segunda-feira, 28 de março de 2011

Cachaça e água

CACHAÇA E ÁGUA
RONALD MENDONÇA
MÉDICO
Em tempos de cortes e reajustes é sempre bom parar um pouco para refletir sobre a relatividade das coisas. Especialistas, curiosos e palpiteiros vêm se debruçando sobre a decisão de dona Dilma, “a presidenta de todos os brasileiros”, de reduzir 50 bilhões de um orçamento aprovado em dezembro.
O fato é que não há caixa para um salário melhor, nem pensar em concursos públicos e, certamente, o funcionalismo federal vai amargar uma mixaria de reajuste, se houver. Sem falar no imoral acréscimo de 60% que os parlamentares se auto concederam, o estranho de tudo é o substancial aumento ao bolsa-família.
Aliás, o impagável líder do governo Cândido Vaccarezza, por cima da carne seca, justificou o incremento nas bolsas com argumentos de um nobel. Seriam dois bilhões de reais, nas mãos de treze milhões de felizardos, consumidos em garrafas de cachaça ou garrafas de água. De toda maneira, o país trilhará o caminho da prosperidade. Nem que seja do alcoolismo, da cirrose e da violência, os filhos diletos da malvada.
É nessas horas que me retornam as crises de arrependimento. Deveria ter me despido do meu detestável pequenoburguesismo e ter dado braçadas em direção à esquerda para ficar assim loquaz. Em vez de estar atendendo consultas de oito reais pelo SUS, hoje nadaria nas águas serenas das mamatas.
Entraria num sindicato, faria amizade com o Zé Dirceu e o Genoíno. De repente, seria um deputado, se o bom Deus ajudasse, um senador. Quem sabe, até um líder do Lula ou da Dilma. Posaria com roupas de grife, camisas escuras de gangster americano, perfumes franceses... Teria musculosos seguranças, mansões nas praias badaladas, fazendas de gado, boa parte em nome de laranjas. Mesmo desengonçado, viraria objeto de desejo de sequiosas moçoilas.
Nas horas vagas, dissertaria sobre o meu passado glorioso. Exerceria meu lado mártir e heróico. Diria que trago na alma as cicatrizes morais das perseguições, das masmorras do arbítrio, frutos do meu tenaz combate à ditadura e em prol da redemocratização. (Mas não ia dar carne a gato: jamais admitiria que minha obsessão – era tão imaturo! - era impor uma ditadura à moda cubana ou albanesca. Esqueçam essa parte).
Mas se nada desse certo, minhas braçadas seriam para organizar eventos oficiais ou mamar numa gorda sinecura qualquer. No Carnaval – que ninguém é de ferro – fantasiado de borboleta, sairia do meu casulo e iria para Jaraguá soltar a franga e cantar a plenos pulmões: Você pensa que cachaça é água?

Os adubos da violência

A decoração, o glamour, o bom gosto e a arte de viver perderam de forma brutal e inopinada uma das mais representativas figuras. Com efeito, a arte em Alagoas ficou mais pobre e mais triste com a morte de Flavius Durval, ironicamente em pleno Carnaval.
Flavius engrossa as estatísticas brasileiras que elegeram Alagoas como o estado mais violento do país, além de ser um dos mais pobres, dos mais analfabetos, cuja concentração de renda é uma das mais desiguais.
Vítima de crime passional - segundo a imprensa-, inevitável do ponto de vista de repressão policial, posto que até a arma do crime foi um improviso. Ainda assim, acredito que o binômio violência/lassidão das leis é fator que alimenta os mais sórdidos impulsos humanos. Se os assassinos de Durval forem condenados, em cinco anos estarão nas ruas. É a “progressão da pena”, regra de ouro da nossa moderna justiça.
Ao perder meus filhos, senti na pele o desprezo que as leis brasileiras devotam às vítimas e seus familiares. Certa feita, ao queixar-me que o assassino, condenado a trinta anos, fora visto num balneário, apenas cinco anos depois, ouvi de um membro do judiciário: “Tenho muita pena de você...” Torço para que a dor dilacerante de Aidil Lessa, a mãe de Flavius, além de tudo, não seja obrigada a conviver com comiserações semelhantes.
O fato é que o cidadão comum olha para cima, para os lados e para baixo e só enxerga safadeza e impunidade. Daí, o sujeito acha que também deve ter sua cota de iniquidades. Ora, se há um comando que se envolve nas falcatruas mais despudoradas e nada acontece. Gestores que respondem a dezenas de processos e tudo fica do mesmo jeito... Ninguém é preso, não se devolve um tostão roubado... Rigoroso nesse país só o crescente “furor arrecadandi” do Imposto de Renda. Que é justamente para repassar nosso dinheiro aos manipuladores de verbas.
Em anos recentes, a população teve que conviver com os escândalos dos “Anões do Orçamento”, que nada mais eram que uma quadrilha de parlamentares a se locupletar com o dinheiro público - de emendas e outros que tais.
O caso do guerrilheiro José Dirceu é exemplar. Chefe da Casa Civil, montou, nas barbas do Lula, um dos maiores esquemas de corrupção do país, o famigerado “mensalão”. Com o fato em vias de esquecimento, o cognominado “chefe de quadrilha” (pelo Procurador Geral), o lobista Dirceu canta de galo nos bastidores do poder, enquanto aguarda que a sonolenta Justiça acorde e dê o ar da graça.

O PSF, a boa velhinha e a RENNA

Quem ler os princípios que regem o PSF, hoje Estratégia Saúde da Família
(EFM), implantado no Brasil há uns dezoito anos, pode sofrer reações as mais
díspares. Uma delas é ter um acesso de riso pela cara de pau da turma que planejou
aquele arcabouço fantasioso e alegórico. Outra reação será a da Velhinha de Taubaté,
personagem criada pelo cronista Luiz Fernando Veríssimo no período da ditadura ,para
ridicularizar o regime.
Taubaté acreditava em tudo que o governo falava. Era a inocência e a
credulidade no seu mais puro grau. Como já havia um certo ar de liberdade, a imprensa
publicava matérias que exigiam explicações públicas. A velhinha acreditava em tudo.
Creio que com a agonia da ditadura, a velhinha deve ter sofrido um derrame cerebral ou
até a morte. De qualquer forma, a personagem havia perdido a graça.
Mas ela bem que poderia ter sido resgatada pelo autor na era Lula. Seria muito
engraçado Veríssimo colocá-la em ação, acompanhando todo o desenrolar daquele
período, opinando sobre o escândalo dos Correios, ponta do iceberg que culminaria com
a descoberta do mensalão e de toda aquela gente sombria, a começar pelo careca lobista
Valério de tal e pelo boca-mole Delúbio Soares, passando por Silvinho Land Rover,
dentre outros de maior nomeada. Queria ver a doce velhinha a professar pia crença no
partido que “nem rouba, nem deixa roubar”. Boa senhora, que Deus a tenha...
Sua morte precoce poupou-lhe mais uma ridícula e inglória exposição. Aliás,
ainda lembro de um sujeito que repetia: “Não sei de nada”...
Mas, falava do PSF (ou ESF), programa que o governo finge ter implantado
no país, com sucesso. Pessoalmente, nunca nele botei fé, por óbvia razão: explora
despudoradamente o médico. Por isso ou aquilo, o fato é que raras são as prefeituras que
pagam um salário decente.
Em Maceió, sabe-se que há uma grande carência de equipes. Se funcionasse,
seria uma beleza. Hoje, ainda que atuando de forma precária, corre o risco de acabar,
pelo menos é do que falam os jornais. Com efeito, vários prefeitos estão se rebelando e
ameaçam não renovar os contratos. Não fará tanta falta assim...
Mas, falando de médicos e saúde, aproveito o embalo para informar que Maceió
está sediando a VIII RENNA (Reunião de Neurologia e Neurocirurgia de Alagoas).
Sem muitos alardes e com pouca ajuda oficial, um grupo de colegas liderados pelo Prof.
Abynadá Liro conseguiu emplacar um evento, que é a marca registrada da Neurologia e
da Neurocirurgia nordestinas.