sábado, 26 de dezembro de 2015

ÁGUAS RUBRAS (A HISTÓRIA DE MATILDE)

Este texto foi publicado em Campus/O Dia  

Ronald Mendonça, professor, médico e escritor, membro da Academia Alagoana de Letras.

Dois dedos de prosa
Este é mais um texto que publicamos de Ronald Mendonça, um incansável do Bebedouro, às vezes expressando o cotidiano da área através de ficção. É praticamente como se os acontecimentos fossem escada para o aparecimento do personagem especial que é a cidade e seu bairro. Muito mais do que cenário ou ambientação, o espaço urbano é um  personagem que se adentra no contexto dos argumentos. 
Vamos ler e conferir.
 José Ricardo, o filho de um ano e três meses, esvaía-se em diarréia. A febre castigava desde o dia anterior e não havia meio de baixar. De vez em quando vomitava. Estava  encovado.
Inexperiente, primeiro filho, de uma pobreza indescritível, a mãe procurou auxílio na vizinhança, quase tão miserável quanto ela. Nesses tempos de chuva, a flutuante clientela da decadente Rua das Palmeiras, foco da prostituição na Chã de Bebedouro, sumia de vez.
Matilde fez todos os chás  recomendados, até acabar o resumido  estoque de carvão e não viu o filho dar sinais de melhora. Para completar,  o único posto de saúde do bairro estava fechado para reformas. Felizmente, era a madrugada da segunda-feira e ela iria para a “Saúde Pública”,uuu8 na Praça das Graças. Era só a chuva aliviar.
Enquanto aguardava, meditava sobre o seu destino. Não fazia três anos que sua existência transformara-se naquela desgraceira. Aluna do Asilo Bom Conselho, sua vidinha corria pacata. O pai  era dono de  uma movimentada banca de verduras, perto da estação de Bebedouro e  a mãe acumulava a função de dona de casa com a  de vendedora da barraca. Moravam numa casinha, no Flexal de Baixo, onde levavam uma vida razoável. “Como pobres, nada  falta”, costumava repetir sua mãe.
           Lembranças nostálgicas. Tinha uma recordação muito viva do último Natal antes da tragédia: dançara no pastoril como primeira pastora do cordão azul. Tinha quatorze anos incompletos e fez  sucesso com a rapaziada. Por conta de natural beleza e graça foi a pastora que mais  saiu “em cena”.
Poucos dias depois, o golpe fatal: os pais  seriam esmagados pelo trem,  fato inédito na cidade. Matilde ficou na casa dos vizinhos, seu Joaquim e dona Das Dores. O casal, sem filhos, parecia ter encontrado a companhia ideal. Nos primeiros meses tudo dava a entender que a vida seguiria seu rumo. A adolescente continuou a freqüentar o Bom Conselho pela manhã e à tarde ajudava Das Dores a cuidar da casa.
Um dia, Matilde cismou que seu Joaquim a olhava de modo estranho parecendo querer atravessar  seus vestidos de tecido ralo. Em certos dias chegou a pressentir a presença de alguém a observá-la pelas brechas da rústica porta do banheiro, enquanto se lavava. A coisa foi num crescendo, até que numa noite foi estuprada pelo dono da casa.  A partir daí sua existência virou um inferno.

Literalmente apavorada, deixou-se entregar ao seu estuprador que, sob ameaças, a subjugava. Diante de Das Dores  o amante a maltratava chegando a insinuar que sua presença  estava se tornando pesada. A boa Das Dores ficava horrorizada com a atitude do marido, estranhando que isso partisse de um homem que pertencia à Congregação Mariana, além do fato da falsidade da afirmação. Na verdade,  sua ajuda era tão efetiva que chegaram a dispensar uma antiga empregada doméstica.
A órfã passaria a ter sonhos horríveis. Neles aparecia  afogando-se na lagoa, ainda criança, implorando que seu Joaquim e dona Das Dores a ajudassem, mas eles ficavam indiferentes e apenas sorriam   enquanto ela,  desesperada, sem poder respirar, sentia uma dor aguda no ventre como se um enorme peixe estivesse a mordê-la. Acordava sem fôlego com seu Joaquim a tapar-lhe a boca e a penetrá-la. Um sofrimento que odiava relembrar.
Matilde avaliou que poderia ser de três para quatro horas da manhã. A chuva havia passado. O filho parara de choramingar, respirava rápido, estava com o corpo meio frio. Não queria nem pensar em ficar sem o seu filhinho, a única coisa boa que restava de sua vida. O filho, segundo ela própria, era sua única riqueza. O melhor era se apressar. Apanhou a mamadeira com água fervida, recobriu o pequeno moribundo  e partiu para a rua. Queria chegar cedo na “Saúde Pública” e sabia que teria muito chão até lá.
Desceu cuidadosamente a ladeira da Chã de Bebedouro.  A chuva deixara o velho  e gasto calçamento ainda mais escorregadio. Quando chegou nas imediações da estação ferroviária parou para descansar. Aquele ambiente era cheio de fortes lembranças. Fora ali que passara boa parte da sua infância tão recente e  ao mesmo tempo tão distante. Não tinha ainda dezessete anos e já havia provado do pão que o diabo amassou.
Como num filme de terror lembrou-se,  com uma ponta de felicidade,  da noite em que envenenou o seu Joaquim com  o formicida que dona Das Dores usava no jardim. O brutamontes, depois de se saciar no seu corpo, tinha o hábito de espichar-se na sua estreita cama e beber de um só gole um copo de água. No início ele mesmo  o levava, depois passou a exigir que ela deixasse o copo, já cheio,  debaixo da cama. Nessa noite,  Joaquim sorveu de um só gole um volume de veneno que mataria um batalhão. O mal estar foi imediato. Pulou da cama e arrastou-se arquejando para o seu quarto.  Um escândalo sem precedentes na pequena comunidade.
Quem imaginaria que o seu Joaquim, tão católico, tivesse um comportamento daqueles. Pobre Das Dores,  com aquela menina com cara de santa dentro de casa... Quem poderia adivinhar misérias assim? O mundo estava mesmo perdido...
Matilde foi parar num reformatório para menores.  Tornou-se o “prato do dia” dos monitores que usaram e abusaram da adolescente. Por qualquer motivo a castigavam isolando-a numa cela escura e a passagem para a liberdade era o seu corpo .
Após adquirir uma espécie de liberdade condicional, um órgão encarregado de cuidar de menores tentou, sem sucesso, colocar a jovem  numa casa de família. Nessa altura, já não existia mais aquela garotinha ingênua. O sofrimento calejara sua alma.
  
Desadaptada para uma convivência convencional, Matilde foi impelida à prostituição. Primeiro fez ponto na rua do Comércio, esquina com a Dois de Dezembro. Jaraguá viria depois.
Um dia, foi apresentada a um sujeito alto e moreno chamado Benedito Mossoró. De fala mansa, seu Biu,  como era conhecido o famoso gigolô, farejando que a menina tinha “futuro” comprou remédios para curar as doenças venéreas adquiridas no reformatório.
Em Jaraguá, Matilde arrasou.  De olho nos negócios, seu Biu a introduziu nas rodas dos seus clientes mais importantes. Eram, na sua maioria, desembargadores, políticos, “socialistas de caviar”, empresários da cana de açúcar, profissionais liberais e grandes comerciantes. Houve até um senador que ficou babando por ela e, querendo exclusividade, propôs levá-la para uma das suas fazendas no interior. O homem bebia excessivamente e era quase impotente. Tossia muito e tinha mau hálito. Matilde recusou a proposta “por nojo”, como ela explicou às colegas.
Seria compelida a aprender a dançar. No salão principal, havia uma caixa eletrônica com os sucessos de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Dalva, dentre outros. Para ouvir, era só botar uma moeda e apertar na música desejada Suas colegas seriam suas mestras no tango, nos foxtrotes e, sobretudo, nos boleros.
Dançarinos famosos e outros nem tanto frequentavam Jaraguá apenas para dançar. Alguns, depois dos rodopios, colocavam sob seu decote, nem sempre de forma discreta, o valor correspondente ao michê.  Profissional meticuloso, atento a tudo, Mossoró não dispensava seu percentual sobre qualquer  apurado. No entanto, movido por singular afeição pelo cantor caribenho Bienvenido Granda, o velho cafetão derretia-se  quando algum cliente apertava no botão das músicas do “Bigode Cantante”. Estava garantido um desconto nas bebidas e tira-gostos.
Embora de passagem, conheceu pessoas que “valeram a pena”. Matilde ficaria perdidamente apaixonada  por um jovem estudante da Escola Militar, em férias na casa dos pais. Gostou do seu apelido, mas gostou muito mais dos ensinamentos da arte de fazer amor, ofício que o garboso cadete dedicava-se com   insuperável aplicação. Nunca as  férias passaram tão rápidas. As expectativas da separação inundaram de tristezas as almas dos jovens amantes.  O futuro oficial adiou esse momento o quanto pôde. A   pungente despedida foi regada a muitas lágrimas e gemidos, não faltando eternas juras de amor e fidelidade. Amanheceram o dia abraçadinhos, despidos, nas amornadas areias da praia da Avenida da Paz.
Mas, na maioria das vezes tratava-se de um bando de homens nojentos, ávidos, inescrupulosos e tarados. Temia a insubmissão para não perder o abrigo. Recordou-se de um construtor muito rico que só conseguia ereção se ela defecasse em sua barriga de batráquio. Um outro, queria fazer suruba junto com outro homem... Um usineiro pagava para presenciar relação com outra mulher enquanto ele  se masturbava. Matilde não achava tão ruim ser acariciada por outra mulher...
 Deixaria de ter ressaca moral. Pouco a pouco, foi aumentando o consumo de bebidas alcoólicas.  Descobriu drogas estimulantes que a mantinham acordada, ao mesmo tempo em que davam mais resistência ao álcool. Detestava viver ali. Após alguns meses,  ao entardecer, sentia o corpo quente e uma grande moleza. A morna brisa vinda da  praia era gelo. Tomava uma aspirina, alguns comprimidos do estimulante e se sentia melhor.

Nesse instante, retornou à realidade e percebeu que a chuva voltara a castigar. Abrigou-se na marquise do bar Ponto Final, em frente à Praça Bonifácio Silveira, avistando ao fundo a matriz de Santo Antonio. O Ponto Final era frequentado por homens. Seu pai a advertira: “quando voltar do Bom Conselho, jamais passe naquela calçada”.
 Estava ofegante. O filho soltou um gemido mais alto e Matilde ofereceu-lhe o seio murcho que o menino agarrou sofregamente. 
          Ninguém nas ruas. Sozinha com os seus pensamentos, voltou a lembrar-se do ano em que dançara no pastoril do padre Raimundo. Mas, a sua mente machucada não permitia ter alguma lembrança mais demorada daquela época  feliz.
Olhou para a Igreja e  mais uma vez indagou-se o porquê de Deus ter feito tudo aquilo com ela. Que maldade teria ela cometido para merecer destino  tão ordinário? Recordou-se que o frei Raimundo fora visitá-la no Reformatório e lhe dissera que Deus escreve certo por linhas tortas, que não tentasse compreendê-Lo pois Ele era o Senhor de todas as coisas, era  bom e justo e sabia exatamente o que estava fazendo. Finalmente, que ela deveria rezar bastante, arrepender-se de suas faltas, para que Ele tivesse compaixão da sua alma envenenada pelo pecado, abrigo do Satanás.
A chuva novamente parou e Matilde retomou a caminhada e às suas lembranças.
Foi numa noite de  sábado. Estava numa mesa da boite, em Jaraguá, fazendo companhia a uns malcheirosos marinheiros espanhóis, quando percebeu um rapaz  a olhá-la com insistência. Não parava de lhe fazer sinais.  Sentindo-se atraída e curiosa, desvencilhou-se dos rudes marujos indo sentar-se à mesa do desconhecido.
         
Chamava-se Remígio e estava ali porque brigara com a namorada e. meio desesperado, não tinha para onde ir.  O papo duraria a noite toda. Ao contrário do que fazia com outros clientes, ela abriu o coração e narrou, sem retoques, os fatos mais marcantes da sua vida. Ele também não fez por menos. Disse-lhe estar no quinto ano de medicina. Contou que não tinha pai e que vivia com a mãe e mais quatro irmãos. A mãe era professora do Colégio Estadual.  Moravam no Prado, perto do cemitério velho. Meio envergonhada, ela confessou que o maior sonho da sua vida era ser médica e, rindo com malícia, lembrou os tempos de criança quando brincava de médica com um menino saliente que morava próximo da sua casa. Chegaria até a corar um pouco.
Pareciam  adolescentes jogando conversa fora. Naquele momento veio-lhe a lembrança de que nunca havia namorado de verdade, como as moças da sua idade. Nessa noite não falaram em sexo, mesmo porque o rapaz  não demonstrou  o menor interesse. Apenas acariciou-lhe as mãos e a beijou nos lábios um beijo longo e doce que reacendeu a mortificada alma.  De repente, o convite que a deixaria definitivamente   apaixonada: “Que tal ir à praia de manhã “?
          Encontraram-se no coreto da Avenida da Paz. Ficaram na areia conversando, de vez em quando um banho para refrescar. Ele voltou a falar do seu namoro.  A namorada de tantos anos confessara-lhe assumida paixão por outro e dera o quase noivado por terminado.
Lá pelas duas  da tarde foram para a Sorveteria Sorriso, na Praça Sinimbu,  onde tomaram sorvetes até não poder mais. Antes, deram uma esticada até a esquina do arcebispado para experimentar um ponche de maracujá. Remígio era freguês de carteirinha desse ponche.
 Há muito tempo Matilde não fazia um programa que não envolvesse álcool. As vezes que tinha sido convidada para sair com algum homem era para fazer bacanal ou ir a algum bar mal afamado. Estava simplesmente deslumbrada.
A jornada pela Avenida Hermes da Fonseca, na Cambona, estava lhe tirando o fôlego. A chuva cessara definitivamente e agora um vento sul  lhe triturava os ossos. As pernas ameaçaram fraquejar. Sentiu seu filho muito quieto, cuja presença era notada apenas pelo bico do peito doído, preso na boca da criança. Quem sabe, dentro de alguns poucos dias, se Deus quisesse, estaria recuperado.
O romance com Remígio duraria  alguns meses. No início, chegaram a viajar juntos até Recife, de trem. A cansativa viagem de doze horas pareceu-lhe curta e o desconfortável trem um paraíso. Seus olhos sonhadores deliciaram-se com as verdejantes plantações de cana de açúcar. Cochilou  tranqüila nos ombros do seu amado. Hoje seria capaz de  nomear as inúmeras estações até chegar à capital pernambucana.
Voltara a ser tratada como gente. Na capital pernambucana ficaria hospedada no Hotel Guararapes. Sentiu-se uma princesa quando a refeição foi levada para o quarto. Passeou de mãos dadas pelas ruas de Apipucos. Ficaria abestalhada com a escada rolante da loja Viana Leal, uma novidade até para os pernambucanos. Decepcionou-se com Boa Viajem. Sem comparação com a praia da Avenida. Almoçaria uma bela feijoada no “Buraco da Otília”, na beira do Capibaribe.  Sua despedida desse inesquecível périplo foi num jantar à luz de velas no célebre Restaurante  Leite. Remígio explicava tudo. De tanto ouvir falar, tornou-se íntima de Maurício de Nassau e de Joaquim Nabuco, dos mascates e dos emboabas.

Quando Matilde contou a Remígio que estava grávida, o rapaz passou mal. Logo se refez e pensou que era alguma brincadeira sem graça. Depois achou  que havia sido sacaneado, para finalmente chegar a conclusão de que era impossível saber-se quem era o pai, pelos óbvios motivos. Propôs-lhe abortar. Deixasse com ele que tudo seria arranjado. Irada, Matilde xingou-o com todo o seu vocabulário de prostituta. Foram aos socos e pontapés. Por um triz a coisa não terminou na delegacia.
O rompimento catastrófico não fez a jovem desistir. Procurou o ex-namorado várias vezes em sua casa e na Santa Casa de Misericórdia, onde o rapaz estudava. Certo dia em que bebeu além dos limites, chegou a ir à casa da “outra”, cujo namoro havia sido reatado, justo na noite da festa de noivado do seu “ex”.  Matilde tomara conhecimento do fato através de uma colega de trabalho que tinha ares de intelectual e que lera a notícia na coluna do cronista social Ícaro, do jornal Gazeta de Alagoas. Foi outro vexame.
Com a viagem de Remígio para Salvador onde,  depois de graduado, faria um curso de especialização, Matilde resignou-se mais uma vez. Emagrecida, com uma enorme e pouco atrativa barriga, a clientela  diferenciada bateu em retirada. Voltou à degradação das ruas, terminando em Bebedouro,  na miserável Rua das Palmeiras.  Ali pelo menos tinha um teto.
O raquítico José Ricardo nasceria na Maternidade Sampaio Marques. Mas o que chamou mesmo a atenção dos médicos foi o deplorável estado físico da mãe. Daí para o diagnóstico de uma forma avançada de tuberculose foi um nada. Estava explicada a febre diária de Matilde
Agora quase amanhecia. Na Praça dos Martírios, os esguichos da Fonte Luminosa, recentemente inaugurada, realizavam graciosas evoluções multicoloridas sob o  compasso de uma valsa de Strauss.
Arquejante, Matilde sentou-se na beira da fonte, colocando os pés na água fria, depois de acomodar o filho imóvel  ao seu lado. A febre alta entorpecia-lhe os sentidos. Viu-se criança tomando banho na lagoa, escondendo-se debaixo da ponte de Bebedouro. Ouviu a voz da  mãe a chamá-la, “Matilde, Matilde, saia já daí, menina danada”! Prestou mais atenção: agora era a voz suave de Remígio insistindo para um mergulho e uns amassos no mar da Avenida.
Sentia um calor sufocante. Sem ar, com a garganta seca, não resistiu e bebeu daquela água. Ficou mais confusa ao sentir que a água não era salgada. Esboçou um sorriso sem saber de quê, que aos poucos virou gargalhada.  Despiu-se  enquanto cantava “boa noite meus senhores todos”,  mergulhando fundo na fonte. Nesse momento, um acesso de tosse impeliu-a à superfície. Sufocada, tentava respirar, mas de sua boca só saíam   golfadas  de sangue. Estava morrendo.
          Num derradeiro instinto de amparo maternal,  Matilde agarrou o  filho já sem vida e o levou consigo para o último mergulho nas, agora,  rubras águas da Praça dos Martírios.

 


 

 

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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O MÉDICO E O AVIÃO

O QUE EU ESCREVI: A PSIQUIATRIA ESTAVA ENTREGUE A UMA HORDA DE INCOMPETENTES. TRADUZINDO: UM GRUPELHO DE INCOMPETENTES NÃO MÉDICOS. QUAL O PECADO DE NÃO MÉDICOS DITAREM AS NORMAS DO ATENDIMENTO PSIQUIÁTRICO?
ELES, O GRUPELHO, A HORDA, APRESENTAM UM ERRO PRIMÁRIO, , ESSENCIAL, BÁSICO QUAL SEJA A FALTA DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA.
PODE UMA ASSISTENTE SOCIAL DITAR NORMAS NA ASSISTENCIA JURÍDICA DOS APENADOS?
PODE UM MÉDICO DITAR AS CONDUTAS DOS ASSISTENTES SOCIAIS?
SE UMA HORDA DE MÉDICOS INCOMPETENTES RESOLVER INTERFERIR NAS CONDUTAS DOS ASSISTENTES SOCIAIS QUAL SERIA A REAÇÃO DOS OUTROS MEDICOS QUE NÃO ESTÃO ENVOLVIDOS COM ESSA ANOMALIA?
É LÍCITO UMA TO DITAR NORMAS DA PRAXIS DO FISIOTERAPEUTA?
É LEGAL UMA TO DITAR NORMAS DA ENGENHARIA?
É ACEITÁVEL UM COMISSÁRIO DE BORDO PILOTAR UM AVIÃO?
VOCE ACEITARIA VIAJAR NUM AVIÃO CUJO PILOTO FOSSE UM MÉDICO SEM O BREVET?

OLÁ ZÉ THOMÁZ

Olá, Zé Thomáz

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Nunca é tarde para um arrependimento. Essa velha máxima chinesa é a que me vem quando me asseguro da substituição da secretária da saúde pelo ex-deputado José Thomáz Nonô. Primo pobre e distante, não estou movido a revanchismos, que só maltratam meu quase septuagenário coração. Muito menos, alimenta-me o puxa-saquismo rasteiro, que humilha o portador e chateia o alvo dos salamaleques. 

Não tenho o medo como combustível. Há exatos 365 dias, publiquei um texto, nesta coluna, denunciando a gratuita perseguição que a cinquentenária clínica psiquiátrica José Lopes vinha sofrendo pela Secretaria Municipal de Saúde.

Nunca fui recebido pela secretária. A bem da verdade, depois que conversei com o prefeito é que uma das diretoras da José Lopes conseguiu uma audiência com a ex-titular da pasta. Não a conhecia. Por acaso, participei de uma audiência pública, ela estava presente, e a alertei da morosidade, da incompetência, da sabotagem das suas assessoras. 

Passamos um ano e meio tentando reduzir o número de leitos do José Lopes (tentando passar de míseros trinta reais para míseros quarenta reais). A Secretaria Municipal da Saúde era uma esculhambação. Levou uma ano e meio para nos fornecer um número, um tal de Cenes, conditio sine qua non para celebrarmos um outro convênio com a Secretaria de Estado da Saúde. Por isso, há um ano, escrevi que a secretária Silvana Medeiros entraria para a história da Medicina de Alagoas como a iconoclasta que fechou o José Lopes para o SUS.

Avalizada por Medeiros, a psiquiatria é o único ramo da Medicina em que assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e psicólogas metem o bedelho. Uma horda de incompetentes levanta as sobrancelhas, funga, pisca e exibe esquisitas “mungangas” faciais; dita regras, atende por “doutoras”, posa de grande autoridade científica, como se entendesse do riscado, como se conseguisse distinguir um psicótico de um neurótico. 

Não vejo essa perversão na minha neurocirurgia. Aliás, vivo torcendo para uma analfabeta deste quilate me abordar acerca das minhas condutas médicas. Torço para essa horda dar palpites na cardiologia, na nefrologia, na cirurgia ... Nada. A ousadia da horda é com a psiquiatria... 

O Zé Thomáz não tem nada a aproveitar da gestão anterior. A escolha do Antonio de Pádua foi feliz. Embora reste pouco tempo, há muito a se fazer. AP sabe que perseguir médico é a via mais infeliz de um gestor da Saúde.

A DÚVIDA

A DÚVIDA
Ronald Mendonça

Evandro e Vanessa conheceram-se ainda crianças. Chegaram a estudar juntos no Grupo Monsenhor Valente. No ginásio e no colegial estiveram distantes. O pai de Vanessa foi para o Piauí assumir uma gerência bancária. Quando se reencontraram estavam na fila de matrícula para o curso de odontologia. A flecha de Cupido foi certeira. Toda aquela saudade reprimida, todo aquele afeto não realizado, toda aquela paixão de anos de espera explodiram como o Vesúvio nos seus melhores dias. Não se desgrudaram mais. Era uma sede biológica de carinho e amor. Subiam a Ladeira da Catedral beijando-se escandalosamente. Olhavam-se, tocavam-se, esfregavam-se sofregamente como se não houvesse o dia seguinte.
 Dois anos depois de formados casaram-se. Fizeram questão de pagar as despesas. Ainda lembro a festa. Nunca vi coisa igual. Durante a cerimônia religiosa,  o velho pároco, confessor dos pecadilhos da infância, teve que interromper várias vezes a bela homilia. Beijos e olhares desconcentravam o orador. Falou da Sagrada Família, da resignação de José ao aceitar uma noiva grávida sem que ele tivesse sequer triscado na bela Maria. Mas também falou de Vinicius, de Paulo (o apóstolo), de Agostinho... Nesse dia, D. Leonardo superou-se, certamente contaminado pelo fogo da paixão que emanava do casal. Nessa noite o eminente cônego precisou ser carregado. Fazia tempo que ele não bebia tanto.

Dez, quinze anos depois, os filhos não chegavam. Enquanto retardavam, o casal participava de ações voluntárias na Igreja para tentar tirar viciados da lama. Alguns se apegavam ao casal, um deles costumava almoçar e lhes fazia companhia nos finais de semana. Era um carente, abandonado pela família. Deixara as drogas mas as tatuagens esquisitas ficaram como a marcar de forma indelével a vida devoluta. Financeiramente estáveis, os olhares foram perdendo o brilho, os sorrisos descaiam, as frontes enrugavam-se. Impacientavam-se um com o outro. Telefonemas estranhos calavam quando ele atendia. Não suportou a angústia. Contratou o melhor detetive particular. Importou do Rio de Janeiro.
 Usando tecnologia de ponta, garantiu que em duas semanas colocaria tudo em pratos limpos. Na sua experiência, quando um dos cônjuges desconfia há setenta por cento de chance de ele estar certo.
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Bastou uma semana para apresentar o relatório. O detetive avaliou o estado emocional do marido. Não era raro um traído virar-se contra ele.
Leu em voz alta no gabinete dentário do contratante: "No dia tal, o alvo saiu de casa em torno de nove horas da manhã. Parou numa loja de bebidas, onde adquiriu duas garrafas de vinho tinto. Comprou queijo e torradas. Incluiu dois potinhos de patê. O alvo estava com uma blusa esverdeada presa na cintura. Estava sem sutiã. Usava calça jeans apertada e sapatos de saltos altos. Havia um ar "chique desprovido". Permita-me dizer, o alvo é uma mulher muito bonita."
O dentista acharia aquele comentário inadequado, mas engoliu em seco. O detetive prosseguiu com a leitura: " O alvo deixou a loja de bebidas, entrou no carro e foi em direção norte, seguindo a beira da praia." “E aí, que aconteceu”, perguntou o ansioso marido.
 O Sherlock Holmes do pecado não se deixou impressionar. Cobrara caro e queria demonstrar a sua competência com uma descrição minuciosa. "O alvo estacionou num Shopping e não saiu do automóvel. Alguns minutos depois um cidadão cabeludo e tatuado adentrou-se de súbito no automóvel. O alvo não havia desligado o motor do carro. Tão logo a repelente figura tomou assento, o alvo manobrou e afastou-se da cidade tomando a direção norte. Cerca de cinco minutos depois, o alvo guiou o seu carro para uma mansão..."
”E aí, meu amigo, você está me deixando tenso”, gemeu o pobre homem. "Bem, era uma residência particular e não pude entrar..." “ Olha companheiro, estou lhe pagando os olhos da cara, e o senhor me traz um relato pífio, cheio de reticências... O senhor me decepciona. Não faz jus à sua fama e ao seu preço, detetive”, rosnou o contratante.
 O relator fuzilou o marido com um olhar meio zombeteiro. "Ainda não terminei. Fiquei montando guarda nas imediações da casa. Minha intuição me dizia que eu iria observar algo definitivo. Tenho pressa para concluir esse caso.  Fui premiado. Valeu a pena persistir no meu posto de observação".
”Cerca de cinco minutos após ingressar nessa pretensiosa mansão, o alvo apareceria abraçada com o cabeludo numa varanda do primeiro andar. Desculpe mais uma vez o comentário, mas como uma mulher tão bela, de tanta classe abraça e beija um tipo desses... Mas o fato é que tirei várias fotos do alvo, sem blusa e sem mais nada (meu Deus, que seios lindos), trocando carícias com o parceiro tatuado. O senhor poderá ver algumas fotos que mostram o indivíduo mamando nos seios virginais do alvo."
O  dentista estava indócil. Mordia os lábios até sangrar. Não podia acreditar que a sua doce Vanessa pudesse estar agarrada com quem quer que fosse, a não ser com ele. A incredulidade tomou conta do seu pensar. "Meu Deus, onde eu estava com a cabeça quando contratei alguém para seguir a minha mulher? Eu estava louco. Terminou, detetive?"
 O detetive estava desconsertado. Nunca vira semelhante reação. Ainda assim, dissertou: "Depois da mamação e das felações, o cabeludo pegou o alvo nos braços, revelando a linda nudez. (Realmente, uma preciosidade). Adentrou-se no aposento e fechou a janela." E depois?, indagou o infeliz.
"Bem, confesso que não vi mais nada de comprometedor". E concluiu: "O alvo deixou a casa cerca de duas horas depois. O cabeludo abriu os portões e um rápido beijo selou a despedida".
"Essa é a minha dúvida, detetive”, O senhor fala, fala e não mostra eles trepando. Continuo com os mesmos questionamentos. É mais ou menos o que se diz do Lula e da Dilma. As pessoas  só acusam. Ninguém prova nada.”
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