no seu formato original, fosse complacente.

O fato é que, não obstante, o sinal verde da Suprema Corte para interrupções das gravidezes em casos como estupros e outros não será tão pacífica sua aplicabilidade. É que os próprios médicos obstetras – por razões diversas – não se sentem confortáveis em praticar abortos, mesmo sob o amparo legal. O prazo-limite de 20 semanas para um aborto terapêutico parece arbitrário e desprovido de verdade científica mais consistente. Até 20 semanas não é assassinato... E após esse prazo?

Outra condição clínica que tem chamado a atenção de legisladores e especialistas em bioética é o “estado vegetativo crônico”, peculiar degrau da consciência em que os portadores parecem não interagir com o meio. Dependendo dos cuidados e da idade, muitos perduram anos sobre um leito, à mercê de terceiros, mas não submissos a máquinas especiais.

Não faz muito tempo, um americano recebeu autorização judicial para eutanásia. A jovem esposa mantinha-se neste estado há anos. A experiência pessoal de quatro décadas de neurocirurgia é a de nunca ter ouvido um lamento de uma mãe por cuidar de um filho em estado vegetativo. Nesse aspecto, tenho recebido grandes lições.

Dr Ronald Mendonça - Neurocirurgião. - YouTube

Dr Ronald Mendonça - Neurocirurgião. - YouTube

ANEDONIA



Dias desses, num longo documentário, o diretor e ator Woody Allen confessava-se “anedônico” e justificava: “Nunca me sinto feliz. Se estou num lugar, logo penso que ficaria melhor se estivesse em outro, a quilômetros de distância, de preferência em outro continente”.

De repente, num contexto woodyalleniano, a impressão é de clima de anedonia nacional geral. Isso é péssimo para a autoestima, que, como todos sabem, quando baixa aumenta a taxa de câncer da população. Pelo que ando lendo, hoje em estado de graça no País, só o Lula, o Gianecchini e o ex-ministro Thomaz Bastos, por razões diversas. Os dois primeiros riem à toa pela suposta cura dos seus tumores; o último deve estar andando com bloqueadores dentários de tanta felicidade, sobretudo depois de ter como clientes o filho do Eike Batista e a síntese da moralidade brasileira, o  Cachoeira.

Imaginem  o nosso nível de inveja, pobres médicos de SUS e convênios, recebendo 300 reais por uma cirurgia de aneurisma e ver um cara faturando 15 milhões para defender um contraventor! O fato é que o hedonismo parlamentar deu lugar a cenhos franzidos, olhares angustiados, sussurros com a mão à boca, que é para driblar a leitura labial. O medo ronda e tortura governistas e oposicionistas. É o pesadelo da CPI.

Com efeito, a tristeza é ampla, geral e irrestrita. Até Dona Dilma, uma senhora classuda, verdadeira lady, sabidamente bem humorada, tem exibido inusual carranca. Se não bastassem os escândalos de corrupção, que de palmo em palmo brotam vicejantes, não há provas de que seus auxiliares diretos não estejam envolvidos com o chuá-chuá do Cachoeira.

Nessa arca de desilusões e incertezas, não escaparam bispos e comunistas (meio sem discursos depois da "falência" do capitalismo). Que a Igreja ande chateada com a legalização de abortos para anencefálicos e gravidezes por estupros, é compreensível. Afinal, dentro de sua coerência, o mal formado é um ser humano; não obstante o defeito, para os que creem, dotado de uma alma. Nas gestações pós estupros, a anedonia sobra para os obstetras, incomodados em praticar abortos de  fetos saudáveis.

Com o fim do capitalismo (que não seja uma cascata), confesso  minha ansiedade em participar da “nova ordem mundial” com os meus parcos préstimos neurocirúrgicos. Que chegue logo! O velho pequeno burguês de Bebedouro quer mergulhar de cabeça nessa grandiosa experiência socialista (comandada por Zé Dirceu, Genoíno, Orlando Silva etc), antes que o implacável Creonte o encontre.